Há 100 anos, um feito para a aviação mundial era conquistado: a primeira travessia aérea do Atlântico Sul. Ela foi concluída com sucesso pelos aviadores portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, que partiram do rio Tejo, em Lisboa, com destino ao Rio de Janeiro.
A travessia foi feita entre os dias 30 de março e 17 de junho de 1922, gastando 79 dias no total. Houve diversas escalas para conseguir ser completada. Três aviões diferentes foram usados, porque dois naufragaram. À época, comemorava-se o centenário da independência do Brasil, momento que tornava mais marcante o voo.
Considerado heroico, o feito foi marcado por várias dificuldades, incluindo a troca de avião no meio da travessia após dois naufrágios.
Veja a seguir como foi feita a travessia:
Caravelas de Cabral
O projeto de travessia da Europa ao Brasil remetia à expedição de Pedro Álvares Cabral ao Brasil em 1500. Segundo documento da Força Aérea Brasileira, as duas viagens "denotam duas épocas, duas histórias, dois marcantes acontecimentos".
Em 1919, o piloto e capitão-de-fragata Artur Sacadura Freire Cabral propôs ao ministro da Marinha português a realização da travessia em busca de estreitar o relacionamento entre os dois países, ideia influenciada pela visita do presidente brasileiro Epitácio Pessoa ao país europeu. Com o avanço do plano, ele convidou o contra-almirante Carlos Gago Coutinho para ser seu navegador a bordo.
O trajeto não seria fácil, já que era uma viagem muito longa e com muitos percalços, algo feito de maneira muito mais simples e rápida hoje em dia. Para contornar alguns problemas que poderiam encontrar e não se perderem no caminho, ambos inventaram um sistema de navegação aérea específico para a jornada, que foi adotado posteriormente na aviação.
Nos anos seguintes, diversas etapas de voo foram planejadas, e o avião escolhido foi um Fairey F III-D, hidroavião inglês que tinha um dos motores mais confiáveis para realizar a travessia à época.
Lusitânia
O avião foi batizado de Lusitânia e precisou ser adaptado exclusivamente para a missão transoceânica. A envergadura (distância de ponta a ponta) das asas foi aumentada, e tanques de combustível adicional foram inseridos nos flutuadores usados para o pouso na água.
Toda a adaptação foi acompanhada pelo próprio Sacadura Cabral, e o avião ficou pronto a tempo para o início da travessia, iniciada em 30 de março de 1922.
A travessia
Na manhã daquele dia, os dois aviadores a bordo do Lusitânia decolaram de Lisboa rumo à primeira escala, em Las Palmas (Ilhas Canárias). Essa etapa inicial foi realizada a uma velocidade média de 151 km/h, bem abaixo da velocidade dos aviões de passageiro modernos, que chegam a 900 km/h.
A travessia ainda continuou com escalas em Gando (Ilhas Canárias), ilha de São Vicente (Cabo Verde), ilha de São Tiago (Cabo Verde), e, já no Brasil, no arquipélago de São Pedro e São Paulo, Fernando de Noronha (PE), Recife (PE), Salvador (BA), Porto Seguro (BA), Vitória (ES) e Rio de Janeiro.
Ao todo, foram 79 dias para percorrer 8.384 quilômetros. O trecho mais crítico, entre São Tiago e São Pedro e São Paulo, durou 11 horas e 21 minutos, e teve a maior distância, de cerca de 1.700 quilômetros de distância.
Não havia equipamentos de transmissão via rádio a bordo do Lusitânia, tornando a travessia mais peculiar ainda para a época.
Dois aviões naufragados
Quando estavam pousando no mar próximo ao arquipélago de São Pedro e São Paulo, no dia 18 de abril, os aviadores foram surpreendidos por uma onda que danificou o Lusitânia, levando ao seu naufrágio. Sacadura Cabral e Gago Coutinho foram resgatados por um navio português que os levou para Fernando de Noronha.
O governo português logo providenciou o envio de outro avião como o que havia sido usado até então, batizado de Portugal. Dessa maneira, no dia 11 de maio, decolaram de Fernando de Noronha rumo a São Pedro e São Paulo para cumprir o trecho que não havia sido completado devido ao primeiro acidente.
Esse voo, porém, também não foi concluído, pois a tripulação precisou fazer um pouso de emergência, sendo resgatada posteriormente pelo cargueiro inglês Paris City. O Portugal foi danificado de forma irreversível, interrompendo novamente a travessia.
Entretanto, um último Fairey pertencente à Marinha de Portugal fora enviado, chegando ao arquipélago brasileiro no dia 2 de junho. Essa nova aeronave foi batizada de Santa Cruz pela esposa do presidente Epitácio Pessoa, e decolou no dia 5 de junho daquele ano rumo a Recife, capital pernambucana.
O pouso na porção continental do país concluiu a primeira travessia do Atlântico Sul, apesar de todos os problemas encontrados na viagem. Os aviadores continuaram a voar até o dia 17 de junho, quando pousaram definitivamente no Rio de Janeiro, encerrando a trajetória e sendo recebidos calorosamente pelo público.
O último hidroavião que sobreviveu à travessia, o Santa Cruz, está localizado no Museu de Marinha, em Lisboa. O relatório da viagem pode ser encontrado na página da Marinha de Portugal, por meio deste link.
O retorno a Lisboa também foi marcado por uma forte recepção do público. Ambos os pilotos foram vistos como heróis por realizarem a travessia e sobreviverem.
Curiosidades
- O primeiro avião usado na travessia foi adaptado especificamente para aquela missão;
- Ao tentarem decolar de Las Palmas, o mau tempo não permitiu que a viagem prosseguisse. Dirigiram-se à Baía do Gando, mas a decolagem também teve de ser abortada devido ao excesso de água nos flutuadores do avião. Em uma segunda tentativa, uma das cordas que amarram a estrutura da aeronave se rompeu, impedindo novamente a decolagem, que só pode ser feita após todos os problemas serem contornados;
- Os tripulantes naufragaram duas vezes, e foram utilizados três aviões ao todo: Lusitânia, Portugal e Santa Cruz;
- Embora tenha sido planejada para durar cerca de uma semana, a viagem se estendeu por mais de dois meses e meio devido às adversidades;
- Além do combustível, os tripulantes tinham de calcular e levar em conta o peso de óleo lubrificante, água para radiador e instrumentos para efetuar a travessia.
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