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José Paulo Kupfer

REPORTAGEM

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Não será surpresa se dólar cair a R$ 4,50, diz especialista em câmbio

28/03/2022 08h53

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A atividade econômica não promete avançar mais de que 1% este ano e a inflação já avança para mais de 7% em 2022, segundo as projeções de momento. Além disso, dificultando a retomada da atividade econômica, as vagas que aparecem no mercado de trabalho, ainda com 12 milhões de desempregados diretos, são a salários cada vez mais baixos, o que indica dificuldades para alavancar o consumo. Sem falar que 2022 é um ano eleitoral, situação em que incertezas e volatilidades costumam estar presentes.

Mas a cotação do dólar em reais, desde os primeiros dias de novembro, quando chegou a R$ 5,67, já recuou mais de 15%, fechando, nesta sexta-feira, a R$ 4,77. Seria uma situação paradoxal se valesse a falsa concepção segundo a qual moeda local valorizada é indicação de economia forte. Se isso fosse verdade, a China não seria hoje a potência econômica que é e outros países, até mesmo o Brasil em outras épocas, não teriam avançado economicamente como avançaram.

Os caminhos do câmbio são realmente tortuosos, com muito fatores domésticos e, principalmente, externos operando para a formação das taxas de conversão. Uma das mais conhecidas das muita anedotas sobre economistas diz que o exercício de prever a cotação do dólar foi criado para humilhar os economistas.

A verdade é que, no curto prazo, os chamados fundamentos econômicos — indicadores macroeconômicos equilibrados, que permitem à economia funcionar promovendo bem-estar para a população — valem pouco, para não dizer nada, na busca de explicações para a trajetória das cotações do dólar. São outros os fatores, mais ligados à oportunidade de obtenção de ganhos mais altos com riscos mais baixos, que explicam as ondas de valorização e desvalorização das moedas.

Para Julia Braga, professora na UFF (Universidade Federal Fluminense), que tem a taxa de câmbio como um dos focos de seus estudos e pesquisas, o que explica a atual valorização do real é uma combinação da grande diferença entre a taxa de juros interna e externa, com alta dos preços internacionais das commodities exportadas pelo Brasil, e a percepção de um risco-país baixo, pelo alto volume de reservas internacionais. Esse quadro reverterá quando um ou mais desses elementos, sobretudo o diferencial de juros, também reverter.

"Não será surpresa se a cotação do dólar chegar a R$ 4,50, há espaço para isso", avalia a economista. Na entrevista a seguir, Julia Braga ajuda a entender por que o real está se valorizando ante o dólar, depois de um ciclo de desvalorizações, em 2021.

Por que está ocorrendo essa valorização forte do real ante o dólar, quando os chamados fundamentos da economia não estão lá essas coisas?

Julia Braga — Para os fluxos internacionais de capitais, no curto prazo — no longo prazo é outra história —, por mais que uma economia apresente problemas, o que conta mesmo é a análise do custo e do benefício de dirigir recursos para uma dada economia. Os investidores medem o tempo todo os riscos diante dos ganhos.

Na parte dos ganhos, neste momento, a diferença entre os juros praticados no Brasil e nos mercados internacionais está muito alta. Na parte dos riscos, a medida mais adotada é o nível do CDS. O CDS do Brasil está baixo, não foi contaminado pela crise da Ucrânia.

O Banco Central brasileiro havia reduzido demais as taxas básicas de juros, mas depois se antecipou aos demais bancos centrais do resto do mundo e aumentou os juros muito forte e muito rápido. A diferença, que atrai capitais, está alta. Já superou 10% e agora até caiu um pouco, porque o Fed (Federal Reserve, banco central americano) começou a subir os juros de referência nos Estados Unidos, mas está fazendo isso muito gradualmente.

Enquanto nos Estados Unidos os juros aumentam 0,25 ponto percentual a cada reunião do Fed, aqui as altas são de 1 ponto ou mais. A diferença de juros entre eles e nós ainda é bastante elevada. Assim, um diferencial de juros alto frente a uma percepção de risco baixa, no meu modo de ver, é o que melhor explica a valorização da taxa de câmbio neste momento.

Por que a percepção de risco sobre o Brasil e a economia brasileira é baixa no momento, se, além de problemas econômicos, tem eleição presidencial em outubro, o que sempre traz incertezas?

Essa é uma boa pergunta. O investidor, claro, processa essas questões, mas isso não é o mais importante nas decisões dele. Não é, por exemplo, a eventual fragilidade das contas fiscais brasileiras que realmente interessa.

O que ele quer saber é se o país terá condições de pagar em dólar quando resolver realizar os ganhos e sair do país, se ele vai receber em dólares o que aplicou mais os ganhos que obteve. Para garantir isso, o Brasil dispõe de volumes enormes de reservas internacionais. É o contrário do que ocorreu, por exemplo, na crise russa de 1998, quando o país praticamente tinha esgotado suas reservas internacionais e a pressão sobre a moeda exigiu até mesmo a mudança do regime cambial.

A alta na cotações internacionais de commodities, das quais o Brasil é grande exportador, também não influenciam a valorização da taxa de câmbio?

Sim, esse é um fator adicional importante. Os grandes exportadores podem vender no exterior e, em tese, nunca mais trazer de volta para o país as receitas obtidas nas exportações. Mas, a partir da virada do ano, houve uma onda de internalização dessas receitas e os dólares que voltaram dos exportadores estão ajudando na valorização do real.

Quais são as diferenças entre o momento atual e o fim de 2021 quando a cotação do dólar chegou quase a R$ 6?

No fim do ano passado, registrou-se um movimento ponderável, maior do que o esperado pelo Banco Central, de remessa de lucros e dividendos por grandes multinacionais instaladas no Brasil. Além disso, as exportadoras não estavam trazendo de volta seus dólares.

As remessas foram acima do esperado porque a margem de lucro das exportadoras, muitas estrangeiras, foi elevada no ano passado. Tinha havido desvalorização cambial em combinação com aumento em preços internacionais de commodities.

Também é preciso considerar que as perspectivas de crescimento econômico eram e são baixas, o que faz com que a parcela de lucros e dividendos remetidos acabe ficando maior porque ocorre redução na parcela mantida no país para reinvestimento.

E os exportadores brasileiros, por que não retornavam com as receitas de exportação?

Acho que a própria valorização e, mais relevante, a expectativa de valorização do câmbio, exatamente pelo diferencial que se abre entre as taxas de juros interna e externas, parece ter operado na direção do retorno de receitas em dólares. Houve também, e isso não se pode deixar de considerar, um efeito manada. Quem não está na onda, muitas vezes teme ficar para trás e perder, então adere sem estratégias tão bem definidas.

Esse movimento de ingresso de dólares, valorizando a taxa de câmbio, pode ir até aonde?

Há muita incerteza, principalmente com os desdobramentos da guerra na Ucrânia, o que gera volatilidades e riscos. Mas insisto que o vetor mais forte dessa valorização do real é o diferencial alto de juros, ajustado ao risco baixo. Esse movimento de valorização da taxa de câmbio, na minha concepção, prossegue até aparecerem sinais evidentes de que o diferencial de juros vai se estreitar mais rápido.

Assistimos, neste momento, um debate muito intenso nos Estados Unidos sobre a conveniência de o Fed acelerar ou não o ajuste da taxa de juros e do enxugamento da liquidez que injetou no mercado em razão da pandemia. Mas, por enquanto, o Fed sinaliza ações lentas e graduais na direção desse ajuste.

Seria possível prever até que ponto a cotação do dólar pode recuar e quando isso se daria?

Várias análises, inclusive de organismos internacionais, sinalizam que uma cotação do dólar perto de R$ 4,50 atenderia aos fundamentos da economia. Eu, particularmente, acho essa ideia de "fundamentos", no caso do câmbio, meio complicada. Mas não me surpreenderia se a cotação chegasse mesmo a R$ 4,50, vejo espaço para isso, embora esse seja sempre um exercício coalhado de incertezas.

Há uma ampla corrente de economistas que relaciona a situação fiscal com os movimentos da taxa de câmbio, entendendo que, quanto maiores os riscos fiscais, mais altas as cotações do dólar. O lado fiscal melhorou a ponto de ajudar a explicar a valorização cambial?

O discurso era exatamente esse, que havia um grande problema fiscal interno e que, portanto, haveria inflação via desvalorização cambial. De fato, indicadores fiscais melhoraram mais recentemente, mas uma das principais razões dessa "melhora" deriva do aumento da inflação, o financiamento das contas públicas está sendo feito pela inflação. O que eu entendo é que, na questão do câmbio, não adianta muito perseguir esses indicadores.

Se, na questão do câmbio, não é para ficar olhando nos indicadores macroeconômicos, resumindo, é para olhar o quê?

O primeiro é o diferencial dos juros, e o segundo é o prêmio de risco. Esses dois elementos, por sua vez, variam de acordo com as condições de liquidez internacional, inclusive preços de commodities. Quando a incerteza cresce lá fora, o prêmio de risco aqui costuma Brasil crescer, porque diminui a liquidez internacional, mas desta vez, não se observa, pelo menos até aqui, essa contaminação nos prêmios de risco. Os fundamentos que interessam, no caso do câmbio, são os fundamentos do balanço de pagamento, que indicam a capacidade de pagar dívidas em dólares.