Juros têm 1ª queda em 3 anos: como isso afeta famílias, empresas e mercado

O Banco Central decidiu fazer o primeiro corte em três anos na taxa básica de juros, que passou de 13,75% para 13,25% ao ano. Embora o Brasil siga com os maiores juros reais do mundo, a queda da Selic dá início a um novo ciclo na economia e já deve trazer alguns efeitos práticos positivos para população, empresas e mercado, segundo especialistas.

Crédito mais barato para as famílias

Juros menores barateiam o crédito, favorecendo o consumo. Um corte na Selic, ainda que pequeno, vai se refletir nas taxas cobradas por bancos e lojas, o que ajuda a impulsionar o consumo das famílias. Mas esse efeito não é imediato, e os impactos mais relevantes serão sentidos pela população ao longo do tempo, explica Sérgio Goldenstein, estrategista-chefe da Warren Rena.

Com mais crédito, famílias têm alívio no orçamento. A Selic é chamada de taxa "básica" justamente porque serve como referência para outros juros do mercado, como os cobrados em empréstimos e financiamentos. Ou seja: quem vai financiar um carro ou um imóvel, por exemplo, pode ter um "suspiro", diz a economista Bruna Centeno, sócia da Blue3 Investimentos.

A queda dos juros se reflete no barateamento do custo do crédito, o que favorece o consumo das famílias. Mas vale lembrar que a Selic ainda vai permanecer em patamar alto por alguns meses e, por isso, impactos mais relevantes não serão sentidos de forma imediata.
Sérgio Goldenstein, da Warren Rena

Pensando em médio prazo, juros menores facilitam bastante a parte de orçamento doméstico. Para quem tem dívidas, financiamento imobiliário, financiamento de carro, o próprio rotativo do cartão de crédito, cheque especial? Isso tudo acompanha [a Selic].
Bruna Centeno, da Blue3 Investimentos

Incentivo para investimento e geração de empregos

Corte nos juros pode estimular a tomada de decisão das empresas. Quando os juros estão altos, o custo de operação de uma empresa também é maior, o que desestimula investimentos e contratações. À medida que a Selic cai, empresários ficam mais dispostos a tomar riscos para crescer e, consequentemente, gerar empregos — o que também ajuda na circulação de produtos e serviços, diz Centeno, da Blue3.

Geração de empregos impulsiona renda, o que melhora o orçamento das famílias. Com as empresas mais propensas a investir e contratar, a renda média da população também cresce. Na prática, um ciclo consistente de redução nos juros significa que haverá mais dinheiro em circulação no mercado, e esse impulso "é chave para as decisões privadas de investimento", escreve José Paulo Kupfer, colunista do UOL.

Com a taxa de juros sendo reduzida, isso estimula o investimento. Eu falo de investimento na economia real, com empresas mais dispostas a tomar risco no mercado, gerar empregos - o que também gera renda e ajuda na circulação de produtos e serviços.
Bruna Centeno, da Blue3 Investimentos

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Mais investimentos tendem a impulsionar o emprego - de pessoas e de bens e serviços. Se as perspectivas são de que haverá um ciclo consistente de redução dos juros básicos, aumentam as chances de que a economia entre num circuito virtuoso de produção e renda.
José Paulo Kupfer, colunista do UOL

Oportunidade para o mercado 'arriscar'

Mercado tende a migrar para investimentos de risco, como ações. No longo prazo, a contínua redução dos juros torna menos atrativos os investimentos em renda fixa, como títulos do Tesouro, CDB (Certificado de Depósito Bancário) e LCI (Letra de Crédito Imobiliária), explica André Kitahara, gestor da área macro da AZ Quest. Isso pode gerar uma "migração" para ativos mais arriscados, como ações e renda variável.

Títulos atrelados à Selic rendem menos, mas seguem atrativos. Os especialistas ouvidos pelo UOL reforçam que, embora o corte na Selic reduza a rentabilidade de investimentos em renda fixa, esse processo ainda levará algum tempo. Juros com dois dígitos ainda possibilitam retornos atrativos, ainda mais com a inflação "baixa", dizem.

Copom sinalizou que avalia novos cortes nas próximas reuniões. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comemorou o corte de 0,50 ponto percentual e classificou a decisão como "um avanço no sentido do crescimento econômico sustentável para todos".

Há um impacto direto do corte na Selic para os investimentos. Teremos os títulos de renda fixa, de forma geral, pagando rendimentos menores e os chamados ativos de risco, como as ações, sendo 'beneficiados'.
André Kitahara, da AZ Quest

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Com a Selic caindo, ele [mercado] tem um estímulo maior para fazer um investimento que vai gerar um retorno maior. Tanto que, quando você compara lucro de Bolsa com o de renda fixa, por exemplo, o primeiro geralmente é superior. Às vezes duas, três vezes maior.
Bruna Centeno, da Blue3 Investimentos

Impactos mais relevantes levam tempo

Impacto da queda dos juros deve demorar meses para ser sentido. Economistas estimam que os primeiros efeitos práticos da queda da Selic sejam sentidos daqui a seis meses, no mínimo. Centeno, da Blue3, projeta tempo maior, de nove meses. No Brasil, como cerca de 40% do crédito é direcionado ou subsidiado (com juros menores do que a Selic), as mudanças feitas pelo BC não impactam diretamente em todo o mercado.

Queda da Selic precisa ser consistente para produzir efeitos duradouros. Apenas um ciclo contínuo, ainda que gradual, de cortes nos juros pode impactar a economia, dizem os especialistas. Por ora, a expectativa do mercado é de que a Selic termine 2023 em 12% e 2024, em 9,25%, segundo as projeções do último Boletim Focus. O Brasil ainda é líder no ranking global de juros reais (descontada a inflação).

A longo prazo, juros menores diminuem gastos do governo com a dívida pública. Segundo indicadores do próprio Banco Central, cada 1% da Selic representa um acréscimo de quase R$ 36 bilhões para a dívida pública do Brasil. "Isso é especialmente vital para um governo tido por muitos como 'gastador'", escreve Carlos Juliano Barros, colunista do UOL.

Não estamos condenados a ficar com uma taxa Selic de dois dígitos. O principal risco seria o governo recorrer a expedientes que chamamos de heterodoxos, como uma forte concessão de crédito subsidiado por parte de bancos públicos, por exemplo, para estimular mais a economia.
Sérgio Goldenstein, da Warren Rena

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Acredito que as projeções [do Focus] são bastante factíveis. O que vai determinar a Selic no fim do ano, assim como a velocidade de sua queda, será a dinâmica futura da inflação. Quanto mais rápido a inflação cair, mais rápido a Selic cairá.
André Kitahara, da AZ Quest

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