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Grifes temem retrocesso trabalhista com isenção a roupas como da Shein

Cerca de 75% dos brasileiros entendem que as atuais isenções tributárias concedidas a plataformas internacionais — como Shein, Shopee e AliExpress — prejudicam a indústria têxtil do país e representam um entrave à geração de emprego e renda nesse setor. Além disso, de cada dez, nove afirmam que estão preocupados com as condições de trabalho de quem produz suas roupas, e sete dizem acreditar que as empresas nacionais de vestuário promovem ambientes mais dignos a seus funcionários do que as concorrentes asiáticas.

Essas são algumas das principais conclusões de uma pesquisa recém-divulgada pelo Instituto Locomotiva, especializado em sondagens de opinião pública, e encomendada pela Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX), representante das principais marcas de moda do país.

O estudo faz parte de uma mobilização da entidade para convencer o governo federal a rever as regras do Remessa Conforme, programa lançado em julho do ano passado para tentar regulamentar a importação de produtos por meio dessas plataformas e combater o chamado "contrabando digital".

Apesar dos protestos de representantes da indústria, o governo acabou estendendo a pessoas jurídicas a isenção de tributos federais já concedida a pessoas físicas estrangeiras que vendem produtos de até US$ 50, desde que a transação seja previamente informada à Receita Federal.

Além de enxergar no atual sistema uma "concorrência desleal", a ABVTEX teme ainda que o aumento das importações de roupas da Ásia estimule uma espécie de "corrida para o fundo do poço" entre fornecedores e fabricantes de roupas, precarizando um setor do mercado de trabalho que atualmente emprega 600 mil pessoas.

'Não é protecionismo'

Mais de seis meses após sua criação, o Remessa Conforme segue alvo de críticas do setor produtivo. Segundo a ABVTEX, o programa quebra a chamada "isonomia tributária" — na prática, produtos importados acabam sofrendo menos com a incidência de impostos do que peças fabricadas no Brasil.

De acordo com cálculos da entidade, enquanto as plataformas internacionais precisam recolher apenas 17% de ICMS (imposto estadual), os fabricantes brasileiros de roupas arcam com uma carga total de 80%, por não contarem com a isenção de tributos federais garantida às peças importadas da Ásia.

"Já que não dá para reduzir o imposto interno, que pelo menos traga a tributação nessas remessas para o mesmo patamar do que tem o varejo nacional", defende Edmundo Lima, diretor-executivo da ABVTEX.

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Um executivo de uma importante indústria brasileira de moda com 1.300 empregados diretos disse à coluna que uma virtual revisão do Remessa Conforme não se trata de mero protecionismo, mas da criação de "um ambiente competitivo minimamente saudável".

"Se não tem imposto de importação e os custos logísticos são cada vez menores, o produto chega da Ásia aqui muito barato, e fica muito difícil concorrer porque a gente paga muito imposto", resume.

Trabalho decente

Além de debater a concorrência desleal, o estudo produzido pela ABVTEX também propõe uma discussão sobre um possível retrocesso trabalhista diante da explosão de importações de roupas de baixo custo, produzidas sob condições pouco transparentes em países asiáticos.

"Obviamente, a planilha de custos [de um fabricante nacional] não chega no comparativo com a planilha de custos da China. Isso pode levar a uma situação em que os produtores brasileiros sejam forçados a rebaixar direitos trabalhistas para conseguir competir", alerta Lima.

Atualmente, a entidade coordena um programa de certificação do ambiente de trabalho em 4 mil fornecedores da indústria têxtil no Brasil — somadas, as empresas monitoradas pela ABVTEX geram cerca de 400 mil empregos com carteira assinada.

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Na avaliação de Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, um dos objetivos da pesquisa é alertar a opinião pública sobre contradições. "Todo mundo quer, evidentemente, pagar mais barato por uma roupa. Porém, isso tem um custo. Nesse modelo atual, o país está fomentando empresas que a gente não tem a certeza se estão ou não respeitando a legislação trabalhista", explica.

O que diz o governo?

Na semana passada, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, saiu em defesa do Remessa Conforme ao dizer que as remessas de até US$ 50 "caíram muito" após a introdução das novas regras, que tinham por objetivo coibir o envio sem controle de produtos a partir da Ásia.

Denúncias de contrabando por meio do uso de pessoas físicas usadas como "laranjas" eram recorrentes na operação desses marketplaces. Até acusações de fraudes para tráfico de drogas já foram registradas.

"Foi afastado o que era o mal maior, que era o crime tomar conta das remessas postais", afirmou o ministro em entrevista a jornalistas. Haddad também citou projetos de lei no Congresso Nacional e um processo no STF (Supremo Tribunal Federal) para dizer que "Executivo, Legislativo e Judiciário" vão discutir "qual é a melhor solução para isso".

Desde o mês passado, as regras do Remessa Conforme já são objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF, movida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

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As duas entidades pedem a suspensão do programa enquanto o mérito da ação não for julgado em definitivo pela corte. O argumento central é o de que a atual regulamentação cria um ambiente de competição desigual para o setor produtivo nacional.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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