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'Golpe da fruta': como denunciar? Quais são os direitos do consumidor?

Anaís Motta

Do UOL, em São Paulo

19/02/2022 04h00Atualizada em 19/02/2022 18h30

Consumidores denunciaram nas redes sociais o que ficou conhecido como "golpe da fruta" no Mercado Municipal de São Paulo. Segundo relatos, os vendedores chegam a cobrar até R$ 1.200 por uma bandeja de frutas — e os clientes, que se dizem constrangidos e às vezes ameaçados, acabam pagando. A situação já está sendo monitorada pelo Procon-SP, e três bancas já foram interditadas pela Mercado SP, a concessionária que administra o Mercadão.

O que os consumidores que foram vítimas do "golpe da fruta" podem fazer? Como denunciar? É preciso registrar boletim de ocorrência? Especialistas ouvidos pelo UOL responderam a essas dúvidas.

Prevenção

Para se proteger e evitar ser vítima do "golpe da fruta", o consumidor deve sempre dar preferência às bancas onde o preço dos produtos vendidos está bem visível. Desconfie de lugares em que não há indicação do valor das frutas ou que mantêm as balanças de pesagem fora de seu campo de visão.

"O que a gente tem visto é que muitas dessas barracas onde estão acontecendo os golpes não têm nem o preço das frutas indicado, o que por si só já é uma violação do Código de Defesa do Consumidor. Fora os lugares que escondem as balanças. É um dos modus operandi dessa prática", alerta David Douglas Guedes, assessor jurídico da área de relacionamento do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

A primeira orientação que a gente tem passado é a questão da prevenção. A gente sabe que esses vendedores [golpistas] são uma minoria, e que existem comerciantes sérios, que trabalham ali há muito tempo.
David Douglas Guedes, do Idec

Primeira denúncia

Se mesmo tomando cuidado o consumidor for vítima do "golpe da fruta", ele deve procurar primeiro a administração do Mercadão. No último sábado (12), a Mercado SP informou que mantém à disposição dos consumidores o e-mail sac@mercadospspe.com.br para denunciar eventuais abusos.

"O básico é denunciar para a própria administração do Mercadão. Eles têm uma certa responsabilidade por ser uma situação muito repetitiva. Se fosse um caso isolado, tudo bem, mas como isso vem se repetindo, eles têm responsabilidade, sim. Tanto que eles lacraram alguns boxes", explica Fernando Eberlin, especialista em direito da responsabilidade civil e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Direito SP.

O UOL questionou a Prefeitura de São Paulo se o poder público não pode atuar de alguma forma para fiscalizar esses golpes, mas a Secom (Secretaria Especial de Comunicação) informou que essa função também cabe à Mercado SP.

A concessionária administra o Mercadão desde setembro de 2021.

Procon também é opção

O consumidor ainda pode registrar uma reclamação no site do Procon-SP, independentemente do retorno da Mercado SP. O processo pode ser feito em qualquer agência do Poupatempo e até pela internet, no site do Procon. Para tanto, basta:

  • Acessar www.procon.sp.gov.br/;
  • Clicar em "faça sua reclamação";
  • Digitar login e senha de acesso e clicar em "entrar". Quem ainda não tem cadastro pode fazê-lo na hora, bastando clicar em "cadastre-se";
  • Na página que se abrir, clicar em "novo atendimento" e depois em "reclamação". A partir daí, é só responder às perguntas do Procon para registrar o caso.

"No Procon, [a reclamação] tende a ir para frente porque eles estão em alerta, especialmente na última semana", reforça Guedes, do Idec.

Na última quinta (17), fiscais do Procon-SP estiveram no Mercadão para apurar as denúncias sobre o "golpe da fruta". A ação não flagrou a prática, mas 11 dos 17 estabelecimentos verificados foram autuados por outros motivos, como venda de frutas importadas com prazo de validade vencido e ausência de informação clara sobre o preço, nem a medida de referência (quilograma ou grama) dos produtos.

É caso de polícia?

Clientes que eventualmente tenham sido alvos de ameaças ou ofensas podem registrar um boletim de ocorrência na delegacia mais próxima, principalmente se tiverem testemunhas.

Segundo Fernando Eberlin, da FGV, há um artigo no CDC que trata justamente de crimes nas relações de consumo e prevê pena de até um ano de detenção, além de multa, a quem usar de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral e afirmações falsas para cobrar dívidas. O fato de a prática envolver alimentos, considerados bens essenciais, é um agravante para este tipo de crime, ainda de acordo com o CDC.

Questionados se o "golpe da fruta" poderia configurar estelionato, porém, os dois especialistas ouvidos pelo UOL responderam negativamente.

"No Direito Penal, a gente tem o que chamamos de princípio da insignificância. Quando a perda patrimonial é muito pequena, nem vale a pena a pessoa registrar o boletim. Como a gente sabe que tem ocorrido muito, talvez um crescimento de denúncias gere uma investigação criminal. Mas é um pouco delicado", diz Guedes.

"Também tenho algumas dúvidas. É mais no campo da coação, mesmo", acrescenta Eberlin. "Se eu estivesse lá e fosse constrangido dessa maneira, eu chamaria a polícia."

Você pode procurar, dentro do CDC, várias práticas abusivas nesse 'golpe da fruta'. As pessoas relatam, por exemplo, que o vendedor oferece as frutas para elas experimentarem. Isso é amostra grátis, não pode ser cobrado. Esse constrangimento [obrigar o cliente a pagar] não pode acontecer de forma nenhuma. Se não foi combinado um valor prévio com o consumidor, não tem que haver cobrança.
Fernando Eberlin, da FGV Direito SP