José Paulo Kupfer

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Opinião

Razões para o BC intervir no dólar, e para não esperar escalada na cotação

Causou surpresa e fez o mercado de dólar dar mais uma balançada, nesta terça-feira (2), o anúncio pelo Banco Central, no fim da tarde da segunda-feira (1º), de um leilão extraordinário de swap cambial. Esse instrumento é usado quando a intenção é estancar volatilidade das cotações, em momentos de turbulência no mercado cambial. O mecanismo, que no fim da linha, injeta dólares na praça, esfriando as cotações, não foi utilizado em nenhum momento em 2023,

A cotação da moeda americana, de fato, tem oscilado para cima, depois de fechar o ano passado em R$ 4,85. Do início de março para cá, as cotações passaram de R$ 4,95 para R$ 5,05, com alta de quase 2%.

Disparada do dólar fora do radar

Nos últimos dias, houve uma escalada, com o dólar saltando de R$ 4,97, na quarta-feira (27) para R$ 5,07, na manhã da segunda-feira (1º), mais 2% nesse pequeno período. Na terça-feira, depois do anúncio do leilão extraordinário de dólares, a cotação oscilou em torno de R$ 5,05, em ligeira baixa.

Virou clichê, de tão repetida, a anedota segundo a qual o exercício de prever a cotação do dólar foi inventado para humilhar economistas. Mas, tudo bem pesado, seriam necessárias muitas e intensas reviravoltas — recrudescimento de velhas ou instalação de novas guerras, por exemplo —, no ambiente econômico externo e interno, para que a cotação do dólar, ao longo de 2024, saísse do intervalo estreito entre R$ 4,70 e R$ 5. "Mais para R$ 5 do que para R$ 4,70", anota o experiente José Francisco Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, sem acreditar em disparada das cotações.

Analistas que acompanham o mercado de câmbio estão divididos sobre os reais motivos da intervenção do BC, no mercado cambial. O BC justificou o leilão de US$ 1 bilhão, totalmente absorvido pelo mercado, como medida para neutralizar pressões de compra de dólar com o vencimento de um título público, com variação cambial, a NTN-A3, lançamento em 1997.

Intervenção pontual ou teste para o futuro?

Há dúvidas no mercado sobre o volume de dólares que terão de ser comprados, na liquidação de posições desta NTN-A, cujo vencimento expira na segunda-feira, 15 de abril. Estima-se que terão de ser liquidados algo acima de US$ 3,5 bilhões, e, assim, também existem dúvidas se a oferta pelo BC de um terço desse montante será suficiente para evitar mais volatilidades nas cotações.

Nem todos, porém, acreditam que não existe temor, no Banco Central, de que a volatilidade nas cotações do dólar tenha vindo para ficar em 2024, vinculado a outros fatores, não apenas à liquidação de um título público antigo. Por isso, há suspeitas que o leilão anunciado de surpresa seria um teste para as intervenções que pudessem vir a ser necessárias mais à frente.

Pode-se reunir argumentos para sustentar essa suspeita. A lista começa com as expectativas sobre uma freada ou redução do ritmo de cortes dos juros de referência, nos Estados Unidos, diante dos insistentes sinais de aquecimento da economia, e, sobretudo, do mercado de trabalho. São essas expectativas que estão dando força ao dólar, ao redor do mundo, nos últimos dias.

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No plano interno, a volatilidade que pode atingir as cotações do dólar refletiriam incertezas em relação a definições da política fiscal — alteração da meta de zerar o déficit primário das contas públicas ou promover os contingenciamentos de gastos que garantam o equilíbrio fiscal, como o mercado acha preferível. O quadro se completaria a partir doo natural aumento das incertezas na medida em que se aproxima a troca na presidência do BC, que ocorrerá no fim do ano.

Entrada de dólares via exportação

São esses movimentos, principalmente aos ligados ao eventual estreitamento do diferencial entre os juros de referência, nos Estados Unidos, e os juros básicos, no Brasil, como avalia Gonçalves, que explicariam a saída de investidores estrangeiros da Bolsa e do mercado futuro de câmbio, repatriando dólares, neste momento específico.

Essas previsíveis pressões do dólar contra o real seriam mitigadas pela pujança da balança comercial. As vendas brasileiras para o exterior se mantêm fortes, resultando em projeções para os saldos comerciais acima de US$ 80 bilhões, em 2024. É volume considerável de moeda americana afluindo, mais cedo ou mais tarde, para o mercado interno, empurrando cotações para baixo.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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