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Flávio Dino vai ser o último dos moicanos a defender a CLT no STF?

Havia muita expectativa, entre quem lida com o direito trabalhista, sobre a posse de Flávio Dino no STF (Supremo Tribunal Federal), ocorrida no final de fevereiro.

Desde o ano passado, os ministros da mais alta corte do país vêm derrubando uma série de decisões da Justiça do Trabalho que apontam vínculo empregatício e determinam o pagamento de todos os direitos, como férias remuneradas e 13º salário, em processos envolvendo terceirização, pejotização e serviços mediados por aplicativos.

Críticos afirmam que, na prática, as canetadas individuais dos ministros do STF têm implodido a legislação trabalhista. Além disso, dizem que os entendimentos monocráticos esvaziam a competência da Justiça do Trabalho para examinar, caso a caso, a existência ou não dos requisitos de uma típica relação de emprego.

A dúvida, então, era se Dino faria coro aos colegas ou se remaria contra a maré. Uma decisão do começo do mês, assinada por ele, mostra que o ex-governador do Maranhão está disposto a reabrir o debate no STF. Ao analisar uma ação movida por um corretor de imóveis que solicitava o reconhecimento de vínculo empregatício com uma imobiliária, nos moldes da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), o ministro deu dois importantes recados.

'Empregadores não podem pular etapas'

Primeiro, Dino argumentou que a empresa não havia esgotado a tramitação do processo na Justiça do Trabalho, antes de apelar ao STF. Apesar de já ter perdido em três graus, a imobiliária ainda aguarda o julgamento de um último recurso no TST (Tribunal Superior do Trabalho).

"É muito importante que haja essa delimitação, ou seja, que as partes realmente passem por todo o sistema recursal trabalhista e não entrem imediatamente com reclamações no STF", afirma Luciana Conforti, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho). "Inclusive, é salutar para o próprio STF, a fim de que não fique abarrotado de reclamações constitucionais", complementa.

Há empregadores pulando etapas e acionando diretamente o Supremo. Em alguns casos, até mesmo condenações em primeira grau têm sido questionadas diretamente no STF, sob a alegação de que atentariam contra princípios constitucionais — o que, em tese, só o Supremo tem competência para julgar. Dessa forma, as ações deixam de tramitar por todas as instâncias da Justiça trabalhista, como defendeu Dino em sua decisão sobre o caso do corretor de imóveis.

'Terceirização não pode mascarar fraudes'

Em segundo lugar, Dino afirmou que as decisões da Justiça trabalhista sobre o processo movido pelo corretor de imóveis não desrespeitam o entendimento do STF que liberou a terceirização em todo tipo de atividade.

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"O reconhecimento do vínculo empregatício não se deu em razão da constatação de licitude ou ilicitude da terceirização da atividade-fim, mas sim pela verificação, no caso concreto, dos elementos caracterizadores da relação de emprego", explicou.

Em outras palavras, o ministro afirmou que o fato de o Supremo ter autorizado a terceirização não quer dizer que esse tipo de contratação possa ser usado para cometer fraudes e mascarar o vínculo empregatício típico. E que essa avaliação precisa ser feita segundo as provas apresentadas no processo.

"O que o ministro Dino fez foi apontar que, aplicando o princípio da 'primazia da realidade', se forem detectados os requisitos da relação de emprego, o vínculo deve ser reconhecido", explica Renan Kalil, procurador responsável por uma coordenadoria do MPT (Ministério Público do Trabalho) especializada no combate a fraudes.

Segundo o procurador, a Lei 13.429 de 2017, aprovada no contexto da reforma trabalhista daquele mesmo ano, liberou as terceirizações no Brasil, mas estipulou condições para que isso pudesse ser feito.

Em resumo, a terceirizada deve executar de fato a tarefa para qual for contratada, precisa ter autonomia na prestação do serviço e tem de provar capacidade econômica para arcar com os direitos trabalhistas de seus empregados. Se essas condições não forem respeitadas, a terceirização pode ser considerada ilícita, diz Kalil.

Fachin também 'defendeu' a Justiça do Trabalho

Em 9 de abril, cinco dias após a decisão de Dino, o ministro Edson Fachin seguiu raciocínio semelhante ao do colega em um processo envolvendo a Tim. A empresa de telecomunicações requereu ao STF uma liminar (decisão provisória) para anular uma sentença da Justiça trabalhista que condenava a companhia ao pagamento de encargos.

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"Compete à Justiça do Trabalho efetuar a análise minuciosa de fatos e provas trazidos à sua apreciação, inclusive para poder concluir sobre a existência de eventual fraude à legislação trabalhista", escreveu Fachin, ao negar o pedido de liminar.

Fachin também é visto como mais simpático à proteção trabalhista, apesar de já ter derrubado decisões nesse sentido, como uma que reconhecia o vínculo entre um hospital e um médico contratado como pessoa jurídica.

Fontes ouvidas pela coluna avaliam que ainda é cedo para cravar se Dino será uma voz dissonante no STF em matéria trabalhista. "Mas é importante um novo membro chegando com novas ideias, com a disposição para o debate", finaliza Luciana Conforti.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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