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Se faltar diesel, produção de comida, inflação, exportação e PIB vão piorar

Desabastecimento de diesel, se ocorrer, pode afetar transporte de grãos e elevar custo de alimentos - LUCAS NINNO/GETTY IMAGES
Desabastecimento de diesel, se ocorrer, pode afetar transporte de grãos e elevar custo de alimentos Imagem: LUCAS NINNO/GETTY IMAGES

Fabrício de Castro

Do UOL, em Brasília

11/06/2022 04h00Atualizada em 11/06/2022 12h16

O desabastecimento de óleo diesel nos próximos meses, se de fato ocorrer, coloca em risco toda a economia do Brasil. Seriam afetadas a produção de comida, a inflação, a exportação de grãos e o PIB. Essa é a avaliação de analistas ouvidos pelo UOL a respeito da possibilidade de faltar combustível no segundo semestre. Para eles, no entanto, é pouco provável que haja um desabastecimento generalizado de combustível.

No fim de maio, a Petrobras enviou ofício ao MME (Ministério de Minas e Energia) alertando para o risco de desabastecimento de diesel no país. Na última quarta-feira (8), a estatal fez novo alerta e defendeu o alinhamento de preços do diesel no Brasil com o exterior, para garantir a oferta interna do combustível.

Uma das principais preocupações é com o transporte da safra de grãos das áreas produtoras para os portos brasileiros, conforme o professor Carlos Antônio Moreira Leite, do Departamento de Economia Rural da UFV (Universidade Federal de Viçosa).

Hoje as cooperativas e os produtores em geral não precisam transportar tudo de uma só vez para o porto. Há uma capacidade relativamente boa de armazenamento nos locais de produção e, por isso, o escoamento da safra vai sendo feito no segundo semestre. O grande complicador é exatamente o diesel, porque o transporte ainda é muito dependente de caminhões
Carlos Antônio Moreira Leite, professor da UFV

De acordo com Leite, ao longo do segundo semestre, haverá transporte de grãos como soja e milho —dois produtos que são destaques na pauta exportadora brasileira. Somente no ano passado o Brasil exportou 86,1 milhões de toneladas de soja e 20,4 milhões de toneladas de milho.

Dificuldade também para o plantio

O desabastecimento de diesel, se ocorrer, poderá colocar em risco também a safra de 2022/2023 de alimentos em geral. O professor da UFV lembra que o plantio no segundo semestre deste ano depende de insumos que vêm de outros países.

É o caso de fertilizantes, sementes e defensivos agrícolas. Esses produtos chegam aos portos brasileiros e precisam ser distribuídos no interior, muitas vezes por meio de caminhões movidos a diesel.

"Os fertilizantes em grande parte estão chegando ao Brasil para a próxima safra. Eles estão nos portos, mas precisam ser levados para o 'interior do interior', onde estão as zonas produtivas", explica Leite.

Se houver desabastecimento, pode ocorrer interrupção de rotas. Outra possibilidade é a de que o custo do diesel dispare, em razão da oferta restrita. Nesse caso, o produtor pode ser forçado a repassar, para o restante da cadeia, o aumento do custo para obter insumos. O resultado seria mais inflação.

"Se não houver diesel, o custo de produção vai aumentar violentamente. E temos uma população que já está sofrendo com o aumento de preços", diz o professor.

Os dados mais recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que nos 12 meses até abril a inflação acumulada no país foi de 11,73%. No período, as hortaliças e verduras ficaram 32,15% mais caras, e as frutas subiram 25,3%. Tubérculos, raízes e legumes acumularam alta de 55,84%.

Impacto na inflação e no PIB

O superintendente da área de projetos da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras), Gabriel Emir Moreira e Silva, afirma que, em um cenário de desabastecimento de diesel, "a pressão inflacionária será grande, não tanto pelo componente da subida do preço do combustível, mas pela transferência desse custo para os alimentos".

Silva explica que o custo dos combustíveis tem um valor considerável no preço final dos alimentos. "Isso não acontece com uma TV, por exemplo, ou com outros bens de maior valor", afirma.

Para o economista William Baghdassarian, professor de finanças do Ibmec em Brasília, o desabastecimento de diesel, se ocorrer, terá impacto não só sobre a inflação, mas também sobre o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro.

"O consumo de diesel e a atividade econômica estão muito relacionados", afirma. "Se faltar diesel, haverá um impacto de desaceleração do PIB."

Brasil enfrentou crise em 2018

Em 2018, durante o governo de Michel Temer, o Brasil enfrentou fenômeno semelhante. A greve dos caminhoneiros reduziu o transporte de alimentos e demais produtos em todo o país, em especial no mês de maio, com reflexos na economia.

O IPCA —o índice oficial de inflação— subiu 0,4% em maio de 2018 e 1,26% em junho, na esteira do movimento grevista. A atividade econômica, conforme o IBC-Br (Índice de Atividade do Banco Central), despencou 3,59% em maio daquele ano, na comparação com abril.

Em 2018, a crise também esteve ligada à oferta e aos preços do diesel. A diferença é que, agora, não há um movimento de greve de caminhoneiros. Ainda assim, conforme Baghdassarian, eventual crise de desabastecimento de diesel prejudicaria a atividade econômica e teria impactos sobre os preços das mercadorias.

Nem todo mundo vai ficar desabastecido. Provavelmente, pessoas que moram no entorno de grandes cidades vão sofrer com a alta de preços de produtos, mas vão se manter. Agora, quem mora a mais de 200 quilômetros de um grande centro, por exemplo, pode ter problemas. Isso porque pode ficar muito caro para o caminheiro transportar mercadorias para lá.
William Baghdassarian, professor do Ibmec

Representantes do setor ouvidos pelo UOL afirmam que o risco de desabastecimento por diesel é maior nas regiões Norte e Nordeste do país, mais dependentes da importação. Essas regiões são mais extensas e possuem menor número de refinarias.

Vai faltar diesel?

Os analistas ouvidos pelo UOL avaliam que, apesar do risco, é pouco provável que haja desabastecimento generalizado de diesel no Brasil nos próximos meses.

"Foi uma hipótese levantada pelo próximo setor do petróleo. Há possibilidade de faltar diesel, mas precisa acontecer uma combinação de fatores para que isso ocorra. O governo já está se mexendo", pondera Baghdassarian.

Essa também é a visão de Leite, da UFV. "Tenho impressão de que o possível desabastecimento não é um risco tão grande, mas é um risco. E o governo está preocupadíssimo com isso", diz.

No início de março o MME criou um grupo para discutir soluções para a oferta de diesel, com representantes do governo, da ANP (Agência Nacional de Petróleo), de associações setoriais e da Petrobras.

Em 27 de maio, o MME publicou nota informando que os estoques de óleo diesel representam 38 dias de importação.

No Congresso, estão em discussão projetos que reduzem a tributação sobre o óleo diesel. A avaliação é de que a queda de preços pode diminuir a crise no setor e o risco de desabastecimento.

"Não acredito que haverá uma piora deste cenário. O que pode ocorrer é um aumento adicional no preço do diesel, pela necessidade de importar", afirma Silva, da Fipecafi.

Por que a oferta preocupa?

A possível falta de óleo diesel está ligada à dificuldade dos importadores em repassar o custo da operação no mercado brasileiro.

O professor de Planejamento Energético Mauricio Tolmasquim, da Coppe/UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro), lembra que, atualmente, a defasagem entre o preço nacional do diesel e o internacional está próxima de 3%. Ou seja, o diesel aqui está mais barato do que o preço internacional.

A defasagem ocorre a despeito de, em 2022, a Petrobras ter promovido três aumentos nos preços do diesel: 8,08% (janeiro), 24,9% (março) e 8,87% (maio). As elevações são para o diesel refinado pela Petrobras, que acaba servindo de referência para o produto importado.

Em função da defasagem, distribuidores de combustíveis podem desistir de importar o produto. O problema é que atualmente cerca de 30% do diesel vendido no Brasil vem de outros países.

Governo

O UOL procurou o MME para se pronunciar sobre o tema desta reportagem. O ministério não comentou.

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Errata: este conteúdo foi atualizado
A versão inicial deste texto dizia que o Brasil havia exportado 38,6 bilhões de toneladas de soja e 20,4 bilhões de toneladas de milho, quando o correto é 86,1 milhões de toneladas de soja e 20,4 milhões de toneladas de milho. O número foi corrigido e a reportagem atualizada.