IPCA
0,83 Mai.2024
Topo

Quais os projetos econômicos que se enfrentam nas urnas?

Antonio Lacerda/EFE
Imagem: Antonio Lacerda/EFE

Ruth Costas

Da BBC Brasil em São Paulo

25/10/2014 18h20Atualizada em 25/10/2014 18h20

No discurso petista, o atual projeto econômico tucano é neoliberal: prevê um Estado mínimo, o combate à inflação com políticas que geram desemprego, cortes nos gastos sociais e uma abertura econômica radical.

No discurso tucano, o projeto econômico petista é populista e resgata o velho desenvolvimentismo: prevê um Estado inflado e centralizador, leniente com a inflação e protecionista.

No palanque, porém, assessores e candidatos dos dois lados não raro defendem políticas semelhantes.
Prometem ser duros contra a alta de preços, fazer um ajuste econômico gradual, ampliar os gastos em programas e áreas sociais, promover investimentos em infraestrutura por meio de parcerias público-privadas e por aí vai.

"É claro que, na prática, governos dos dois partidos podem ter resultados muito diferentes, em função da capacidade técnica e administrativa de cada equipe. E não há como negar a existência de diferenças importantes entre seus projetos econômicos", disse Peter Hakim, consultor do Inter-American Dialogue.
"Mas por outro lado, também há muitas semelhanças entre os dois projetos. É difícil pensar que estamos diante de modelos opostos, como ocorre nos EUA, onde há defensores de um Estado mínimo. De certa forma, PT e PSDB são partidos que, na Europa, provavelmente seriam aliados".

Então, quais são, afinal, as diferenças e semelhanças fundamentais entre os projetos econômicos de Dilma Rousseff, do PT, e Aécio Neves, do PSDB? Ou quais as duas propostas econômicas que devem se enfrentar nas urnas neste domingo?

A lista abaixo, feita com base nos discursos dos candidatos, programas de governo e avaliações de analistas, é uma tentativa de elucidar essas questões.

Papel e tamanho do Estado

No terreno das diferenças, há certo consenso de que Dilma daria ao Estado um papel um pouco maior na condução da economia do que Aécio, como destacam André Biancarelli, da Unicamp, e Lourdes Sola, da USP. E o candidato do PSDB seria menos desconfiado dos "mercados" e do setor privado.

Mas assessores de Dilma também dizem que, em um eventual segundo mandato, ela deverá ensaiar uma aproximação ao empresariado, além de tentar corrigir erros que teriam atrasado ou prejudicado parcerias e concessões na área de infraestrutura.

A respeito do tamanho do Estado, Aécio propõe a redução do número de ministérios pela metade e se comprometeu a enxugar gastos desnecessários e a não aumentar a carga tributária. Mas, como Dilma, ele promete manter e expandir os gastos em áreas e programas sociais.

A presidente, por sua vez, não acha que o número de ministérios esteja inflado, mas admite que a partir de agora a política fiscal do governo pode ser um pouco menos expansionista.

Nos últimos anos, os gastos do governo se ampliaram como parte de uma política anticíclica que visava, segundo Dilma, diminuir os efeitos da crise internacional no país. Para o PSDB, tal expansão ajudou a impulsionar a inflação.

Política industrial

A indústria brasileira vem perdendo competitividade nos últimos anos e desacelerou de maneira brusca. Mas os dois candidatos parecem ter concepções distintas sobre como enfrentar essa crise.

Dilma se mostra a favor de uma política setorial, em que o governo escolhe alguns setores para incentivar por meio de desonerações e crédito subsidiado.

Já Aécio seria a favor de políticas horizontais, que melhorariam as condições de operações de todas as empresas - como uma reforma tributária e a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), consolidando diversos tributos, como ICMS, IPI, PIS e Cofins.

Hakim, do Inter-American Dialogue, diz que Aécio também parece menos inclinado a diferenciar entre empresas nacionais e estrangeiras - rejeitando, por exemplo, a imposição de regras de conteúdo nacional e a preferência dada a produtos nacionais em compras governamentais.

Abertura econômica

O ex-presidente do BC Armínio Fraga, escolhido pelo candidato tucano para ser seu ministro da Fazenda, fala em fazer uma "abertura gradual" e diz que isso ajudará a aumentar a competitividade das empresas nacionais.
"Está muito claro que a economia fechada, mesmo com todos os subsídios e desonerações, não está dando certo para a indústria", disse ao jornal "O Estado de S. Paulo".

No passado, o ministro da Fazenda de Dilma, Guido Mantega, se declarou contra uma nova rodada de abertura da economia.

"Se abrirem a economia não sobra um tijolinho da nossa indústria", afirmou ao jornal Valor Econômico. Mantega não ficará no cargo se Dilma vencer, mas não há indícios de uma mudança no posicionamento da atual gestão sobre o tema.

Investimentos sociais

Tanto Dilma quanto Aécio prometem aumentar os investimentos em saúde e educação e expandir programas sociais como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida.

No caso do Bolsa Família, ainda há uma disputa por sua paternidade - Aécio diz que ele surgiu a partir do Bolsa Escola, da gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Já Dilma ressalta que o programa só atingiu uma dimensão expressiva nos governos do PT, quando foi expandido para 14 milhões de famílias.

O tucano chega a prometer uma lei para fazer do Bolsa Família uma política de Estado e evitar seu uso eleitoral.

Já Dilma promete expandir o acesso de seus beneficiários ao Programa Nacional de Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e ao programa de microcrédito.

Ambos os candidatos prometem manter e ampliar programas sociais, como o Bolsa Família, que atende Claudia (centro), moradora do Complexo da Maré, no Rio

Para Biancarelli, na prática, o PT é o partido que mais tem se empenhado em avançar no combate à pobreza – e, por isso, de fato, o partido tenderia a dar mais ênfase para áreas sociais.

Já Samuel Pessoa, economista da FGV próximo ao PSDB, diz que essa é uma agenda da sociedade brasileira, que independe dos partidos.

"Desde a constituição de 1988, há um entendimento de que se deve implementar no Brasil um Estado de bem-estar social do padrão da Europa Continental. Por isso os gastos sociais têm crescido continuamente", diz.

Inflação

Armínio Fraga defende que é possível em alguns anos se chegar a uma meta inflacionária de 3%, com margem de um ponto percentual para cima e para baixo. A atual meta é de 4,5%, com dois pontos de tolerância.

A campanha de Aécio, porém, não diz quais serão os instrumentos para conter a alta de preços – e o PT vem acusando o ex-presidente do BC de querer subir os juros e gerar desemprego.

Dilma não admite qualquer problema com a inflação, apesar de ela estar no topo da meta do BC, e atribui as pressões inflacionárias à alta de alguns alimentos e da energia em função da seca.

Não há planos para mudar as metas de inflação, mas Dilma já anunciou que Mantega não estará no próximo governo. Em tese, ela poderia indicar alguém que apoiasse políticas mais rígidas.

Bancos públicos

A visão do PT é de que os bancos públicos tiveram um papel crucial nas políticas expansionistas para evitar um impacto maior da crise internacional no Brasil. Ao promover uma expansão do crédito, eles teriam ajudado a manter a demanda interna e a proteger o emprego.

Dilma também defende que os governos petistas profissionalizaram os bancos públicos enquanto Aécio acusa a atual gestão de ter "aparelhado" essas instituições.

Fraga declarou não entender a lógica dos empréstimos com crédito subsidiado feitos pelo BNDES a grandes empresas que poderiam se financiar no mercado.

Em entrevista recente ao jornal "Valor Econômico" o atual presidente do BNDES, Luciano Coutinho, defendeu essas operações.

Ajuste

Aécio promete uma volta ao cumprimento rígido do chamado "tripé", a política que combina metas fiscais, metas de inflação e câmbio flutuante. Mas segundo Fraga, o ajuste será "gradual".

No governo Dilma, anunciou-se a transição para a "nova matriz econômica", que combinaria juros baixos, taxa de câmbio "competitiva" e uma "consolidação fiscal amigável ao investimento e ao crescimento", nas palavras do secretário da Fazenda, Márcio Holland.

O BC passou a fazer intervenções no câmbio, a inflação ficou próxima do teto da meta e analistas começaram a denunciar que o governo estaria lançando mão de manobras contábeis para alcançar as metas fiscais.

O governo, porém, tem negado que o "tripé" tenha sido "substituído". Diz que a inflação está dentro do limite e que a meta de superávit primário, de 1,9% do PIB, ainda pode ser alcançada. Também não admite as manobras fiscais e acusa a oposição de querer fazer um ajuste recessivo, que geraria desemprego.

Há indicações, porém, que a política fiscal em um eventual segundo governo Dilma poderia ser mais retraída.