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Brasil assume presidência do Mercosul que se debate entre protecionismo e abertura ao mundo

Bandeira do Mercosul - Getty Images/iStockphoto
Bandeira do Mercosul Imagem: Getty Images/iStockphoto

Márcio Resende

Da RFI, em Buenos Aires

08/07/2021 08h21Atualizada em 08/07/2021 08h23

O Uruguai avisa que vai negociar acordos comerciais por fora do Mercosul (Mercado Comum do Sul), aumentando a pressão por uma abertura. Em sintonia com o Uruguai, o Brasil promete resultados concretos de integração com o mundo. A Argentina se prepara para exercer o seu poder de veto para resistir ao embate, e o Paraguai tenta um difícil equilíbrio no choque entre livre comércio e protecionismo.

A Argentina transfere nesta quinta-feira (8) a Presidência semestral do Mercosul ao Brasil, num movimento que significa passar de uma agenda mais protecionista para uma de maior abertura comercial.

Com a ajuda do Uruguai, o Brasil promete pressionar pela modernização do bloco, isto é, pela flexibilização das atuais regras que mantém as tarifas mais altas do mundo e a proibição de que um dos sócios negocie individualmente tratados de livre comércio com outros países e blocos. Pelas atuais regras, todos os países precisam negociar em conjunto e aprovar as decisões por consenso entre os quatro fundadores: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.

"O Uruguai comunicou que começará a conversar com terceiros países para negociar acordos comerciais fora do Mercosul. A posição uruguaia consiste em defender a modernização do bloco, através de uma agenda de negociações externas", avisou, em nota, o Ministério das Relações Exteriores do Uruguai durante a reunião de chanceleres que, nesta quarta-feira (7), antecedeu a reunião de Cúpula de Presidentes do Mercosul.

Resolução proíbe negociação individual

"O Uruguai entende que a decisão 32/00 não está em vigor porque nunca foi internalizada", esclareceu o governo uruguaio.

A resolução 32, aprovada em 2000, é a que proíbe a negociação individual de acordos com países de fora do bloco. A Argentina, com o apoio do Paraguai, entende que uma flexibilização dessa regra seria o fim do Mercosul como União Alfandegária.

"A Argentina está convicta de que o Mercosul é a principal plataforma para a inserção no comércio mundial e que a ação conjunta e por consenso são as chaves para essa inserção", defendeu o chanceler argentino, Felipe Solá.

O Brasil, assim como o Uruguai, quer explorar uma brecha na normativa do bloco para avançar nas negociações externas, mesmo sem consenso. Brasil e Uruguai veem na posição argentina a estratégia de exercer um poder de veto para frear as negociações com os países e blocos mais competitivos.

A saída que propõem para evitar a ruptura do bloco é adotar um sistema de velocidades diferentes: a Argentina poderia entrar, posteriormente, num acordo fechado por Uruguai e Brasil ou ter prazos mais longos do que os demais membros do Mercosul para a entrada em vigência desse acordo.

Tarifa Externa Comum

Outro foco de colisão com a postura argentina é a Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul, considerada a mais alta do mundo numa média de 12,5% enquanto a média mundial está em 5,5%.

A TEC é a barreira tarifária que o Mercosul impõe aos produtos e serviços de fora do bloco. Essa barreira funciona como uma proteção da produção local contra os importados, mas, quando elevada, também impede a concorrência no mercado regional, fazendo as suas empresas e a economia em geral perderem competitividade.

"Não foi aprovada uma redução da TEC, apesar de o Uruguai apoiar algumas das propostas apresentadas. O Uruguai entende que essa redução forma parte de um mesmo pacote de flexibilização", indicou a nota da Chancelaria uruguaia em relação à reunião ministerial do Mercosul na prévia da reunião de Cúpula nesta quinta-feira.

O Brasil queria uma redução da TEC pela metade, mas diminuiu as suas pretensões. Propõe uma redução imediata de 10% em todas as tarifas e outros 10% dentro de seis meses, também de forma generalizada.

Esse objetivo tem o apoio do Uruguai e do Paraguai, mas é rejeitado pela Argentina que quer proteger a sua indústria de mão-de-obra intensiva. Contrária à entrada de importados, a Argentina aceita diminuir apenas 10% da TEC dentro de seis meses, mas somente em 75% dos seus produtos, deixando de fora setores como automóveis, laticínios, brinquedos e têxteis.

"O Mercosul precisa de uma modernização. Tem um modelo obsoleto de integração. É o bloco menos internacional de todos no mundo", aponta à RFI o consultor argentino em negócios internacionais, Marcelo Elizondo, um dos maiores especialistas sobre Mercosul.

"Dos 20 blocos de integração no mundo, o Mercosul é o que menos comércio exterior tem em relação ao seu Produto Interno Bruto (PIB). A relação exportações x PIB é de 14,9% enquanto a média no mundo é de 33%. Na União Europeia, por exemplo, é de 51%", compara Elizondo.

Sem transmissão

Além de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, participam da reunião virtual de Cúpula do Mercosul nesta quinta-feira o Chile, como país associado, e a Bolívia, país em processo de adesão ao bloco.

Os presidentes farão os seus discursos que, pela primeira vez, por decisão do governo argentino, serão fechados sem a habitual transmissão aberta, numa evidência do choque ideológico entre os países do bloco.

Na última reunião, em 26 de março, em comemoração pelos 30 anos do Mercosul, ficou evidente a tensão em torno da abertura comercial tanto pela redução da TEC, quanto das regras para negociações com outros países e blocos.

"Queremos que o Mercosul seja um trampolim; não uma camisa-de-força, nem um lastro" pediu o presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou. "Se somos um lastro, que desçam do barco, tomem outro barco", respondeu o presidente argentino, Alberto Fernández.

Argentina quer aguentar até eleições no Brasil

Inimigos ideológicos e pessoais, os presidentes da Argentina, Alberto Fernández, e do Brasil, Jair Bolsonaro, não têm intenções de uma aproximação. A estratégia argentina é aguentar o embate com Brasil e Uruguai até depois das eleições gerais brasileiras em outubro de 2022. Alberto Fernández apoia publicamente uma candidatura do ex-presidente Lula, maior inimigo de Bolsonaro.

Na reunião de Cúpula, a Argentina vai citar avanços durante a sua presidência na revisão legal dos acordos fechados em 2019, mas ainda pendentes de ratificação, com a União Europeia e com a EFTA (Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein). Também vai apontar as negociações em andamento com Canadá, Coreia do Sul, Singapura e Líbano, mas que foram lançadas anos atrás.

Como novidade, Buenos Aires vai contabilizar o lançamento de negociações com a República Dominicana e com El Salvador, além de um incipiente diálogo exploratório com a União Africana e com a Indonésia.

Para o Brasil, os avanços foram insuficientes e com mercados de menor peso no contexto global.

"O Brasil prosseguirá os esforços para levar adiante a agenda de modernização do Mercosul para transformar o bloco num instrumento efetivo de competitividade e de melhor inserção regional e global", indicou o Ministério das Relações Exteriores brasileiro, em nota.

"Será dada prioridade à geração de resultados concretos, que tenham impacto direto na vida dos cidadãos", concluiu a nota do Itamaraty.

"Os próximos meses serão de muita tensão, com o Brasil e o Uruguai a pressionarem por uma abertura do Mercosul e com a Argentina a resistir através do seu poder de veto. Do sucesso desse confronto sairá um Mercosul mais fortalecido ou mais enfraquecido. Se o bloco se modernizar, estará integrado à economia mundial. Se continuar como está, vai encolher até seus integrantes o abandonarem", sentencia Marcelo Elizondo.