Anos após morte de irmã Dorothy, ativistas ainda sofrem ameaças na Amazônia sem lei
Catorze anos atrás, em uma estrada de terra de um assentamento remoto no norte do Brasil, um matador pago por pecuaristas locais executou uma freira norte-americana que havia passado grande parte da vida lutando para salvar a floresta tropical da Amazônia e defendendo os pobres do campo.
O assassinato de Dorothy Stang, de 73 anos, que foi baleada seis vezes no peito, nas costas e na cabeça, chocou o mundo em 2005.
Seus ex-colegas, que ainda moram perto da cidade de Anapu, no Pará, onde ela trabalhava, dizem que a área continua tão à margem da lei e perigosa quanto antes.
"É um povo que quer manter a floresta em pé e defende essa floresta, até mesmo com a vida", disse a irmã Jane Dwyer, segurando uma foto da colega morta. "Porque tem gente foragida de pistoleiros e ameaças, por que eles insistem que a floresta tem que ficar em pé e defendem."
Sua situação ressalta o problema de se policiar a vasta Amazônia, onde neste ano madeireiros, pecuaristas e agricultores têm sido acusados de provocar um aumento acentuado nos incêndios e no desmatamento.
Jane e outras freiras contaram 18 mortes de agricultores de subsistência na região desde 2015. Elas dizem que os agricultores foram assassinados devido a disputas de terras e que ao menos 40 pessoas deixaram a área depois de receberem ameaças.
A Procuradoria-Geral do Estado do Pará não respondeu de imediato a um pedido de comentário sobre as alegações.
Os incêndios na Amazônia geraram uma grande crise para o presidente Jair Bolsonaro, que reagiu com irritação às acusações globais de que não está fazendo o suficiente para proteger um dos maiores escudos naturais contra a mudança climática.
Críticos disseram que sua eleição encorajou seus apoiadores armados a ignorarem as regulações ambientais. Ele nega isso, mas tomou posse em janeiro prometendo levar progresso à Amazônia, e há tempos critica as reservas indígenas e as multas ambientais por vê-las como entraves ao desenvolvimento.
Bolsonaro também é um cético de longa data de organizações não-governamentais, inclusive a Igreja Católica, que atuam na Amazônia, argumentando que estão tentando limitar a soberania brasileira. Quando a notícia dos incêndios florestais veio à tona, ele chegou a levantar suspeitas de que ONGs estariam por trás disso, sem apresentar provas.
Sua abordagem provocou tensões com líderes globais, entre eles o papa Francisco. O primeiro pontífice latino-americano disse neste mês que o desmatamento veloz não deveria ser tratado como uma questão local, já que ameaça o futuro do planeta.
No mês que vem, o Vaticano sediará um sínodo de bispos e outros representantes, incluindo povos indígenas de toda a América do Sul. A questão da proteção da Amazônia provavelmente terá grande destaque.
"ESTAMOS ASSUSTADOS"
Nas profundezas da floresta tropical, e longe dos corredores do poder, proteger a Amazônia é uma tarefa solitária, desafiadora e cada vez mais perigosa, dizem os que estão na linha de frente da luta.
Em Anapu, o governo federal encerrou em agosto um contrato com uma empresa local que foi firmado para oferecer proteção aos moradores e à floresta circundante contra invasores, disseram habitantes, que foram informados que o contrato não foi renovado por causa da falta de financiamento. A empresa de segurança encaminhou a reportagem ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e o Incra não respondeu a um pedido de comentário da Reuters.
Vinicius da Silva, de 37 anos, que comanda uma sociedade de conservação ambiental em uma reserva local e disse ter recebido ameaças de madeireiros, reclamou da falta de apoio.
"Não temos proteção", disse. "Estamos assustados. Não sabemos mais quem entra e quem sai, o que irá fazer, às vezes só sabemos que estão fazendo coisa errada, e quando pedimos ajuda do governo, eles vêm pra fiscalizar e ver os danos ambientais, mesmo assim eles dizem que quem desmatou foi o pessoal da associação, nós acabamos ficando com medo."
O Ministério do Meio Ambiente não respondeu de imediato a um pedido de comentário.
Bolsonaro disse que o Brasil, que enfrenta limitações orçamentárias severas após anos de recessão, não tem recursos para policiar a vastidão amazônica.
Mas o padre Amaro Lopes de Souza, que assim como Dorothy Stang luta pelos direitos dos sem-terra e pela preservação ambiental na região, disse que o presidente não fez o bastante para proteger o povo ou a floresta.
"Quem destrói a Amazônia não é o pequeno produtor, é o grande latifúndio. Esse latifúndio que colocou ele na Presidência agora achou que deveria desmatar e queimar e devorar tudo", disse.
(Reportagem adicional de Gabriel Stargardter)
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