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Carlos Juliano Barros

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com US$ 450 bi, venture capital revoluciona mercado, mas impacta trabalho

o venture capital vem revolucionando mercados pouco eficientes, mas também tem provocado efeitos colaterais preocupantes - Reprodução / The Economist
o venture capital vem revolucionando mercados pouco eficientes, mas também tem provocado efeitos colaterais preocupantes Imagem: Reprodução / The Economist

30/11/2021 04h00

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A última edição da The Economist traz em sua capa a imagem de um foguete decolando, impulsionado por um bolo de notas de dólar. A arte é uma metáfora para ilustrar - e celebrar - o vertiginoso crescimento do chamado "venture capital".

Para quem ainda não está familiarizado com a expressão, venture capital pode ser entendido como uma montanha de dinheiro despejada por investidores cheios da grana em empresas de tecnologia promissoras, mas não necessariamente lucrativas.

Uns chamam de aposta. Outros, de risco. De todo modo, o objetivo é colher no futuro os louros de startups que nascem sob a expectativa de liderar seus nichos de mercado. As cifras são realmente impressionantes. A influente revista inglesa estima um tsunami de US$ 450 bilhões inundando empresas dos mais variados segmentos em todo o mundo.

No Brasil, marcas conhecidas como 99, iFood, Parafuzo, Nubank e Gympass exemplificam o cardápio variado de companhias financiadas por investidores de dentro e de fora do país. De fato, as techs caíram nas graças dos consumidores. Com dinheiro a rodo para queimar, elas têm bala na agulha para, num primeiro momento, subsidiar serviços "bons e baratos".

Lembra como ficava em conta pedir um Uber quando a companhia chegou por aqui? E o tanto de vezes que você já comeu quase de graça pedindo por aplicativo? E aquela faxina express por apenas R$ 19,90 - você chegou a testar?

Da mesma forma como é impossível negar que o venture capital vem revolucionando mercados pouco eficientes, também não dá para ignorar que ele tem provocado efeitos colaterais preocupantes.

Até porque é comum no "ecossistema" das startups uma certa alergia a todo e qualquer tipo de regulação - uma ideologia típica do Vale do Silício, a Meca da economia digital. Essa aversão, que se estende às legislações sobre tributos e proteção de dados, por exemplo, é particularmente problemática no mundo do trabalho.

Polarização

Um perigo real é o agravamento da polarização, uma tendência detectada já há algum tempo por economistas renomados - como David Autor (do MIT) e Dani Rodrik (de Harvard).

Isso quer dizer que, em uma ponta, consolida-se uma pequena minoria de profissionais criativos, qualificados e bem remunerados. E, na outra, uma massa se virando nos 30 para pagar as contas, sem qualquer garantia ou perspectiva de crescimento profissional.

Sabe aquela novela, "O advogado que virou Uber", que vem passando há algum tempo? Pois é. Ter um trabalho "flexível", antenado às inovações tecnológicas e livre da burocracia das leis trabalhistas, é bem bacana para quem pode se dar ao luxo de trabalhar conectado em qualquer canto do planeta, entre uma e outra sessão de mindfulness.

Na vida real, a maior parte das pessoas preza por previsibilidade e estabilidade. Saber que é possível pagar as contas no fim do mês, sem correr riscos e sem se privar de garantias básicas, é o sonho de consumo por excelência de quem vive do trabalho.

Capitalismo falsificado

O avanço do venture capital também gera importantes desafios em termos concorrenciais. Muita gente ainda se surpreende com a informação, mas é comum que techs operem no vermelho por anos a fio, antes de dar retorno. Há quem garanta que tudo não passa de dificuldade inicial corriqueira em um planejamento de longo prazo.

Mas fica a pergunta que não quer calar: é justo que uma empresa funcione no prejuízo e quebre seus concorrentes, não por oferecer um serviço que feche as contas na ponta do lápis, mas por ter investidores cheios da nota que banquem o negócio?

Matt Stoller acha que não. Conhecido escritor e ativista norteamericano contrário à cartelização dos mercados, ele até cunhou um conceito para se referir a essas startups deficitárias: capitalismo falsificado.

A preocupação de Stoller nem se refere àquelas empresas que até pareciam "disruptivas", mas não tinham qualquer sustentabilidade financeira - estavam aí as patinetes para atropelar a lógica do lucro e não nos deixar mentir. O que realmente tira seu sono são as consequências práticas - e nocivas - da concentração de mercado nas mãos de uma ou de poucas empresas.

No caso dos trabalhadores, isso já é muito evidente. Depois do curto período inicial de bonança, a insatisfação generalizada de motoristas e entregadores, para citar as duas principais categorias da economia digital, é hoje um dos grandes temas do mundo do trabalho. Sujeitos a uma competição turbinada pela tecnologia, e sem contar com proteções mínimas, o que tem se verificado é uma autêntica corrida para o fundo do poço.

Ainda que reconheça os problemas, a Economist enxerga com bons olhos a escalada do venture capital. Até porque foi com dinheiro investido praticamente a fundo perdido que tecnologias importantes saíram do papel - de carros elétricos a vacinas de RNA mensageiro. Os próximos anos vão permitir uma avaliação mais acurada do custo-benefício.