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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro tenta turbinar economia e intenção de votos, mas efeito é incerto

22/03/2022 04h00

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O governo Bolsonaro lançou, na quinta-feira (17), um pacote reunindo iniciativas novas e antigas, com o qual, segundo suas próprias estimativas, serão injetados até R$ 165 bilhões na economia em 2022 — quase 2% do PIB. O pacote poderia alcançar, com uma ou mais dessas iniciativas, também de acordo com cálculos oficiais, cerca de 120 milhões de pessoas — mais da metade da população brasileira.

No início da noite desta segunda-feira (21), também foram anunciadas novas desonerações de tributos, agora de importações. Aproveitando um espaço temporário aberto pelo aumento da arrecadação de impostos, muito em função do próprio aumento da inflação, o alvo agora é tentar mitigar as pressões inflacionárias — pressões potencializadas, no momento, pela elevação dos preços de commodities agrícolas e energéticas, em razão da guerra na Ucrânia.

Será zerado até o fim do ano o imposto de importação incidente sobre o etanol e produtos da cesta básica — café, macarrão, óleo de soja, margarina, açúcar e queijo. Máquinas e eletrônicos do segmento de informática, para os quais já havia sido feito um corte de 10% no imposto de importação em 2021, terão agora nova redução de 10%. O ministério da Economia estima que as novas renúncias fiscais somarão R$ 1 bilhão, e promete ampliar a lista

Denominado "Programa Renda e Oportunidade", o pacote de injeção de recursos libera saques do FGTS, antecipa o 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS, amplia o limite de renda e o grupo de possíveis beneficiários para obtenção de empréstimos consignados e abre linhas de microcrédito. O objetivo do programa é promover uma dupla animação: de um lado, animar a atividade econômica; de outro, animar os percentuais de Bolsonaro nas pesquisas eleitorais.

Somado aos R$ 90 bilhões previstos para serem transferidos pelo Auxílio Brasil neste ano, e aos R$ 60 bilhões em programas diversos de injeção de recursos já definidos para 2022, como cortes de tributos — IPI em geral, e PIS/Cofins na gasolina e gás de botijão —, e perdão de dívidas de estudantes com o Fies, o total de dinheiro que pode chegar à população beneficiada antes das eleições presidenciais de outubro supera R$ 300 bilhões. Esse montante equivale a 3,5% do PIB e se equipara ao que foi transferido pelo auxílio emergencial, em 2020.

É evidente a intenção do governo em replicar o ocorrido no primeiro ano da pandemia. Em 2020, o governo destinou cerca de R$ 500 bilhões ao enfrentamento da pandemia — nos campos sanitário, econômico e social. Isso representou na época cerca 6,5% do PIB, sendo que só o auxílio emergencial — de R$ 600 mensais em cinco meses e de R$ 300 em outros quatro — somou R$ 300 bilhões, equivalentes a 4% do PIB.

Os recursos, fixados pelo Congresso, depois da hesitação de Bolsonaro que, seguindo orientação do ministro Paulo Guedes, seu então "Posto Ipiranga", insistia num auxílio de R$ 250 mensais, para um contingente mais restrito de beneficiários, realmente movimentaram a economia. Em abril de 2020, quando o fundo do povo da atividade deu as caras e o auxílio emergencial começou a ser pago, as projeções dos economistas eram de que a economia mergulharia entre 9% e 10% no ano.

Com a massa de transferências que irrigou a economia, foi possível reverter, cerca de seis pontos percentuais nessas projeções, numa conta simplificada. O efetivo recuo da atividade econômica em 2020 limitou-se a 3,9%.

Replicar os resultados de 2020 em 2022, porém, não pode ser tomado como algo automático. São muitas as diferenças entre um momento e outro. A principal é que, há dois anos, o volume de recursos transferidos chegou realmente aos beneficiários e deles à economia, enquanto hoje, a massa de recursos prevista refere-se não só a transferências firmes, mas a possibilidades de movimentação de dinheiro não garantidas, via linhas de crédito.

É de se esperar, por exemplo, que poucos dos estimados 40 milhões de elegíveis a sacar até R$ 1 mil do FGTS deixem de fazê-lo. Não há atrativos em manter o dinheiro parado no fundo e, então, pode ser que R$ 30 bilhões entrem em circulação.

O mesmo, no entanto, não se pode dizer dos R$ 80 bilhões que poderiam ser tomados em financiamentos bancários por 50 milhões de beneficiários do Auxílio Brasil e do BPC (Benefício de Prestação Continuada), que passaram a ter direito a solicitar linhas de empréstimos consignados nos bancos. Nem todos os potenciais beneficiários vão se interessar pelos empréstimos ou até mesmo saber da existência deles.

Isso sem falar que os R$ 60 bilhões do 13º salário para 30 milhões de aposentados do INSS são antecipação de um pagamento certo, que apenas virá antes e não depois da eleição, e poderá deixar um buraco no orçamento dos beneficiados que não forem precavidos. Idem para as 4,5 milhões de pessoas que poderiam — ou não — se valer das linhas de microcrédito para abrir ou reforçar pequenos negócios.

Parte dessas "bondades" de Bolsonaro são empréstimos bancários, que terão de ser pagos, com juros, ainda que mais baixos do que os de mercado. Ou seja, o dinheiro que pode entrar hoje na economia é no fundo dívida que, ao ser quitada terá de sair da economia amanhã.

De todo modo, os analistas estão considerando a abertura dos cofres públicos em ano eleitoral para revisar projeções do comportamento da economia em 2022. Não apenas os pacotes de Bolsonaro, com recursos federais, estão sendo levados em conta nas novas projeções, mas também o dinheiro liberado por governadores e prefeitos, que prometem conceder reajustes para servidores públicos estaduais e municipais.

As revisões, contudo, não estão indicando reversões expressivas no ritmo da atividade. O departamento de pesquisa macroeconômica do Banco Itaú, o maior banco privado brasileiro, saiu de uma projeção de retração de 0,5% para expansão de 0,2%, em 2022, ao mesmo tempo em que a MCM, influente consultoria econômica e financeira, vê algum crescimento no primeiro trimestre, mas com perda de tração ao longo do ano, que terminaria com avanço de insignificante 0,1%.

Há outras pedras no caminho da turbinada que o governo Bolsonaro montou para inflar a economia e seus pontos nas pesquisas de intenção de voto. A inflação, muito menos presente em 2020, é agora protagonista da perda do poder de compra e de aumento do endividamento da população.

No fim de 2021, quase 80% dos brasileiros mantinham alguma dívida, um recorde na série da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) iniciada em 2010, e entre eles um em cada quatro estava com o pagamento da dívida em atraso. A combinação de inflação alta, dívidas elevadas e estímulo à poupança — este pela alta das taxas de juros —, tende a reduzir o efeito positivo da injeção de dinheiro, promovida pelo governo, na atividade econômica.

A marcha da inflação ao longo de 2022 indica, no momento, uma trajetória que tende a pressionar o Banco Central a alongar e estender o ciclo de elevação da taxa básica de juros (taxa Selic), outro fator que pesa na avaliação de que a economia se manterá estagnada. Na pesquisa Focus mais recente, divulgada nesta segunda-feira, a projeção para a Selic em 2022, pela segunda semana, já atinge 13%.

De acordo com as previsões mais sólidas, a variação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), no acumulado em 12 meses, continuará acima de dois dígitos até pelo menos o fim do primeiro semestre. Em setembro, às vésperas da eleição presidencial, a projeção é de uma inflação ainda nas alturas de 8%. Só depois, em novembro e dezembro, o índice recuaria para fechar 2022 entre 6% e 7%.