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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Responsabilidade fiscal tem variadas faces e maneiras de definir; entenda

22/11/2022 15h23

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Responsabilidade fiscal é o tema da moda no debate da política econômica, neste momento de transição de governos. Outra moda do momento é a do envio de cartas abertas ao presidente eleito Lula por economistas, justamente sobre política fiscal para o mandato que se inicia em janeiro.

O debate foi deflagrado por declarações de Lula, segundo as quais seu governo daria prioridade aos gastos sociais, relativizando os controles fiscais. As afirmações produziram estresses nos mercados de ativos financeiros, com perdas na Bolsa, altas no dólar e elevações nas taxas de juros.

Entre os economistas, estabeleceu-se um duelo de linhas de pensamento econômico. De um lado, defensores da ideia de que a responsabilidade fiscal é pré-requisito para a ação social. De outro, o grupo dos que pensam que a ação social do governo colabora para o equilíbrio fiscal. No meio do caminho, uma terceira via que não vê incompatibilidade entre responsabilidade fiscal e social.

De representantes da ala que dá prioridade à responsabilidade fiscal, saiu a primeira carta a Lula. Os missivistas foram economistas de prestígio e influência, vinculados aos governos de Fernando Henrique Cardoso e aos tucanos da que hoje se poderia chamar de velha guarda do PSDB. Armínio Fraga, Pedro Malan e Edmar Bacha argumentaram que a necessária destinação de recursos extraordinários a programas sociais não deveria significar o rompimento permanente da regra do teto de gastos.

Outras cartas abertas foram publicadas na sequência, com destaque para a que vinha assinada por cinco economistas também influentes de linha desenvolvimentista. Tendo à frente o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, os missivistas refutam a ideia de que o teto de gastos garante disciplina fiscal.

É crescente a compreensão de que a regra de controle do teto de gastos é incapaz de conter aumentos de despesas. Desde que foi instituído, em fins de 2016, nunca fui cumprido, culminando com um furo de R$ 800 bilhões, acumulado ao longo dos quatro anos do governo Bolsonaro. Independentemente da qualidade das despesas, difícil escapar da constatação de que o teto de gastos, como o vigente no Brasil, opera como um mecanismo que esmaga o orçamento social e os investimentos públicos.

Antes de definir uma nova regra de controle fiscal, seria positivo definir o que se está se chamando de responsabilidade fiscal. São, de fato, bem variadas as faces desse conceito agora tão em moda.

Responsabilidade fiscal em relação apenas ao gasto público? Ou em relação à dívida pública? Ou ainda quanto ao resultado fiscal primário? Ou ao resultado fiscal agregado, considerando também os pagamentos dos juros?

Dependendo do indicador escolhido, a resposta varia. O economista Carlos Pinkusfeld Bastos, professor do IE-UFRJ (Instituto de Economia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro), publicou interessante exercício a respeito, na plataforma "Monitor do Novo Debate Econômico", mantida pelo LEMEP (Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública), da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

No trabalho, Pinkusfield mostra que é possível, em relação ao PIB, que é a medida de comparação normalmente utilizada, aumentar gastos com queda na relação entre a dívida pública e estabilidade no déficit público. Para isso, é claro, será preciso que a atividade econômica, medida pelo PIB (Produto Interno Bruto) cresça pelo menos na mesma proporção.

No exercício, o economista considerou crescimento de 5% tanto para o gasto público quanto para o PIB. Supondo que o governo "rodou a maquininha de dinheiro para financiar o aumento de 5% dos gastos sociais, se o indicador escolhido for gasto sobre o PIB ou, mais importante, déficit sobre PIB ele pode ser chamado de responsável, afinal essa variável não aumentou", argumenta Pinkusfeld. "Se o indicador escolhido for dívida sobre PIB, ele é super responsável, pois diminui o valor dessa variável", conclui.

No mesmo texto, o economista submeteu o segundo governo FHC ao teste da responsabilidade fiscal. No período, conforme o autor, o governo registrou aumento médio real do gasto público de 4,1%, ao mesmo tempo em que obteve superávit fiscal primário médio de 2,1% do PIB. Sob a ótica do resultado primário, foi um governo fiscalmente responsável. Mas, na visão dos gastos, deve ser qualificado como irresponsável.

Em seus governos, Lula gastou mais ainda do que FHC. Nas contas de Pinkusfeld, o petista expandiu os gastos públicos em 4,9%, no primeiro mandato, e 5,6% no segundo. Do ponto de vista de uma regra como a do teto de gastos, Lula foi mais irresponsável do que já teria sido FHC. Mas, a média do superávit primário de Lula, nos seus primeiros quatro anos foi de 2,43% do PIB, tendo sido, portanto, mais responsável do que seu antecessor, neste quesito.

Já no primeiro mandato de Dilma, quando se olha para os gastos, concluiu-se que foi mais responsável do que FHC e Lula, pois gastou menos em média. De outro lado, seus superávits primários foram decrescentes até cair em déficits. Nesse aspecto, o governo Dilma foi irresponsável.

Definir responsabilidade fiscal apenas pelo critério da trajetória do gasto público é excessivamente redutor das possibilidades de uso das contas públicas na promoção do bem-estar social mais amplo numa sociedade. Como lembra o professor Carlos Pinkusfeld em seu texto, "por este estranho critério, a recente história econômica do mundo é de total irresponsabilidade fiscal". Depois da II Guerra, de fato, o gasto público e o bem-estar social registraram forte expansão na imensa maioria dos países.

A moral dessa história é a de que, ainda que seja conveniente estabelecer limites para a expansão dos gastos públicos, o elemento que, no fim de contas, definirá se a política fiscal é responsável ou não, será o quanto esse gasto contribuirá para o crescimento econômico. É a expansão da atividade, com o consequente aumento da arrecadação, que terminará promovendo a estabilidade fiscal tão desejada.