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Pandora Papers: líderes latino-americanos negam atividades ilegais

Presidente do Equador, Guillermo Lasso, é um dos líderes latino-americanos com contas offshore - Xinhua/Assembleia Nacional do Equador
Presidente do Equador, Guillermo Lasso, é um dos líderes latino-americanos com contas offshore Imagem: Xinhua/Assembleia Nacional do Equador

Márcio Resende

Correspondente da RFI em Buenos Aires

04/10/2021 11h27Atualizada em 04/10/2021 18h16

Presidentes e ex-presidentes de Chile, Equador, Colômbia e Paraguai, citados nos "Pandora Papers" negam que operações financeiras tenham sido ilegais, mas opositores pedem esclarecimentos. A América Latina tem 14 dos 35 líderes mundiais expostos na maior investigação jornalística da história. A região perde anualmente US$ 300 bilhões em sonegação de impostos.

O capítulo latino-americano da investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla em inglês) divulgado nesse domingo (3) aponta, sobretudo, para 14 dos 35 chefes e ex-chefes de Estado do mundo envolvidos em sociedades offshore. Esses líderes latino-americanos alegam ter todas as contas e ativos no exterior declarados e negam qualquer atividade ilícita.

"Nem o presidente nem a sua família possuem sociedades de investimento no exterior", garante a Presidência do Chile. "Aqui não existiu nenhum encobrimento de nenhuma natureza", afirma o presidente do Equador, Guillermo Lasso. "Nunca ocultei a identidade dos diretores e beneficiários", defende-se o ex-presidente colombiano, Andrés Pastrana. "Todas as declarações exigidas por lei, assim como o pagamento de impostos vinculados ao ativo estão em regra", responde o ex-presidente paraguaio, Horacio Cartes.

Dos 14 líderes latino-americanos, três estão hoje no poder: Sebastián Piñera, do Chile, Guillermo Lasso, do Equador, e Luis Abinader, da República Dominicana. Os demais são ex-presidentes: os colombianos César Gaviria e Andrés Pastrana, o peruano Pedro Pablo Kuczynski, o hondurenho Porfirio Lobo, o paraguaio Horacio Cartes e os panamenhos Juan Carlos Varela, Ricardo Martinelli e Ernesto Pérez Balladares.

As sociedades offshore que lhes são atribuídas são anteriores à chegada desses líderes ao poder, sendo esse um dos principais argumentos usados na defesa. Todos os que reagiram às revelações do Pandora Papers, alegaram ter declarado sociedades inscritas em paraísos fiscais como Ilhas Virgens Britânicas, Panamá, Belize e os estados norte-americanos de Nevada ou Dakota do Sul.

Paulo Guedes

Outras 90 autoridades ou ex-autoridades latino-americanas aparecem com contas offshore. É o caso do atual ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, e do presidente do Banco Central brasileiro, Roberto Campos Neto. Os dois também garantem ter tudo em regra.

Além de líderes, a investigação revelou que 78 sociedades secretas escondiam US$ 2 bilhões em Andorra, desviados da estatal Petróleos da Venezuela (PDVSA) a membros do regime chavista.

Pódio para a Argentina

De todos os países latino-americanos, a Argentina é o que mais se destaca no ranking da opacidade. O vazamento de documentos dos paraísos fiscais deixa os argentinos no terceiro lugar com 2.521 beneficiários finais, abaixo apenas da Rússia (4.437) e do Reino Unido (3.501).

Quando classificada a informação por empresas, a Argentina fica em quinto lugar com 1.448 firmas controladas por argentinos, atrás do Reino Unido (3.936), da Rússia (3.694), de Hong Kong (2.104) e da China (1.892).

Aparecem nomes envolvidos em casos de corrupção no país como Daniel Muñoz, falecido secretário do ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) e encarregado de arrecadar o dinheiro ilegal e enviado ao exterior.

Outro nome ligado à corrupção do período de Cristina Kirchner (2003-2015) é Ernesto Clarens, um financista que confessou seu envolvimento em um esquema de remessa de dinheiro da corrupção a paraísos fiscais e é processado por lavagem de dinheiro.

O consultor político Jaime Durán Barba, próximo do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), também aparece, assim como Mariano Macri, irmão mais novo do ex-presidente. Historicamente, a família Macri detém uma série de empresas na Argentina.

Zulema Menem, filha do falecido ex-presidente Carlos Menem (1989-1999), integra a lista que traz também o nome dos jogadores de futebol, Lionel Messi, Ángel Di María e Javier Mascherano, além do treinador do Paris Saint-Germain, o argentino Mauricio Pochettino. Fontes dos três jogadores informaram à imprensa argentina que as sociedades offshore foram declaradas ao fisco.

O futebol também aparece com Humberto Grondona, filho do falecido cartola Julio Grondona, que comandou a Associação do Futebol Argentino durante 25 anos.

No total, 79% das sociedades dos 2.521 argentinos citados estão localizadas nas Ilhas Virgens Britânicas. A maioria é assessorada pela firma de advocacia panamenha Alemán, Cordero, Galindo & Lee (Alcogal), pivô das contas reveladas pelos "Pandora Papers".

Presidentes latino-americanos em exercício: Chile

Em seu primeiro mandato (2010-2014), o presidente Sebastián Piñera, que era empresário antes de entrar na vida política, teria realizado negócios nas Ilhas Virgens Britânicas com a compra e venda de uma mineradora de nome Dominga. A transação envolveu o empresário Carlos Alberto Délano, um amigo de infância de Piñera.

Nove meses depois de assumir como presidente, Piñera vendeu o projeto de mineração. No Chile, o valor do contrato de venda foi de US$ 14 milhões, mas, nas Ilhas Virgens, foi de US$ 138 milhões. Em apenas 18 meses, a operação de compra e venda teria deixado um lucro de 1.000%.

A venda foi condicionada a que a área de exploração de minérios não se tornasse de proteção ambiental como pediam ambientalistas. Piñera não promoveu a proteção ambiental da área, garantindo o negócio.

Através de uma nota oficial, a Presidência chilena desmentiu a investigação "Pandora Papers", ressaltando que Sebastián Piñera não administra os seus negócios há 12 anos, que não foi informado sobre o processo de venda e que a investigação judicial sobre a operação terminou sem provas em 2017.

"O presidente nunca participou nem teve informação sobre o processo de venda da mineradora Dominga, operação realizada em 2010, quando já não tinha participação na administração dessas empresas", argumentou o governo chileno.

"O presidente não participa da administração de nenhuma das suas empresas há mais de 12 anos. Nem o presidente nem a sua família possuem sociedades de investimento no exterior", concluiu a nota.

No entanto, os candidatos à presidência da centro-esquerda e da esquerda nas próximas eleições de novembro exigem que Sebastián Piñera defenda-se publicamente da suposta sonegação de impostos e da decisão de frear uma área de proteção ambiental para benefício pessoal. A oposição argumenta que os dados revelados pelos "Pandora Papers" não eram conhecidos durante a investigação judicial

Equador

O presidente equatoriano, Guillermo Lasso, assumiu o governo em abril passado, mas construiu a sua carreira como banqueiro, primeiro como executivo e depois como acionista do Banco de Guayaquil.

A investigação "Pandora Papers" revelou que Lasso chegou a operar 11 sociedades offshore. Ele se desfez das empresas em 2017, quando uma lei passou a proibir candidatos à presidência que tivessem relação com paraísos fiscais. Segundo a investigação, o dinheiro saiu do Panamá para constituir fundos fiduciários em Dakota do Sul, nos Estados Unidos.

O presidente garante que a maioria dessas firmas estão inativas e as que ainda operam não pertencem mais a ele ou não geram dividendos. Também assegura que as sociedades eram "legais e legítimas" e que cumprem com a lei do Equador. Lasso ressalta que nunca escondeu sua participação na sociedade panamenha.

"Não tenho nenhuma relação de propriedade, controle, benefício ou interesse de nenhum tipo com essas entidades", afirmou Guillermo Lasso numa carta ao jornal equatoriano El Universo, responsável pelo capítulo Equador.

"Sempre cumpri com a lei equatoriana que proíbe candidatos e funcionários públicos de manter companhias offshore, como bem indicado nas minhas declarações juramentadas", apontou.

"Portanto, aqui não existiu sonegação de nenhuma natureza", concluiu.

República Dominicana

O presidente Luis Abinader aparece vinculado a duas sociedades secretas no Panamá, criadas em 2011 e 2014, antes de chegar ao poder em agosto de 2020.

Por outro lado, o vice-presidente da República Dominicana, Carlos Morales, criou trusts em Dakota do Sul para guardar ações de uma empresa produtora de açúcar.

Os estados de Delaware, Alasca e Dakota do Sul nos Estados Unidos também funcionam como paraísos fiscais.

Colômbia

O capítulo da Colômbia envolve os ex-presidentes colombianos César Gaviria (1990-1994) e Andrés Pastrana (1998-2002), além de 588 colombianos, entre empresários, embaixadores e legisladores, donos de sociedades offshore.

Pastrana defendeu-se, garantindo que "nunca ocultou a identidade dos diretores e beneficiários" e que a sociedade panamenha procurava transformar pesos colombianos em dólares para internacionalizar um patrimônio".

Além dos ex-presidentes, uma personalidade famosa colombiana chamou a atenção por aparecer com bens offshore, a cantora pop Shakira.

Paraguai

O empresário Horacio Cartes (2013-2018), governou o Paraguai enquanto era proprietário de sociedades com mais de US$ 1 milhão no Panamá. A empresa offshore possuía um apartamento em Miami e uma conta no banco paraguaio Amambay que recentemente tornou-se propriedade do Grupo Cartes sob o novo nome de Banco BASA.

Os advogados do ex-presidente e empresário usaram os meios de comunicação do próprio Horacio Cartes para publicar a sua defesa. A publicação afirma que o ex-presidente cumpriu com todas as obrigações exigidas pela lei.

"A sociedade foi adquirida como veículo legal para a compra de um apartamento para a sua família em Miami, Florida. A compra através desse tipo de estrutura societária era em 2011, e continua sendo, uma modalidade absolutamente legal, muito usada em processos de compra e venda porque agiliza as transações e, ao mesmo tempo, permite organizar a transferência ordenada de bens aos herdeiros em caso de falecimento do titular", explicaram os advogados na publicação.

"Todas as declarações exigidas por lei, assim como o pagamento de impostos vinculados ao ativo estão em regra", finaliza o texto.

Panamá

O governo panamenho anunciou que vai supervisionar os envolvidos na investigação "Pandora Papers" que envolve o escritório de advocacia Alemán, Cordero, Galindo & Lee (Alcogal), o mais citado na rede de sociedades offshore.

Entre os panamenhos denunciados aparecem três ex-presidentes: Juan Carlos Varela, Ricardo Martinelli e Ernesto Pérez Balladares.

A um passo da ilegalidade

Nos países da América Latina, ter ativos offshore e sociedades para negócios no exterior não é ilegal, embora gere controvérsias, sobretudo quando envolve políticos. Essas sociedades permitem custos menores e maiores facilidades para o movimento de capitais.

As suspeitas, no entanto, recaem sobre tentativa de sonegação por parte de empresários e de corrupção por parte de políticos. A ilegalidade surge quando os ativos não são declarados total ou parcialmente. Nesse caso, podem ser instrumentos ilícitos de delitos fiscais e penais.

Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), todos os anos, mais de US$ 300 bilhões são sonegados na América Latina.

Segundo cálculos do Banco Central da Argentina, os argentinos possuem US$ 220 bilhões não declarados. O montante representa 55% do Produto Interno Bruto do país e 10% de todos os dólares que circulam no mundo, fazendo dos argentinos os que mais dólares têm, acima, inclusive, da quantidade per capita de dólares dos norte-americanos.