Carne na cesta beneficia ricos e deve tornar IVA nacional o maior do mundo
A isenção de impostos para carnes na reforma tributária e outras mudanças de última hora vão concentrar renda e ainda podem tornar o imposto sobre consumo no Brasil o mais alto do mundo. O projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados na quarta-feira (10).
O que aconteceu
A reforma criou o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), para substituir uma série de impostos e simplificar a tributação brasileira. Ele é uma combinação de dois novos impostos: a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que entra no lugar dos federais PIS, Cofins, Pasep e IPI, e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que substitui o ICMS, estadual, e o ISS, municipal. O IVA é um modelo que unifica impostos e já é utilizado em outros países. O grupo que debate a reforma tributária no Congresso estabeleceu que a alíquota do IVA deve ficar em 26,5%.
Mas ela pode subir a 27% e chegar a 27,2%, o que a tornaria a maior do mundo. A estimativa preliminar é do tributarista Eduardo Fleury, da FCR Law, que participou das discussões do projeto no Congresso. A maioria dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) adota o IVA como referência.
Com uma alíquota a 27%, o IVA brasileiro se igualaria ao da Hungria, hoje no topo. O país do leste europeu cobrava 27% de IVA em 2022, segundo a OCDE. Na outra ponta, a menor alíquota é a do Canadá, com 5%.
A questão é que a alíquota de 26,5% foi definida antes de os deputados decidirem isentar as carnes de IVA. De última hora, elas entraram na cesta básica. Isso pode elevar o IVA em 0,4 ponto percentual, para compensar a isenção. Além disso, houve redução de 60% do IVA para medicamentos e de 40% para incorporadoras e construtoras, o que também elevará o percentual do imposto.
Para Fleury, a inclusão da carne foi "um erro muito grosseiro". "Você deixa de arrecadar sobre carnes e transfere a diferença para a alíquota padrão [de 26,5%], que abarca os outros produtos. E aí eleva [o percentual base do IVA para 27%]", diz.
Arrecadação não muda
A arrecadação de impostos pelos governos não vai aumentar, apesar do aumento do IVA. "No total, vão arrecadar a mesma coisa porque existe uma regra na reforma dizendo que a alíquota será calculada para manter a carga tributária atual", diz o tributarista.
É que a elevação do IVA será compensada pelos descontos concedidos a alguns setores, como carne. "Alguns produtos, serviços e operações vão ter alíquotas reduzidas ou zeradas", explica a professora do Insper Ana Carolina Monguilod, do escritório CSMV Advogados. "Isso quer dizer que os outros produtos, serviços e operações terão tributação mais alta para compensar. É por isso que a carga tributária global se manterá."
A alíquota nas alturas mantém o Brasil com uma das maiores cargas tributárias do mundo.
Imposto do pecado poderia diminuir o IVA? A reforma criou também o IS (Imposto Seletivo), um tributo adicional cobrado sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, apelidado de imposto do pecado. Apesar do objetivo desse imposto, a Câmara isentou do IS de produtos como armas e alimentos ultraprocessados.
O percentual do IS será calculado no futuro e enviado em um projeto de lei pela Presidência. Até lá, não dá para estimar o quanto ele impactará no IVA.
Eduardo Fleury, tributarista
"Carne na cesta ajuda quem é rico"
Newsletter
POR DENTRO DA BOLSA
Receba diariamente análises exclusivas da equipe do PagBank e saiba tudo que movimenta o mercado de ações.
Quero receberRicos consomem mais carne do que pobres. O presidente Lula (PT) chegou a reivindicar a inclusão de carnes baratas —como frango e suína— na cesta, mas a Câmara incluiu também os cortes nobres, como picanha e filé mignon. "A carne cara é consumida principalmente pelos 10% mais ricos", diz Fleury. "Dessa forma, concentra-se renda. Na prática, estão distribuindo os impostos da carne nobre para os produtos consumidos por todos", ao elevar o IVA geral.
Antes da inclusão da carne na cesta básica, o pobre poderia utilizar o cashback. A proposta de o trabalhador de baixa renda receber de volta os impostos pagos por determinados cortes de carnes acabou ficando de fora com a inclusão de todas elas na cesta.
No final das contas, o mais rico paga um pouco mais na alíquota padrão, mas não paga nada quando comprar uma picanha.
Eduardo Fleury, tributarista
Deixe seu comentário