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José Paulo Kupfer

"Liberalismo porcina" de Bolsonaro é daquele que foi sem nunca ter sido 

12/08/2020 13h08

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A saída, no ministério da Economia, dos secretários especiais de desestatização e desburocratização está provocando uma "comoção" em grupos que apoiam o governo Bolsonaro por suas supostas tendências liberais na economia. As reações concretas no mercado financeiro estão mais moderadas. Bolsa cai, na contramão do resto do mundo, dólar e juros sobem, mas sem estresses.

O ministro Paulo Guedes, fiel ao seu estilo estridente, bateu bumbo já na noite desta terça-feira (11), classificando os pedidos de demissão de Salim Mattar e Paulo Uebel, com o qual saiu também o diretor do programa de desburocratização, José Ziebarth, como "debandada". Apesar da importância dos dois demissionários, num ministério com 10 secretarias especiais e outras 24 secretarias ou assessorias de nível superior, debandada pode ocorrer, mas ainda não houve. No total, do início do mandato até agora, são sete defecções de funcionários graduados do ministério.

Com debandada ou não, o mercado, como se diz no seu próprio jargão, se um dia esteve comprado nas inclinações liberais de Bolsonaro, já se havia desfeito dessa posição. Na carteira de apoio político montada com vistas a garantir a continuidade dos esforços para reduzir o tamanho do Estado, iniciada no governo Temer, restaram apostas numa política fiscal de austeridade.

Aconteceu que a pandemia veio embaralhar esse meio de campo e acabou revelando a Bolsonaro a oportunidade de se despir da fantasia de liberal que vestiu para ganhar apoios eleitorais. O auxílio emergencial de R$ 600, que, de início, ainda ouvindo seu "posto ipiranga" econômico, Bolsonaro vacilou em abraçar, mostrou-se um irresistível apelo para quem o único objetivo é reforçar bases que assegurem se manter no poder.

Assim como a cruzada anticorrupção, o liberalismo econômico de Bolsonaro é daqueles do tipo Porcina, a famosa viúva de telenovela, que foi sem nunca ter sido. Recorrer ao ex-juiz Sergio Moro, para terceirizar um combate à corrupção que hoje é investigada em suas proximidades familiares, foi o truque replicado no recurso a Paulo Guedes, para terceirizar um liberalismo econômico que Bolsonaro jamais defendeu em sua longa carreira parlamentar.

Na volta do parafuso, que já resultou no descarte de Moro, a permanência de Guedes no governo virou uma incógnita. Os sinais são de que seu projeto ultraliberal foi estrangulado. Não é só a pegada historicamente mais "desenvolvimentista" dos militares, aos quais Bolsonaro crescentemente vem terceirizando a administração do governo. É também o arranjo político no Congresso com o Centrão, aquele grupamento de parlamentares liberal da boca para fora, mas não onde toca a parte mais sensível do corpo humano, que, como se sabe, é o bolso - no caso, consubstanciado em destinação de verbas públicas e cargos em estatais.

Prova disso é a guinada nas relações de Guedes com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Farpas e desavenças entre ambos estão dando lugar a uma aliança em favor de uma política fiscal mais austera, centrada na manutenção da regra draconiana e rígida do teto de gastos. Se manobras de Guedes, tentando furar o teto, como no caso do Fundeb, chegaram a surpreender, não será surpresa, se Maia, consultando sua bússola política e observando os ventos contrários à contenção de gastos, que sopram cada vez com mais força, acabar jogando Guedes ao mar.

Não se deveria esquecer que, na base da nova crise, encontra-se uma economia em situação de calamidade. Diante dos estragos promovidos pela pandemia, seria injusto culpar Guedes pelas acentuadas dificuldades do momento. Os efeitos negativos, é verdade, poderiam ser menos pesados, se o governo como um todo, Bolsonaro à frente, tivesse se comportado com mais responsabilidade e eficiência no combate ao vírus e seu contágio. Mas não se pode esquecer também que antes da pandemia a atividade econômica já não estava reagindo.

Imaginar agora que a situação seria outra se os trilhões de reais em privatizações e cortes de gastos, fruto das "n" reformas apregoados por Guedes para a "próxima semana", tivessem sido concretizados, é tão enganoso quanto acreditar no liberalismo econômico de Bolsonaro. Trata-se de uma hipótese impossível de confirmar porque, na verdade, em 20 meses de governo, depois da reforma da Previdência, que não lhe saiu completa, nunca Guedes conseguiu, realmente, pôr de pé um programa econômico - liberal ou não.