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Todos a Bordo

Aérea deverá pagar R$ 15 mil a comissária considerada acima do peso

Alexandre Saconi

Colaboração para o UOL, em São Paulo

14/08/2020 14h30

A Avianca Brasil (ex-OceanAir) foi condenada a pagar uma indenização de R$ 15 mil por danos morais a uma comissária por pressão estética. A profissional teria sido advertida e afastada do trabalho em duas oportunidades por ser considerada acima do peso. Ainda cabe recurso da decisão.

À época da condenação, a companhia estava em recuperação judicial, mas dias depois foi decretada a sua falência. A decisão é da juíza do trabalho Yara Campos Souto, da 8ª Vara do Trabalho de Guarulhos (SP). Na sentença, a magistrada destacou que a exigência a se adequar a determinados padrões de beleza exerce pressão sobre as mulheres em particular.

Não se pode olvidar ainda o especial impacto de tais exigências [quanto ao peso] nas trabalhadoras mulheres, em relação às quais a exigência de um padrão estético é ainda mais intensa, aprofundando a desigualdade de gênero já tão presente no mercado de trabalho e criando ainda maiores óbices para que mulheres mantenham seus empregos e tenham acesso a promoções e melhores salários.
Juíza Yara Campos Souto, da 8ª Vara do Trabalho de Guarulhos (SP)

A magistrada complementou dizendo que a legislação brasileira veda práticas discriminatórias e limitadoras, mas que essas determinações esbarram em fatores culturais da sociedade, "tal qual a construção histórica do estereótipo da pessoa gorda como desprovida de saúde, desleixada e preguiçosa".

"Tais estereótipos, contudo, não podem mais prevalecer, tampouco guiar condutas patronais, em uma sociedade que se pretende justa e igualitária", afirma.

O próprio manual da Avianca Brasil associava excesso de peso a falta de cuidado pessoal.

"A proporcionalidade entre o peso e a altura varia de acordo com idade e sexo da pessoa. O equilíbrio entre estes é fator indicativo de boa saúde. O excesso de peso afeta a estética e pode ser considerado como falta de cuidado pessoal e da empresa. [...] A não observância do exposto acima, e, em casos extremos, a chefia de comissários poderá solicitar a escala para manter o comissário afastado do voo e orientá-lo para que procure um adequado tratamento, com prazo determinado", consta no manual.

O UOL tentou entrar em contato com os representantes jurídicos da Avianca Brasil para comentarem a decisão, sem sucesso. A comissária de voo pediu, por meio de sua advogada, para ter sua identidade preservada nesta reportagem.

Pressão é recorrente

A Justiça do Trabalho já acolheu diversos processos nos quais as comissárias são pressionadas a manter padrões estéticos determinados pelas empresas. Em 2019, duas profissionais conseguiram na Justiça o direito a uma compensação financeira para arcarem com os custos com manicure, depilação das sobrancelhas, esmalte e maquiagem.

A ex-comissária de voo Michelle Soares relata que a pressão realmente existe no cotidiano, e recai muito mais sobre as mulheres. "Existe muita pressão, não só de peso, mas de beleza, de uma forma geral. Quando fui contratada para trabalhar como comissária, aos 19 anos, tinha problema de acne, algo normal para a idade. Fui questionada pela chefia sobre isso, como se fosse um descuido com a higiene", diz Michelle.

A ex-comissária diz acreditar que essa prática das empresas está muito ligada à cultura do brasileiro, e que o preconceito também se estende à idade.

"As pessoas olham para uma comissária gordinha e ficam horrorizadas, como se ela tivesse dito um palavrão. E também não estão acostumadas com comissárias de mais idade, chegando a dizer que pegaram um voo com uma 'aerovelha'. Mas idade e beleza não querem dizer nada quanto à competência do profissional", afirma.