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Perdeu US$ 35 mi: Gavilon ignorou aviso de controladores de risco no Brasil

Sede da Marubeni em Tóquio, no Japão - Toru Hanai/Reuters
Sede da Marubeni em Tóquio, no Japão Imagem: Toru Hanai/Reuters

Por Ana Mano

16/03/2020 08h11

Quando o conglomerado japonês Marubeni registrou uma perda de 3,9 bilhões de ienes (US$ 35 milhões) na sua unidade de grãos norte-americana Gavilon em novembro, a empresa disse que o problema estava relacionado a "transações inadequadas" com a Itália e a Espanha.

Embora a Marubeni não tenha fornecido mais detalhes, as questões que levaram à perda remontam a anos anteriores e foram ignoradas por diretores da Gavilon nos Estados Unidos, apesar dos avisos de alguns executivos da empresa no Brasil, de acordo com auditorias, emails e quatro pessoas a par do assunto.

Em junho de 2016, profissionais da área de risco da Gavilon do Brasil já alertavam sobre falhas na contabilidade que, em última análise, permitiriam à empresa lançar estimativas imprecisas de custos de frete — aumentando seus lucros e mascarando perdas, de acordo com três fontes e documentos internos vistos pela Reuters.

Naquele mesmo mês, uma auditoria da Ernst & Young sinalizou aos gerentes da Gavilon do Brasil que seus processos deixavam espaço para fraudes. Em 2017, a EY disse em outra auditoria vista pela Reuters que havia uma "deficiência significativa" na forma como os custos de frete eram contabilizados.

No entanto, foi apenas em 2019, quando a Gavilon adotou uma nova metodologia contábil, que grandes discrepâncias foram reveladas em relação às estimativas de frete nos livros da trading, levando a uma investigação interna.

Uma pessoa a par da apuração dos fatos disse que, da perda reportada, 25 milhões de dólares vinham de operações de venda de milho do Brasil para Itália e Espanha sem a devida contabilização de custos de frete.

Cerca de 10 milhões de dólares viriam de outras posições mal valoradas, resultando no rombo de 35 milhões de dólares.

Um representante da Gavilon disse que a empresa não comenta questões financeiras internas.

Um porta-voz da Marubeni se recusou a responder às perguntas da Reuters sobre Gavilon ou suas perdas.

A EY se recusou a comentar citando questões de confidencialidade.

Durante a investigação interna, a Gavilon demitiu vários executivos em sua sede em Omaha, Nebraska, mas não explicou publicamente o motivo de suas repentinas partidas.

A Reuters não conseguiu contatá-los e não pôde verificar se as demissões estavam relacionadas à investigação.

VOO CEGO

Em 2017, o ex-diretor financeiro da Gavilon do Brasil, Paulo Silva, fez um alerta veemente aos executivos americanos quanto aos problemas contábeis no Brasil, que poderiam virar "uma bola de neve" caso não endereçados.

Ele disse ser comum que novas empresas operem sem sustos durante os primeiros dois anos, mas os riscos na Gavilon aumentavam significativamente à medida que subia o volume de grãos comercializados.

"Sem controles de voo adequados, a situação pode se transformar em um voo cego de repente", escreveu Silva em um email de agosto de 2017 enviado a executivos da Gavilon nos Estados Unidos. Ele deixou a empresa cerca de dois meses depois. Silva recusou um pedido de entrevista.

Antes do rombo de 35 milhões de dólares, a operação brasileira da Gavilon era o motor do crescimento vertiginoso do grupo Gavilon, que a Marubeni comprou por 3,6 bilhões de dólares em 2012, quase dobrando seu volume de grãos.

No ano fiscal de 2018, a receita da Gavilon do Brasil subiu para mais de 10 bilhões de reais (2,2 bilhões de dólares) —seis vezes as vendas apenas três anos antes, segundo informações públicas.

As vendas de soja da Gavilon do Brasil para a China, o maior exportador e importador do mundo, respectivamente, aumentaram mais de 20 vezes em quatro anos, para 4,5 milhões de toneladas em 2019, tornando-a a quinta maior exportadora naquele ano, segundo dados de agências marítimas.

Mas quando executivos no Brasil manifestavam suspeitas sobre falhas contábeis na unidade local, a alta administração nos Estados Unidos escolhia não se aprofundar no tema —o que poderia atrair a atenção indesejada da Marubeni, disseram três fontes a par do assunto.

Em junho de 2016, executivos da área de risco já alertavam que, após anos de crescimento agressivo, a Gavilon "agora não possui controles e níveis mais altos de governança para gerenciar seus negócios", de acordo com emails e documentos vistos pela Reuters.

Naquele mesmo mês, o relatório de auditoria da EY alertava a administração da Gavilon do Brasil sobre lançamentos manuais injustificados nos livros, que eram compilados sem a devida aprovação ou documentação, o que criava "oportunidades de erros ou atividades fraudulentas".

A administração respondeu que as alterações propostas pelos auditores eram impossíveis devido a limitações de software, propondo um sistema paralelo de documentação, mostrou o relatório da auditoria.

"BOLA DE NEVE"

Na auditoria de 2017, a EY continuou a encontrar problemas na conciliação da contabilidade. Os auditores então chamaram atenção para outra prática arriscada: a Gavilon usava regularmente fornecedores de frete em duas modalidades denominadas "spot", com prazo de seis meses a um ano de prestação de serviços.

"Observamos que nas operações denominadas spot, não é celebrado contrato entre as partes", disse o auditor.

A EY chamou isso de "deficiência significativa", por não permitir saber se os custos reais de frete estavam refletidos nos livros.

"A fim de aprimoramento dos controles internos da empresa, a modalidade spot deveria ser tratada apenas para operações específicas em caráter de urgência", disse a EY.

Em julho de 2017, a Gavilon descobriu uma perda de 5 milhões de dólares devido a discrepâncias contábeis no Brasil.

Isto pegou os chefes nos Estados Unidos de surpresa, de acordo com um email do ex-controlador global da Gavilon Jeremy Koeppe.

"Nosso ambiente não é tão controlado quanto precisa ser, nem tão controlado quanto eu pensava", escreveu Koeppe, que não pôde ser encontrado para comentar.

A Reuters não conseguiu determinar exatamente qual a falha contábil que levou à perda na ocasião.

No entanto, Silva havia reclamado de "muitas mudanças de última hora (até o final do mês) nas tabelas de frete", o que dificultava a elaboração de relatórios de ganhos e perdas.

Segundo ele, o departamento de logística demorava a fornecer as estimativas de frete da área, além de aguardar até que os controladores informassem o valor de mercado das mesmas.

"Parecia de propósito", reclamou Silva aos seus superiores num email.

Mensagens internas vistas pela Reuters mostraram que Silva havia feito pedidos repetidos de controles mais rígidos para evitar "uma horrível bola de neve incontrolável".

Duas outras pessoas a par das práticas contábeis da Gavilon do Brasil ecoaram as preocupações de Silva, afirmando que graças a elas os traders poderiam ajustar os preços do frete registrados nos livros para compensar oscilações de mercado no valor de suas posições.

"Isso nos leva a pensar que eles podem estar tentando 'gerenciar' seus resultados e preços de frete", escreveu Silva.

(Reportagem de Ana Mano, em São Paulo, e reportagem adicional de Aaron Sheldrick, em Tóquio)