Peru: Saiba mais sobre os protestos contra inflação e se podem chegar aqui
A alta nos preços dos combustíveis e dos alimentos, somada à instabilidade política que perdura há meses, são os gatilhos que fazem com que o Peru assista a protestos violentos nesta semana. Ao todo, cinco pessoas morreram e foram registrados incêndios em postos de pedágio nas estradas, saques em algumas lojas e confrontos entre manifestantes e policiais. A morte mais recente, de um trabalhador rural de 25 anos, ocorreu na quarta-feira (6), durante um confronto entre policiais e manifestantes que bloqueavam uma rodovia no sul do país.
Em março, o Peru teve inflação de 1,48%. No acumulado de 12 meses, a alta nos preços é de 6,82%, muito acima da meta do banco central peruano, que fica entre 1% e 3%, e o maior nível desde agosto de 1998. Além disso, a taxa de desemprego no trimestre encerrado em fevereiro era de 8,9%.
Para efeito de comparação, a prévia da inflação em março no Brasil foi de 0,95%, a maior alta para um mês de março desde 2015 (1,24%). Em 12 meses, porém, o acumulado é de 10,79%, bem maior que no Peru e muito acima da meta do Banco Central, de 3,5%. O desemprego no Brasil está em 11,2%.
As manifestações no Peru levaram o presidente Pedro Castillo a decretar toque de recolher em Lima e no porto vizinho de Callao, após uma greve parcial de motoristas que provocou bloqueios nas estradas e distúrbios na segunda-feira. Na tarde de terça-feira, porém, Castillo suspendeu o toque de recolher.
O UOL ouviu especialistas para explicar o que acontece no Peru e se os protestos podem se espalhar e chegar ao Brasil, também fortemente impactado pela alta de combustíveis e alimentos.
Combinação de inflação e crise política
O Peru vive um processo inflacionário há algum tempo e há um cenário político que contribui para que essa situação não seja resolvida.
Pedro Brites, professor da Escola de Relações Internacionais da FGV
"Desde a chegada ao poder do [presidente] Castillo, que venceu por uma margem muito estreita, a adversária Keiko Fujimori protelou o reconhecimento da vitória, criando um ar de instabilidade. Não à toa, o presidente já enfrentou dois processos semelhantes ao impeachment nesses oito meses", disse Brites.
O mais recente processo contra o presidente esquerdista foi evitado no final de março, apesar de o Congresso ser dominado pela oposição de direita. O outro foi rejeitado em dezembro.
Com a guerra entre Rússia e Ucrânia e o consequente aumento dos preços do petróleo e dos insumos necessários à agricultura, como fertilizantes, os preços do alimentos e dos combustíveis subiram no mundo todo, inclusive no Peru, fomentando os protestos.
"O Peru é uma economia muito dependente de importações, principalmente de produtos industrializados. Com a pandemia, mais a guerra da Ucrânia, os valores das importações aumentaram bastante", afirmou Paulo Ramirez, cientista político e professor na faculdade de administração e economia da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).
Foram trabalhadores ligados justamente ao transporte e à agricultura que iniciaram as manifestações, há uma semana, com uma greve.
De acordo com Ramirez, o ritmo de aumento salarial não acompanhou os reajustes dos preços. Assim, a classe média, com menor poder de compra, iniciou uma revolta.
"O governo anterior deixou a economia em bases neoliberais, com preços variando de acordo com o mercado internacional", diz Paulo Ramirez, cientista político e professor da ESPM.
A instabilidade [política] faz com que o mercado especulativo retire dólares do mercado peruano, reduzindo investimentos, pelo fato de o Peru não ter prognósticos claros de quais serão as medidas desse governo de esquerda, não saber se ele vai manter a doutrina neoliberal ou aumentar a presença do Estado na economia.
Paulo Ramirez, cientista político e professor da ESPM
Quando investidores tiram dólares do país, a moeda peruana, o sole, se desvaloriza. Ontem, com o caos na região de Lima, o sole foi a moeda que mais caiu dentre os países da América Latina, de acordo com a Bloomberg. Quando o dólar sobe, as importações ficam mais caras, o que também puxa os preços para cima.
Para conter a inflação, o banco central do Peru deve aumentar sua taxa básica de juros em meio ponto percentual na quinta-feira, para 4,5%, segundo o site, no nono aumento consecutivo. Desde agosto, os juros já subiram 3,75 pontos percentuais.
Protestos podem chegar ao Brasil?
Assim como o Peru, o Brasil também enfrenta aumento no preço dos combustíveis e dos alimentos, que pressiona a inflação, além de altos níveis de desemprego.
Mas, apesar de ter o Brasil indicadores econômicos até piores que os do Peru, especialistas ouvidos pelo UOL acham difícil que a onda de protestos chegue até aqui. Para Brites, da FGV, os países da América do Sul têm, normalmente, processos políticos distintos.
"É difícil pensar em um processo político na América do Sul que se dê de forma encadeada entre os países. Embora algumas coisas possam ser similares, cada país acaba assumindo o próprio caminho. No Brasil, há uma alta dos combustíveis muito relevante, mas isso não desencadeou nenhuma manifestação popular nesse sentido", disse.
De acordo com ele, o Peru passa por um processo semelhante ao brasileiro, com forças políticas opostas disputando o poder. A diferença, no entanto, está no tempo desse processo.
"[O protesto no Peru] parece mais uma continuidade de outros processo políticos que temos observado na América Latina nos últimos anos, com forças políticas muito opostas entre si se enfrentando, causando um cenário político instável", afirmou.
Mas, apesar dessa semelhança, o Brasil terá uma eleição em breve, e as forças políticas estão focadas em disputá-la. No Peru, esse processo já aconteceu recentemente.
Pedro Brites, professor da Escola de Relações Internacionais da FGV
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