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Reportagem

Avião 'fantasma' com 121 a bordo voou sozinho por 3 h até cair na Grécia

Há quase 18 anos, a queda de um Boeing 737-300 da companhia aérea Helios nos arredores de Atenas, na Grécia, deixava o mundo intrigado por se tratar de um voo "fantasma". No dia 14 de agosto de 2005, o avião voou por cerca de três horas sem ninguém nos comandos, até ficar sem combustível e cair. Todos os 121 ocupantes da aeronave morreram.

As investigações mostraram que a falta de pressurização fez com que pilotos e passageiros perdessem a consciência por hipóxia (falta de oxigênio). O piloto automático do Boeing 737-300 comandou a aeronave à espera de novas ordens dos pilotos até acabar o combustível.

Problema começou na manutenção

Os problemas do voo 522 da companhia aérea Helios, de Chipre, começaram ainda em solo. Em uma rotina de manutenção no aeroporto de Lanarca, no Chipre, os mecânicos fizeram diversos testes para checar o sistema de pressurização do avião.

Para realizar esse serviço, precisaram alterar no painel do avião o sistema para o modo manual. Após o fim do trabalho, seria necessário retornar ao modo automático. Dessa forma, o avião seria pressurizado automaticamente à medida que ganhasse altitude após a decolagem. No modo manual, os pilotos teriam de comandar a pressurização do avião, algo fora dos padrões de voo.

Apesar do erro dos mecânicos, a falha ainda poderia ter sido corrigida pelos próprios pilotos antes e até mesmo depois da decolagem. O botão que indica se o sistema está em manual ou automático deve ser checado durante o procedimento pré-voo, após a partida dos motores e após a decolagem. Durante essas verificações, nenhum dos pilotos percebeu a configuração incorreta.

Os efeitos da falta de pressurização

Durante o voo, conforme o avião ganha altitude, o ar fica cada vez mais rarefeito, com menos oxigênio. Com a pressurização, o ar da cabine se mantém equivalente a uma altitude de 8.000 pés (2.438 metros), uma condição segura para o corpo humano. Em altitudes mais elevadas, a falta de oxigênio dificulta a respiração e diminui o raciocínio do ser humano.

Com a diminuição da pressão do ar dentro do avião, um alarme sonoro chegou a soar dentro da cabine de comando. Os pilotos, porém, não conseguiram identificar o problema e chegaram a reportar uma falha no sistema de ar-condicionado.

Pelo rádio, os pilotos até conseguiram contato com o mecânico que fizera a manutenção antes do voo. Ao ouvir o problema, ele pergunta se o botão do sistema de pressurização está em "auto". Provavelmente já sofrendo com os efeitos da hipóxia, o comandante não entende a pergunta do mecânico e se levanta para desligar o alarme.

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Voando no piloto automático

Se o problema fosse identificado a tempo, bastava girar um botão para que a pressurização fosse acionada. No entanto, o Boeing 737 continuava ganhando altitude sem ser pressurizado.

Ao atingir os 18 mil pés (5.486 metros), as máscaras de oxigênio caíram na cabine de passageiros. Nesse momento, boa parte dos passageiros ainda estava consciente e conseguiu vestir as máscaras. O problema é que o estoque de oxigênio dura apenas 15 minutos, o que seria tempo mais do que suficiente para o avião descer a uma altitude de segurança.

No caso do voo Helios 522, no entanto, o avião continuou seguindo a programação original do piloto automático. Apenas 13 minutos após a decolagem, os órgãos de controle de tráfego aéreo perderam contato com os pilotos do Boeing 737, mas o avião continuava ganhando altitude até chegar a 34 mil pés (10,4 mil metros). O Helios 522 seguiu em voo de cruzeiro até Atenas, o destino do voo.

Voando em círculos

Meia hora após a decolagem, o avião entrou no espaço aéreo de Atenas, mas sem fazer nenhum contato com os órgãos de tráfego aéreo. Já nos arredores da capital grega, o Boeing 737 começa a voar em círculo, cumprindo um padrão de espera em voo.

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Sem conseguir contato de rádio com os pilotos, dois caças F-16 decolam para verificar de perto o que se passa com o avião da Helios. Até então havia o temor de que se tratasse de um possível sequestro do avião para um ataque terrorista.

Ao se aproximarem do Boeing 737, os pilotos dos dois F-16 avisaram que os passageiros estavam com suas máscaras de oxigênio, que o copiloto estava desmaiado sobre os comandos e que o assento do comandante estava vazio.

A surpresa maior veio quando o comissário Andreas Prodromou entrou na cabine dos pilotos e chegou a acenar para os pilotos dos F-16. Ele foi o único a se manter consciente durante o voo ao utilizar tubos extras de oxigênio. Andreas tinha licença de piloto comercial, mas nenhuma familiaridade com os comandos do Boeing 737. Ele tentou, mas não conseguiu assumir o controle do avião, que seguia voando no piloto automático.

Depois de voar em círculo por mais de duas horas, o motor da esquerda apaga por falta de combustível. Dez minutos depois, é a vez do motor da direita ser desligado. O avião inicia uma descida fatal até se chocar nas montanhas da cidade de Maratona, a cerca de 40 quilômetros de Atenas.

O que mudou na aviação após esse acidente?

A queda do avião da Helios gerou mudanças importantes nos aviões comerciais para evitar que falhas semelhantes voltem a acontecer. No caso de problemas de pressurização durante o voo, há um novo tipo de alarme para não haver dúvidas sobre qual é o problema. A intenção é que os pilotos consigam identificar mais rapidamente o problema, mesmo sofrendo com a falta de oxigênio.

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Modelos mais modernos adotaram sistemas automáticos que impedem que o avião atinja determinadas altitudes se a pressurização da cabine não estiver funcionando. Ou então que o avião desça no caso de despressurização do avião.

Com essas mudanças, as chances de um novo acidente com essas mesmas características se repetir são ainda mais raras.

*Com reportagem publicada em 15/08/2020

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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