Erros à esquerda e à direita levaram a mais uma década perdida no Brasil
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A segunda década dos anos 2000 será aquela em que a economia brasileira terá registrado seu pior desempenho. Se confirmada a projeção oficial de um recuo de 4,5% no PIB (Produto Interno Bruto) de 2020, no conjunto dos dez anos que ligam 2011 a 2020, a atividade econômica, no país, mostrará evolução de apenas 2,2%. Nos mesmos dez anos, a economia mundial avançou 30,5%.
Reportagem do jornalista Gustavo Patu, publicada na Folha, no domingo (20), traça um retratado completo do fracasso das políticas econômicas aplicadas no período. Os números apresentados mostram que a produção nacional avançou muito abaixo do crescimento populacional, de 8,7% no período, fazendo com que a renda per capita recuasse quase 6%, em termos reais, ao longo dos últimos dez anos.
Nem na "década perdida" dos anos 80 do século passado, a primeira que ganhou o nome, os resultados foram tão medíocres. As condições e os problemas eram diferentes, mas nos dez anos entre 1981 e 1990, o PIB cresceu 16,9%, enquanto a economia global registrava expansão de 38%.
Erros à esquerda e à direita, representados por excesso de intervencionismo, na primeira metade da década que agora se encerra, e crença excessiva nos poderes curativos do liberalismo de mercado, na segunda metade, estão na base dos números insuficientes registrados.
O intervencionismo estressou os indicadores econômicos, e um ajuste desastrado promoveu a maior recessão conhecida da atividade econômica. Em dois anos, 2015 e 2016, o PIB acumulado dos dois anos mergulhou 7%. Chamado a reverter a contração inédita, o liberalismo adotado, ansioso por reduzir o tamanho do Estado, promoveu a recuperação mais lenta da história das crises brasileiras. De 2017 a 2019, a atividade econômica só avançou 4,2%. Já estava devendo em crescimento quando a pandemia da Covid-19 levou a economia a afundar, em 2020, tanto quanto havia conseguido avançar nos três anos anteriores.
Inegável que as instituições políticas também falharam no período, fracassando na contenção dos excessos e atuando para potencializar as dificuldades. Legislativo e Judiciário, que poderiam atuar moderando os excessos do Executivo, acabaram também sendo parte do problema.
As barreiras ao crescimento que determinariam a nova década perdida começaram a se formar com a crise global de 2008. Era o meio do segundo mandato de Lula e o presidente acionou crédito, subsídios e estímulos fiscais para evitar que o crash da economia mundial avançasse, no Brasil, além de uma "marolinha".
Relativamente bem sucedido na empreitada - o baque sofrido pela atividade econômica foi curto -, o governo Lula não foi capaz de frear tantos estímulos a tempo. A demanda impulsionada por crédito e gastos públicos empurrou a economia, o PIB cresceu 7,5% em 2010, taxa que não se via desde o "milagre econômico" do início da década de 70 do século passado, mas deixou um rastro de pressões sobre a capacidade produtiva instalada.
Dilma Rousseff assume em 2011 e dobra a aposta nos estímulos fiscais ao crescimento. O desemprego cede, mas a inflação passa a dar sinais preocupantes. Durante todo o primeiro mandato de Dilma, a alta de preços bate no teto do intervalo de tolerância do sistema de metas, rodando em torno de 6,5%.
Mesmo com pressões inflacionárias, o governo força a baixa da taxa básica de juros, na expectativa de turbinar um crescimento que começa a mostrar perda de fôlego. De 11,25% ao ano, quando Dilma assume em 2011, a taxa básica de juros (taxa Selic) recua para 7,25%, em outubro de 2012. Aos estímulos fiscais juntaram-se os monetários.
Com a política econômica ultra-expansionista de Dilma, os déficits públicos passam a ganhar corpo. Com rombos fiscais em aceleração, o governo aumenta o ritmo e a abrangência das manobras contábeis - que ficaram conhecidas como "pedaladas fiscais" -, na tentativa de segurar a expansão da dívida pública ou, pelo menos, encobri-la. A mesma estratégia vai ser utilizada para evitar que a inflação supere o teto da meta. Represamento de altas nas tarifas públicas é a principal manobra utilizada para tentar manter os preços sob controle.
É nesse quadro de pressões fiscais e monetárias que se dá a campanha eleitoral, com golpes publicitários além de limites éticos, no fim da qual, Dilma é reeleita, por margem mínima contra o tucano Aécio Neves. O clima pesado e a economia à beira de uma crise artificialmente contida inauguram o segundo mandato da presidente petista, sob as sombras de uma crise política. Aécio não aceita a derrota, dando partida às instabilidades que culminariam com o impeachment da presidente reeleita.
Depois de negar a crise, num giro tão acintoso que pode ser classificado como estelionato eleitoral, Dilma chama um economista de visão ortodoxa, Joaquim Levy, para comandar a economia, com a missão de promover um ajuste. Levy vai desenhar uma política econômica de viés liberal, objetivando um ajuste econômico rápido, via austeridade fiscal.
Ao mesmo tempo, os preços administrados - tarifas públicas na quase totalidade -, antes represados, são liberados de uma vez. Em 2015, essa categoria de preços tem alta de quase 20% e a inflação em geral terminaria o ano em 10,67%, um estouro retumbante sobre o teto de intervalo do sistema de metas, então em 6,5%.
A economia faz água, vai terminar o primeiro ano do segundo mandato de Dilma com contração de 3,5%. Com a economia vivendo um processo agudo de "estagflação", a taxa de juros, antes cortada sem base em fundamentos, acelera, alcançando 14,5% ao ano, em julho de 2015.
Era o ápice de uma crise, cujo marco foram as manifestações populares de junho de 2013. O principal efeito dessas manifestações foi deflagrar uma guerra do Poder Legislativo contra Dilma. Sob comando do então presidente da Câmara dos Deputados, o hoje presidiário Eduardo Cunha (MDB-RJ), o governo sofreu intenso boicote. Na prática, Dilma foi impedida de governar.
Além de rejeitar medidas de correção de rumo na economia, o Congresso aprovou pautas-bomba em série, aumentando gastos públicos, já inflados pelas desajeitadas tentativas da presidente de angariar simpatias e alianças entre parlamentares. Coincide com esse momento, a aceleração das manobras para camuflar o registro das despesas públicas.
Simultaneamente, a partir das ações da Lava Jato em Curitiba, cujas primeiras ações datam de março de 2014, o cerco ao governo petista chegou ao Judiciário. Com o apoio das instâncias superiores da Justiça, o então juiz Sergio Moro e sua força-tarefa de procuradores, agia para emparedar o PT, lançando-se à caça de figurões petistas, tendo como alvo o já ex-presidente Lula.
Nesse ambiente, o impeachment de Dilma amadurecia. O processo foi aberto ainda em dezembro de 2015 por Cunha e seu desfecho se deu no último dia de agosto de 2016.
Dilma foi afastada, provisoriamente, em maio, dando lugar na presidência a seu vice, Michel Temer. Político experiente, liderança tradicional do MDB, Temer assumiu com um projeto liberal, denominado "Ponte para o Futuro". Na pauta, reformas para conter gastos públicos, como a da Previdência, e abrir espaços ao setor privado, com a redução do tamanho do Estado. Além disso, reforma tributária simplificadora e reforma trabalhista, esta com o objetivo de cortar custos da mão de obra para as empresas.
Depois da posse definitiva em agosto, com rapidez até então inédita para emendas constitucionais, em pouco mais de três meses, Temer aprovou no Congresso, em dezembro de 2016, a regra do teto de gastos. O teto impede aumento de gastos públicos primários além da inflação do ano anterior por 20 anos. Apresentada como nova âncora para controle de gastos, a emenda constitucional, na verdade, não é, verdadeiramente, um mecanismo de ajuste das contas públicas, mas um instrumento para reduzir o tamanho do Estado.
O conflito distributivo, já evidente pela pressão por despesas pública, acirrou-se, fortemente, com o mecanismo do teto de gastos. Diante do vasto leque de despesas obrigatórias, o teto serviu para comprimir as despesas não obrigatórias, das quais a mais importante para o crescimento da economia é o investimento público. Desde a adoção do teto de gastos, com os investimentos públicos reduzidos ao mínimo, a economia se revela sem tração, do que resulta expansão medíocre da atividade e níveis elevados de desemprego.
Defensores do teto de gastos creditam a ele a longa sequência de cortes da taxa básica de juros, mas as indicações são de que o espaço para a redução dos juros básicos a seu ponto historicamente mais baixo - a taxa está em 2% nominais ao ano desde agosto de 2020 - veio da anemia da economia., do aumento do desemprego e da consequente queda na demanda. Combinados, esses fatores derrubaram a inflação para níveis inéditos, até mesmo abaixo do piso do intervalo de tolerância do sistema de metas.
Fato é que as medidas liberais adotadas no governo Temer e reforçadas depois da chegada de Jair Bolsonaro à Presidência, em 2019, não têm conseguido impulsionar uma retomada expressiva e consistente da atividade econômica. Bolsonaro conseguiu aprovar uma reforma da Previdência, que Temer deixara inconclusa, tanto quanto a reforma tributária, mas com a pandemia de Covid-19, e a desorganização reinante no governo, as perspectivas de recuperação ficaram ainda mais prejudicadas.
Seis anos depois da grande recessão do início da segunda metade da década, a economia ainda se encontra cerca de 5% abaixo de onde estava no pico de 2013. Há, infelizmente, indicações de que o retorno da atividade econômica aos patamares de 2013 só deve ocorrer a partir de 2023. De um certo modo, pelo menos os primeiros três anos da nova década que logo se inicia também correm o risco de serem perdidos.
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