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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Trajetória da arrecadação é que dirá se arcabouço é rígido ou frouxo demais

25/05/2023 04h00

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O NAF (Novo Arcabouço Fiscal), aprovado por ampla maioria, na Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (24), mereceu avaliações antípodas de economistas mais à direita e mais à esquerda do espectro político. A conclusão que se pode tirar, conhecidas as visões antagônicas sobre o mesmo conjunto de medidas, é a de que, além do nome horrível que ganhou, a nova regra de controle das contas públicas é boa, dentro das circunstâncias e do possível.

Economistas mais à direita classificaram como "frouxa" a nova regra de controle das contas públicas, cujo texto básico foi aprovado, por ampla maioria, na Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (23). Segundo eles, o arcabouço fiscal do governo Lula não conseguirá os superávits necessários para conter o avanço da dívida pública e estabilizar a economia.

Já economistas mais à esquerda consideram que a norma aprovada é rígida demais. Para eles, os limites e restrições impostos no novo arcabouço o aproximam do teto de gastos dos governos Temer e Bolsonaro, condenando a área social a conviver com recursos insuficientes, e fazendo Lula correr o risco de fraudar a promessa de "incluir o pobre no Orçamento".

NAF versus teto de gastos

A verdade é que não será possível saber de fato se o arcabouço resultará numa coisa ou na outra até que seja aprovada a reforma tributária e, mesmo antes de a reforma produzir efeitos, se o governo conseguirá aumentar o volume de receitas públicas, com o prometido corte nos muitos privilégios tributários vigentes. Isso porque o espaço para gastos na nova regra é dependente da receita pública. O NAF, em resumo, atrela, com limites e dentro de um intervalo, o espaço para aumento dos gastos públicos à ampliação da arrecadação.

Analistas mais à esquerda estão comparando a nova regra ao teto de gastos inventado por economistas no governo Temer e demolido, à guisa de mantê-lo, pelo então ministro da Economia Paulo Guedes, no governo Bolsonaro. Mas, embora o novo arcabouço imponha um teto de gastos, as restrições que determinam o teto são completamente diferentes. Veja aqui as diferenças:

Pela nova regra, o crescimento das receitas públicas determinará o espaço para os gastos, desde que obedecido um intervalo — 0,6% acima da variação da inflação, se a receita for baixa, e 2,5% acima da inflação, se a receita for alta.

Além disso, parte dos eventuais superávits fiscais poderá ser usada na ampliação dos investimentos públicos, ainda que também com a limitação de um teto. O controle da dívida pública será dado pelo resultado das contas públicas, uma vez que são previstas metas anuais de superávit fiscal, dentro de bandas.

Na regra do teto de gastos, as despesas públicas eram corrigidas apenas pela inflação do ano anterior — não importava o volume de receitas. De acordo com a regra, os gastos públicos não poderiam ter aumento real por 20 anos. Os aumentos de receitas, por crescimento da economia, criação de impostos e mudanças de alíquota ou maior eficiência na cobrança de tributos, deveriam ser aplicados na redução da dívida pública.

Encurtando a história, o teto de gastos era mais uma manifestação do surto neoliberal que tomou conta do governo Temer, cujo objetivo principal era reduzir o tamanho do Estado. Na prática, a ideia era reduzir os programas sociais e abrir espaço para que o setor privado eventualmente assumisse pelo menos parte das obrigações do governo — em português claro, tirar o pobre do Orçamento.

Não é o caso do novo arcabouço. Mudanças introduzidas pelo relator do projeto na Câmara, deputado Claudio Cajado (PP-BA), tornaram a norma de controle fiscal mais rígida - o Fundeb, por exemplo, que estava fora da regra na versão original do governo, foi incluído nos limites, assim como a possibilidade de reduzir investimentos para acomodar despesas. Mas as alterações não chegaram ao ponto de inviabilizar a ação social mais ativa do governo. Tudo vai depender dos próximos passos da política fiscal.

Há escapes para contingenciamentos de gastos, no caso de não cumprimento de metas. Apesar de prever gatilhos e punições quando as metas não forem cumpridas, o governante não será criminalizado com risco de perda do mandato.

Caçada a novas receitas

O problema de amarrar o espaço para os gastos públicos às receitas é que, diferentemente do que ocorre com as despesas, o governo não detém o controle da arrecadação pública. Os aumentos de receitas públicas são basicamente dependentes do crescimento da economia, um fator no qual o governo pode influir, mas não determinar.

Daí a importância da reforma tributária. Se a simplificação e a reorganização dos tributos for bem sucedida, abrem-se perspectivas para ganhos de produtividade e maior crescimento econômico. Há ainda a parte da reforma do Imposto de Renda, cuja meta é fazer contribuir quem dribla o fisco ou contribui menos do que deveria e poderia. No fim desse roteiro complexo, as receitas públicas tenderiam a crescer mais.

Antes de a reforma produzir os esperados efeitos positivos na produção, a caça aos privilégios tributários terá papel de relevo na guerra do equilíbrio das contas públicas sem exclusão social. Nas contas do próprio governo, a soma de isenções, desonerações e sonegação chega a R$ 600 bilhões por ano. Transformar, a cada ano, um quarto desse montante que escapa das contas públicas — equivalente a R$ 150 bilhões — em receitas ativas é a cruzada que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu empreender.

O caminho é longo para se saber se o novo arcabouço fiscal vai funcionar ou não.