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'Meu chefe tentou me beijar à força': veja relatos de assédio na Petrobras

O caso de Gisele (nome fictício) está longe de ser o único: mais de 80 relatos de assédio dentro da Petrobras foram feitos por mulheres - Unsplash/Heike Trautmann
O caso de Gisele (nome fictício) está longe de ser o único: mais de 80 relatos de assédio dentro da Petrobras foram feitos por mulheres Imagem: Unsplash/Heike Trautmann

Do UOL, em São Paulo

12/04/2023 04h00Atualizada em 18/04/2023 18h20

Alerta de gatilho: o texto abaixo contém descrições de assédio cometido contra uma mulher.

Uma funcionária terceirizada da Transpetro, subsidiária da Petrobras, denunciou seu chefe após ser vítima de assédio. A Petrobras tem sido envolvida em outras denúncias desse tipo. Depois de o sindicato pressionar, o funcionário da Transpetro ele foi rebaixado de cargo e transferido para outra unidade. Ela afirma que se sente insegura para trabalhar até hoje.

O que aconteceu

Em junho de 2022, Gisele (nome fictício) almoçou com seu chefe, à época supervisor da Transpetro em Barueri (SP). Ela achou que seria um almoço com os demais colegas de trabalho, mas só encontrou o seu patrão no restaurante.

Durante o encontro, apenas tiveram conversas triviais. Depois da refeição, porém, ela foi surpreendida quando o agressor tentou beijá-la sem seu consentimento. Ele a segurou pelos braços para conseguir o que queria.

Ela se esquivou e disse "não" repetidas vezes até ele desistir. Em entrevista exclusiva ao UOL, Gisele afirma que a ação foi presenciada por outras pessoas. "Ele finalmente me soltou e falou: 'Não vou te assediar mais', e saiu", diz.

No final de agosto, Gisele registrou boletim de ocorrência. Ela tomou essa decisão após uma amiga do trabalho relatar que o mesmo chefe também quis beijá-la à força. O caso foi registrado como importunação sexual, mas foi arquivado meses depois por falta de provas.

Ela fez uma denúncia na ouvidoria da Transpetro. Após mais de dois meses de investigações, o RH da empresa decidiu rebaixá-lo de cargo, passando de supervisor para técnico. O sindicato da categoria interveio na situação para transferir o assediador de unidade.

O caso de Gisele acontece em meio a um escândalo na Petrobras. Em março, o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) denunciou um executivo por assediar uma trabalhadora terceirizada. Nos últimos dias, mais de 80 funcionárias de todo o país relataram situações de assédio na empresa em diferentes épocas.

Eu me senti péssima. Já sofri abuso sexual na infância e adolescência. Veio tudo na cabeça. 'Por que ele fez isso comigo?'. 'Eu dei brecha?'. 'Será que eu deveria ter sido grossa com ele?'. Fiquei com nojo e vergonha de mim.
Gisele, trabalhadora vítima de assédio na Transpetro

Transpetro diz não tolerar assédio moral ou sexual

Questionada, a Transpetro não falou especificamente sobre essa ocorrência de assédio. Em nota, afirmou que "não tolera qualquer ato de violência, agressão, atitudes de assédio moral ou sexual ou atitudes e comportamentos discriminatórios contra qualquer pessoa, dentro ou fora de suas unidades". A subsidiária da Petrobras disse que as denúncias são apuradas de forma sigilosa por comissões internas que tomam as "medidas cabíveis".

Ele falava até das roupas da vítima

De acordo com Gisele, o comportamento de seu chefe mudou com o tempo. Ela afirma que nunca foi desrespeitada nos primeiros anos em que dividiram o mesmo escritório. Depois de ser transferida para trabalhar na rua, a situação mudou. Embora seja terceirizada, ela respondia diretamente ao executivo contratado pela Transpetro.

A partir de meados de 2020, eles passaram a se ver menos. Nas ocasiões em que se encontravam, ele a cumprimentava com beijos no rosto na presença de outras pessoas. Se não tinha ninguém por perto, ele a beijava no pescoço e alisava suas mãos, segundo Gisele.

Ela começou a receber mensagens impróprias em suas redes sociais. Gisele afirma que era comum ele comentar o tamanho das roupas dela em stories publicados no Instagram. Ele também declarava "sentir saudade" e "ter ciúme" do namorado dela, segundo a vítima.

Gisele ficou desconfortável com o comportamento abusivo dele. Às vezes, respondia às investidas por mensagens com um emoji envergonhado ou apenas ignorava. Ela preferiu não contar para ninguém o que acontecia por temer represálias. O agressor sugeriu mais de uma vez que agia daquele jeito porque tomava remédios para cuidar da saúde mental.

Ele começou a me tratar de uma forma nojenta. Eu sempre o respeitei, nunca tive coragem de ser grossa, de rebater. Eu ficava meio receosa [de agir desse jeito] porque ele era meu chefe.
Gisele

'É o que tem pra hoje'

Depois de registrar o boletim de ocorrência, Gisele abriu uma denúncia na ouvidoria da Transpetro. Ela diz ter sido bem acolhida inicialmente por uma funcionária, mas o constrangimento veio em seguida.

Uma comissão trocou o agressor de cargo após dois meses de apuração. Ele deixou de ser supervisor, um cargo importante na hierarquia da Transpetro, para ser técnico. Ela se sentiu injustiçada com a decisão.

Eu falei que ele ia perder a supervisão, mas ia continuar no setor. Ele ia continuar tendo contato comigo. Eu perguntei como iam deixar aquilo acontecer. Um gerente me respondeu: 'É o que tem pra hoje.'
Gisele

Ela perdeu o sono e viveu à base de antidepressivo

O Sindipetro de São Paulo soube do ocorrido e entrou na história. A instituição pediu a transferência do agressor de unidade, o que aconteceu somente após a realização de duas reuniões, na virada para 2023. Ele também está proibido de acessar o terminal de Barueri sem justificativa profissional e planejamento prévio. Gisele não pediu a demissão dele.

O sindicato informou os desdobramentos do caso em seu jornal institucional. Como resposta, a direção da Transpetro imprimiu folhetos em que dizia não tolerar o machismo e o assédio sexual. Mesmo com as respostas dadas pela empresa, Gisele não se sente 100% segura no trabalho.

Um supervisor falou para eu não ir mais à delegacia e não mexer mais com isso. Outro falou para eu não f* com a vida do cara [assediador] porque ele estava tomando remédio. Mas e eu? Eu passei em psiquiatra, tomei antidepressivo e hoje tenho muita dificuldade de dormir. Não tenho mais vontade de sair, de fazer nada.
Gisele

O depoimento de Gisele está longe de ser um caso isolado, avalia o Sindipetro. A conselheira fiscal do Sindipetro do Rio de Janeiro, Moara Zanetti, afirma que o sindicato ajudou a recolher mais de 80 depoimentos referentes a assédio corporativo na Petrobras (veja mais abaixo).

O documento foi inicialmente compartilhado apenas entre petroleiras da empresa. As declarações anônimas são tanto de mulheres que se dizem vítimas quanto aquelas que afirmam ter testemunhado algo incomum. Agora, a direção da Petrobras está responsável por analisar os relatos —essa é uma das iniciativas do grupo de trabalho montado para combater o assédio na corporação.

O assédio por si só não é um problema apenas da Petrobras, mas sim de toda a sociedade. O problema é como a Petrobras lida com esse assunto. O tema agora está começando, ainda que retardadamente, a ter um novo olhar sob a nova gestão.
Moara Zanetti, do Sindipetro-RJ

Veja abaixo outros depoimentos de funcionárias da Petrobras

O UOL teve acesso a relatos anônimos de funcionárias da Petrobras, obtidos pelo Sindipetro-RJ. Leia alguns:

"Um gerente deu um tapa na minha bunda na frente de várias pessoas, todos homens. Eu fiquei assustada e fui falar com um grupo de mulheres contratadas que conversava perto. Quando contei o fato, elas falaram: 'Ah, é o tapinha do [nome oculto]'. O tapa na bunda tinha apelido. Ninguém tinha coragem de denunciar por conta da posição dele."

"Uma vez, vários operadores estavam na sala de controle com umas fotos de uma mulher, com mesmo tom de pele que o meu e cabelo cacheado. Ela estava nua e de costas e eles discutiam se era eu na foto. Um dos caras me chamou e me perguntou se era eu ou não."

"Assim que eu entrei na empresa, um petroleiro, bem antigo de Petrobras, sempre vinha até a minha baia e fazia carinho nas minhas costas. Era extremamente constrangedor. Eu era muito nova, detestava passar por aquilo, mas ficava paralisada e não sabia como reagir."

Como procurar ajuda

Mulheres que passaram ou estejam passando por situação de violência, seja física, psicológica ou sexual, podem ligar para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher. Funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita.

O serviço recebe denúncias e faz encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. O contato também pode ser feito pelo WhatsApp no número (61) 99656-5008.

Mulheres vítimas de estupro podem buscar os hospitais de referência em atendimento para violência sexual, para tomar medicação de prevenção de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), ter atendimento psicológico e fazer interrupção da gestação legalmente.

Se houver intuito de denunciar, a orientação é buscar uma delegacia especializada em atendimento a mulheres. Caso não haja essa possibilidade, os registros podem ser feitos em delegacias comuns.