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O empreendedor desconfiado

Marco Roza

Colunista do UOL, em São Paulo

03/07/2013 06h00

Empreender, como sabem todos aqueles que tentam, é sobreviver a uma série de erros e acertos, que agrega ao gestor do novo negócio uma sabedoria capaz de combinar os tombos com a capacidade de dar a volta por cima.

Os novos empresários que acertam mais do que erram correm o risco de se tornarem descuidadamente otimistas. E os que erram, e mesmo assim persistem no limite da sobrevivência da empresa, costumam se tornar demasiadamente desconfiados. O que pode ser um risco para o crescimento do negócio.

Porque todo negócio é baseado na confiança recíproca. Que vai muito além do que registram os contratos formais. Confiança que começa no processo mesmo de apresentação das propostas, da confirmação das intenções e que continua no dia a dia de viabilização do empreendimento.

Mas as cicatrizes deixadas por tombos antigos muitas vezes fazem com que o novo empresário adote uma retranca realimentada, explicitamente, pela desconfiança.

Esse clima de suspeita (que é excelente em doses moderadas, como um copo de vinho por dia faz bem à saúde) trava qualquer negócio quando começa a fazer parte do sistema operacional do empreendedor.

Uma das consequências da desconfiança sistemática é fechar o empresário a novas ideias, propostas e visões de negócio.

Quando seus interlocutores se aproximam e são sumariamente enquadrados nas categorias de “espertalhões”, “aproveitadores”, “malandros” e outras categorias tais tendem a perceber que não são bem vindos, que o negócio não irá prosperar e, se fecham em copas.

Percebem e se compadecem da “mentalidade doentia” do empresário desconfiado e os mais gentis se afastam sem apresentar suas propostas, sem indicar novos cenários ou até mesmo se recusam a estabelecer eventuais acordos.

O resultado a curto e médio prazos pode ser o empresário desconfiado se tatuar com o próprio mal ao desconfiar do mundo inteiro se tornar ele (ou ela) num foco de desconfiança para seus pares. E impedir que seu empreendimento floresça com novas ideias e visões estratégicas, essenciais para renovar e fazer crescer quaisquer empresas.

Porque as novas ideias que arejam os empreendimentos tendem a emergir da troca de ideias, de propostas, de sonhos e projetos sustentados pela confiança recíproca dos interlocutores.

É ao negociar um projeto com entrega absoluta que se percebem ideias e sinergias complementares, que se resgatam experiências tentadas no passado e que agora têm mais chances de dar certo, de atingir um novo patamar de um novo empreendimento que dependerá da contribuição sincera de cada uma das partes envolvidas.

São cenários que escapam ao empresário desconfiado, que mata na origem toda e qualquer negociação honesta. Ou seja, de tanto se tornar o martelo da desconfiança só verá pela frente pregos da desonestidade, da mentira, dos pequenos golpes para martelar.

A alternativa a esse trauma é começar a vincular o fraco desempenho de sua empresa com o seu estilo de “desconfiar do mundo inteiro”. Se conseguir perceber que a desconfiança permanente é uma espécie de viés psicológico a ser superado, muito provavelmente, ouvirá com alma mais exposta seus interlocutores. 

E poderá, quem sabe, retomar o estágio inicial de sua empresa, quando ainda confiava abertamente em todos, a ponto de passar horas e horas trocando idéias, sonhando projetos, detalhando novos cenários.

Caso consiga resgatar a antiga boa vontade com seus interlocutores de negócio, terá mais chances de acelerar os resultados acordados pois descobrirá que um bom tempero nos negócios depende de altas doses de confiança com algumas pitadas de desconfiança.

Confiança que estimula a assimilação de novas ideias. E um pouquinho de desconfiança que o ajudará a monitorar, de perto, o desempenho dos acordos estabelecidos.