'Luxar' na Argentina? Não mais: brasileiros reclamam de preços no país

Buenos Aires, na Argentina, é conhecido por ser um destino acessível para muitos brasileiros. No entanto, turistas têm reclamado nas redes sociais que "não dá para luxar", dizendo que não foi tão barato quanto imaginavam, sobretudo após a posse do presidente Javier Milei, em dezembro do ano passado.

O que aconteceu

A pintora Beatriz Bastos, 28, decidiu ir para Buenos Aires com a família na virada do ano após ver que a passagem estava mais barata do que para destinos brasileiros e incentivada por vídeos nas redes sociais que diziam que estava tudo muito acessível.

Assisti a um vídeo dizendo que o Free Shop na Argentina [loja em que se vende produtos sem impostos localizada no aeroporto] tinha batom MAC de R$ 60, aí quando fui ver estava quase R$ 170 no valor convertido para dólar - sendo que no Brasil ele custa R$ 129 Beatriz Bastos

Já nos restaurantes, pelo menos um estava mais caro do que o esperado. "Ficamos chocados, pois pagamos R$ 115 por pessoa e nem era um lugar famoso. Dividimos dois pratos de carne e pedimos bebida para quatro pessoas. No fim, pagamos o equivalente ao que gastaríamos em São Paulo".

Em um vídeo no TikTok, Beatriz brincou: "Se você está achando que vinha para Buenos Aires para 'luxar', sinto muito em dizer, mas você não vai".

Fisioterapeuta Jaqueline Carvalho, 34, visitou Buenos Aires (Argentina) na virada do ano
Fisioterapeuta Jaqueline Carvalho, 34, visitou Buenos Aires (Argentina) na virada do ano Imagem: Arquivo pessoal

A fisioterapeuta Jaqueline Carvalho, 34, teve impressão semelhante ao visitar a cidade entre o fim de dezembro e início de janeiro com o marido. "Vendo vídeos nas redes sociais, existe uma expectativa de que somos ricos lá, mas não. Buenos Aires é super democrática. Dá tanto para ir em locais baratos como mais caros - com preço semelhante ou menor do que restaurantes do Brasil".

Foi a primeira vez de Jaqueline na Argentina, e ela chegou a ouvir de conhecidos que estiveram no país antes dela que, de fato, alguns itens estão um pouco mais caros comparados há alguns meses. Ainda que não tenha achado caro o preço de restaurantes — ela disse que pesquisou muito antes de ir aos locais. Em comparação, roupas e perfumes foram os itens que achou mais "salgados" por estarem atrelados ao dólar.

Brasileiros que moram na Argentina também estão sentindo o impacto. A estudante Clarisse Alves, que mora no país desde 2014, diz que está acostumada com a variação de preços devido à alta inflação, mas nas últimas semanas ficou mais caro que o comum.

Continua após a publicidade

A impressão que tenho é de que estão aumentando o preço por precaução. A banana há um mês estava 1.000 pesos argentinos (cerca de R$ 6*) o quilo. Hoje você encontra em mercados por 2.490 pesos (cerca de R$ 15) Clarisse Alves

Fim de projetos subsidiados pelo governo tem influenciado em preços. Segundo Leonardo Guerreiro, outro brasileiro que mora na Argentina, os valores mudaram muito após as eleições. Um dos fatores determinantes, diz, foi o encerramento de iniciativas, como a Precios Justos (Preços Justos), um esforço governamental que "reduzia" preços de alguns produtos considerados essenciais, como arroz, papel higiênico e pasta de dente.

"Houve um aumento de preços sem desvalorização da moeda extraoficial. Dessa forma, qualquer produto ficou mais caro não só em pesos, como também em reais ou dólares", explicou em conversa com o UOL. Para ele, o plano de saúde foi o que mais teve aumento. Em dezembro, a mensalidade era de 125 mil pesos argentinos (R$ 750); em janeiro, a fatura do plano familiar subiu para 203 mil pesos argentinos (R$ 1.218) — um aumento de pouco mais de 60%.

Em grupos de brasileiros no Facebook que vivem na Argentina, há diversos relatos de alta de preço de diferentes itens em supermercados de dezembro para cá, como macarrão (de 900 pesos argentinos, cerca de R$ 5,40, para 1.400 pesos argentinos, cerca de R$ 8,40), arroz (de 560 pesos argentinos, cerca de R$ 3,40, para 1.500 pesos argentinos, aproximadamente R$ 9).

Está mais caro mesmo?

Continua após a publicidade

Segundo o professor do curso de economia do Insper Otto Nogami, tem dois fatores que acabam influenciando os valores tanto para o turista como para moradores.

  • O aumento de demanda no fim do ano (com mais pessoas viajando, estabelecimentos podem aumentar o preço para faturar mais);
  • Expectativas quanto às mudanças anunciadas pelo novo governo, que fazem com que empresas subam os preços diante de um cenário de incertezas.

Nogami explica que Milei desvalorizou o peso argentino e anunciou o fim do subsídio a vários setores da economia. Como resultado, os preços devem ter um valor "mais real", tornando produtos e serviços mais caros.

"À medida que existe a possibilidade de encarecimento, as pessoas tendem a provisionar. Então, as empresas tentam se resguardar elevando os preços diante de um cenário de incertezas", disse.

Ainda vale a pena ir para a Argentina?

Apesar da expectativa exibida em vídeos nas redes sociais ser diferente da realidade dos preços, tanto Beatriz quanto Jaqueline gostaram da viagem para a Argentina e disseram que voltariam ao país. A primeira citou a beleza da cidade, os parques que são "bem estruturados" e ainda disse que "o preço não afetou a diversão". Enquanto, a segunda achou todas as "experiências muito boas" e com boa oferta de "restaurantes e vinhos".

Continua após a publicidade

Do ponto de vista econômico, explica Nogami, há grandes chances de que a viagem ao país vizinho continue sendo um bom negócio. "A economia da Argentina deve demorar para controlar a inflação - eles estão num modelo hiperinflacionário há pelo menos 30 anos. Então, o turismo de brasileiros para o país deve continuar valendo a pena por muito tempo", afirmou. O especialista recordou que o Plano Real, que livrou a economia brasileira de altas taxas de inflação, levou alguns anos para surtir efeito

Melhor que só ver vídeos, é importante pesquisar bem preços e ler avaliações positivas e negativas dos lugares em sites especializados. "Com isso, você consegue tirar uma média do que vai ser na realidade e não ter tantas surpresas", ponderou Jaqueline.

*Valores convertidos de pesos argentinos para reais se baseiam no câmbio oficial, consultado em 17 d ejaneiro

Deixe seu comentário

Só para assinantes