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Dólar vai continuar caindo e ficar abaixo de R$ 5? Analistas acham difícil

Dado Ruvic/Reuters
Imagem: Dado Ruvic/Reuters

João José Oliveira

Do UOL, em São Paulo

16/02/2022 04h00

Resumo da notícia

  • Dólar subiu em todos os anos desde 2017, saindo de R$ 3,2 em dezembro/16, para R$ 5,576, ao fim de 2021
  • Mas no primeiro bimestre deste ano, a moeda americana vem dando sinais de queda
  • Veja o que analistas dizem sobre as razões disso e se essa tendência pode continuar

O dólar apresentou valorização anual em relação ao real em todos os anos desde 2017, saindo de R$ 3,25, em dezembro de 2016, para R$ 5,576, ao fim de 2021, acumulando nesse período alta de 71,6%. Mas, no primeiro bimestre deste ano, a moeda americana vem dando sinais de queda. A baixa em comparação com a moeda brasileira até terça-feira (15) é de 7,1%.

Essa tendência veio para ficar e pode levar o dólar abaixo dos R$ 5? Ou esse comportamento é passageiro, como ocorreu oito meses atrás? Profissionais de mercado ouvidos pelo UOL dizem que, se ocorrer uma queda maior, é difícil de sustentar a moeda abaixo desse valor. Entenda em detalhes a seguir.

Por que o dólar está caindo?

Juros: O principal motivo por trás da queda do dólar é o aumento dos juros, segundo profissionais de mercado. Ao longo de 2021, a taxa básica de juros (Selic) pulou de 2% para 9,25%. Na primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central neste ano, em 2 de fevereiro, a taxa subiu mais, indo a 10,75%.

Instituições financeiras e consultorias dizem que o Banco Central deve continuar elevando os juros, até 12,25%, pelo menos, para tentar conter a inflação.

Quanto maior a taxa de juros, maior o ganho oferecido pelas aplicações de renda fixa no Brasil. Isso aumenta o interesse de investidores brasileiros e estrangeiros por essas aplicações aqui no país.

Isso atrai dólares para o país. Dados do BC mostram que neste ano, até 4 de fevereiro, as entradas líquidas -já descontadas as saídas- chegaram a US$ 9,5 bilhões. Para comparar, ao longo de todo 2021, o fluxo financeiro foi negativo em US$ 3,7 bilhões.

Juros fazem esquecer os riscos

Os investidores estrangeiros continuam preocupados com as incertezas econômicas e políticas no Brasil. A principal desconfiança é se o governo vai controlar a dívida pública, dizem profissionais de mercado.

Mas os juros subiram a tal ponto que os ganhos oferecidos pelas aplicações de renda fixa aqui, muito maiores que nos Estados Unidos ou Europa, compensam o risco das incertezas.

Infelizmente, o Brasil voltou a ser campeão mundial dos juros reais. Um rendimento de 11% é muito maior que um ganho de 1% ou 2%, nos Estados Unidos. Esses juros estão blindando o Brasil das notícias de curto prazo. O mercado está ignorando os grandes riscos.
Roberto Motta, chefe da mesa de derivativos da Genial Investimentos

Outros fatores além dos juros

Profissionais de mercado também dizem que o dólar tem espaço para recuar mais, podendo vir até a testar novamente cotações ao redor de R$ 5 ao longo deste primeiro semestre, como aconteceu ano passado. Para eles, a alta dos juros no Brasil vai continuar influenciando essa tendência, potencializada por mais três fatores:

Expectativa de alta de juros nos Estados Unidos: O economista chefe do banco BV, Roberto Padovani, destaca que os juros no Brasil já estavam subindo desde o ano passado, mas o movimento de queda do dólar ganhou força em janeiro deste ano.

Segundo ele, isso aconteceu agora por causa de um movimento de ajustes de preços nos ativos em todo o mundo, após mudança de comunicação do Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos), avisando que pode começar a subir juros com mais força na economia americana.

Isso afetou a renda variável nos Estados Unidos, levando a uma busca maior por renda fixa. O ponto é que ainda existem incertezas sobre como será a alta de juros nos Estados Unidos. Então, a estratégia do investidor global foi buscar mercados em que os ativos estejam descontados. E isso está trazendo uma maior alocação de recursos no Brasil.
Roberto Padovani, banco BV

Commodities: O Brasil é grande exportador de matérias-primas, como minérios e grãos, que voltaram a se valorizar neste começo de 2022. A alta desses produtos neste momento segue favorecendo a entrada de moeda estrangeira no país, o que reduz o valor do dólar.

Descontos: A desvalorização de quase 40% do real apenas durante a pandemia e a queda de ativos, como ações na Bolsa, deixaram os investimentos no Brasil mais baratos para os estrangeiros. Esses ativos com descontos também atraem aplicadores de ocasião que trazem dólares para cá.

Veja a variação do dólar comercial ante o real

  • 2022: - 7,1%
  • 2021: +7,5%
  • 2020: +29,3%
  • 2019: +3,6%
  • 2018: +16,8%
  • 2017: +1,9%
  • 2016: -17,6%

Dólar poderia cair abaixo de R$ 5?

O dólar deveria estar valendo algo entre R$ 4,20 e R$ 4,90, dizem economistas de bancos e consultorias, se fossem considerados os fundamentos da economia brasileira, como contas externas, produtividade do trabalho, contas públicas e a diferença da taxa de juros em relação ao restante do mundo, por exemplo.

Apesar desse espaço que o real teria para recuperar ante o dólar, os mesmos economistas que fizeram essas contas acima admitem que, em algum momento, o investidor estrangeiro pode voltar a colocar na balança os riscos do Brasil e parar de aplicar aqui no país.
Eles afirmam que essa incerteza impede que o dólar caia abaixo de R$ 5 de maneira sustentável.

A equipe econômica da XP, liderada pelo economista-chefe Caio Megale, diz que os modelos que usam variáveis domésticas e externas sugerem que a taxa de câmbio poderia estar entre R$ 4,20 e R$ 4,75.

Mas ele destaca que a pandemia ainda deixa o Brasil numa situação econômica incerta, em especial por causa da fragilidade das contas públicas e da crescente demanda por gastos com programas sociais e infraestrutura que o próximo governo deve enfrentar.

Assim, acreditamos que o desalinhamento cambial continuará, pelo menos até que as diretrizes econômicas para o próximo governo sejam mais claras. Nossa projeção oficial ainda aponta para câmbio nominal em R$ 5,70 no final deste ano e R$ 5,30 ao final de 2023.
Caio Megale, XP Investimentos

3 fatores que podem realimentar alta do dólar

Especialistas destacam que existem pelo menos três fatores que podem interromper a tendência de queda do dólar e realimentar a valorização da moeda americana, inclusive neste semestre ainda.

Aumento de juros nos Estados Unidos: Se de fato os Estados Unidos subirem os juros mais rapidamente e de forma mais forte que o esperado até ano passado, o dólar vai se valorizar no mundo todo, inclusive no Brasil.

Risco de conflito na Europa: Um conflito entre Ucrânia e Rússia cria incertezas sobre a economia global, levando empresas e investidores a buscarem segurança em ativos como dólar e ouro, em prejuízo das aplicações em mercados emergentes, considerados mais instáveis, caso do Brasil.

Eleições: As dúvidas sobre qual será a política econômica no Brasil a partir de 2023 vão seguir mexendo com os mercados a cada declaração de pré-candidatos ou especulações sobre propostas de governo.

A questão a saber é até que ponto esses outros fatores serão suficientes para fazer o mundo desistir dos ganhos dos juros no Brasil.
Roberto Motta, Genial Investimentos