Funcionária obrigada a rezar 'pai-nosso' receberá R$ 10 mil de indenização
Uma faxineira ganhou direito a R$ 10 mil de indenização após ser vítima de assédio moral no trabalho, em uma empresa de Belo Horizonte. Entre as situações relatadas pela mulher, estava o hábito da patroa em obrigar os funcionários a rezarem o pai-nosso antes de começar suas tarefas, mesmo que eles não fossem cristãos.
Segundo o processo movido na Justiça do Trabalho de Minas Gerais, a diretora da companhia era a responsável por reunir toda a equipe para a oração, em um momento chamado de "Reza do Pai-Nosso". A vítima disse que tentou fugir da tradição chegando atrasada ao trabalho, mas foi repreendida pela chefe, que "se dirigiu a ela com xingamentos, ofendendo o caráter e ameaçando diminuir o salário" da vítima.
A mulher afirmou que se sentia "constrangida" por ter que seguir uma fé incompatível com a religião que adota na vida pessoal e que se sentiu vítima de discriminação, mas destacou que o problema era apenas mais um em uma lista de assédios vividos por ela especialmente nos últimos dois anos de serviço, que a levaram a pedir demissão.
Os maus-tratos no ambiente de trabalho teriam piorado depois que ela avisou aos chefes que estava grávida, sendo diagnosticada com uma gestação de alto risco — o que a obrigou a se ausentar da empresa por alguns dias, com atestado médico. A funcionária declarou à Justiça que era alvo de xingamentos e gritos da diretora ao entregar os documentos comprovando o motivo de seu afastamento.
Em uma ocasião, a chefe criticou a trabalhadora ironizando que "gravidez não é doença".
"A atitude era de envergonhar, constranger e humilhar os empregados diante de todos da empresa", detalhou a nota publicada pelo TRT-MG.
Outro lado: Os empregadores da vítima, que atuam na venda de produtos para saúde, negaram as acusações. Eles alegaram que a funcionária tentou a todo custo ser demitida "sem motivos" para receber um valor alto de indenização.
"Isso não ocorreu, tendo em vista que a empresa sempre foi extremamente tolerante com os erros e abusos cometidos, solidarizando-se com os problemas de saúde que a ex-empregada vinha sofrendo somados à gravidez. Como a estratégia ardilosa da trabalhadora não se concretizou, ela resolveu pedir demissão, pois já não queria mais trabalhar", alegaram os advogados da empresa.
A argumentação não foi aceita pelo TRT-MG, que deu razão à trabalhadora. A desembargadora Juliana Vignoli Cordeiro, relatora do caso, afirmou que um áudio anexado ao processo pela funcionária comprova um episódio em que ela foi repreendida por não ter comparecido a um treinamento da empresa.
Em um trecho, é possível ouvir a diretora dizer as frases: "Depois que você ficou grávida, você ficou desinteressada com o negócio da empresa", "gravidez não é doença para ninguém" e "não ache que gravidez é seu meio de vida".
Um depoimento de uma testemunha também foi usado como prova a favor da denunciante, inclusive sobre os episódios de oração compulsória.
A empresa acabou condenada a ressarcir a ex-funcionária por danos morais, no valor de R$ 10 mil. O processo já está em fase de execução, em que não cabe mais recurso.
Em sua decisão, além de mencionar os artigos do Código Civil sobre assédio no ambiente de trabalho, a desembargadora destacou também o direito ao livre exercício de cultos religiosos, presente no artigo 5º da Constituição.
"A liberdade religiosa deve ser respeitada, devendo ser considerada a opção do trabalhador de cultuar e também de ser ateu ou agnóstico, não podendo a religião servir como instrumento de opressão a ser usado pelo empregador", argumentou o resultado do processo, publicado ontem.
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