José Paulo Kupfer

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Opinião

Aprovação da reforma e adiamento da meta fiscal descartam fritura de Haddad

Aprovada no Senado, na noite desta quarta-feira (8), em segundo turno, por 53 votos a 24, a reforma tributária do consumo de bens e serviços volta agora para uma última revisão na Câmara. A expectativa é de que, na revisão da Câmara, nenhuma alteração relevante seja introduzida. Ainda em 2023, portanto, o sistema tributário brasileiro, depois de 40 anos de tentativas frustradas, será reformado e modernizado.

Não é difícil concluir que o novo sistema tributário significará um avanço, em relação ao sistema vigente. Mesmo que o projeto original tenha piorado ao longo da tramitação no Congresso, nada seria pior do que manter o atual conjunto de regras fiscal — conhecido, com razão, como um "manicômio fiscal".

Ao mesmo tempo em que a reforma tributária chega a um final, se não como o pretendido originalmente, mas com melhorias importantes, aguarda-se, também neste fim de ano, o desfecho de outra batalha na área fiscal: a da definição da meta fiscal para 2024.

Pior que está não fica

Tudo indica que o objetivo de simplificar, dar transparência e reduzir a regressividade do sistema tributário, ainda que em menor grau, deve ser alcançado com a reforma tributária. Quanto à meta de déficit primário nas contas públicas, no ano que vem, que por enquanto prevê equilíbrio entre despesas e receitas, deverá ser alterada. Só não se sabe ainda se a alteração será proposta pelo governo antes da definição das contas, agora em novembro, ou se em 2024, quando do ajuste previsto nas regras fiscais no fim do primeiro trimestre.

Há uma série de mal entendidos e de desinformação em torno da definição da meta fiscal de 2024. No campo da desinformação, a mais disseminada é a que insinua uma fritura do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pelo presidente Lula. Embora seja conhecidas posições divergentes entre ministros, opondo o ministro da Casa Civil, Rui Costa, a Haddad, nada é mais improvável do que essa insinuação.

De poste do presidente, sem conhecimento de economia suficiente para assumir o ministério, ao ser anunciado como ministro da Fazenda, a fiador de uma política econômica mais liberal e preocupada com o equilíbrio das contas públicas, menos de um ano depois, Haddad tem operado como contraponto ao discurso "gastadores" de Lula.

Sinais de jogo combinado

Há sinais de que se trata de jogo combinado, numa espécie de repetição, guardadas as diferenças de estilo e entre as conjunturas de cada época, da tática usada por Lula com Antonio Palocci, ministro da Fazenda de seu primeiro mandato. O adiamento da decisão da meta fiscal de 2024 é o indício mais recente de que se pode estar confundindo disputas dentro do governo com perda de prestígio de Haddad com Lula.

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Antes de definir alterações na meta, faz mesmo sentido esperar até que o quadro das pautas que podem resultar na ampliação da arrecadação em 2023, em tramitação no Congresso, fique mais bem definido. A aposta numa negociação produtiva com o Legislativo, que leve não só à aprovação de medidas de aumento de receita, mas também a evitar pautas-bomba, de incremento de despesas, pode resultar em espaço maior para gastos — uma necessidade numa economia com ritmo de atividade vacilante —, com equilíbrio fiscal ou déficits menores.

Alíquota já é hoje a mais alta do mundo

Outra comprovação de que Haddad não está sendo desprestigiado pode ser encontrada na condução pelo governo da tramitação da reforma tributária. Para salvar a aprovação do principal do projeto, Haddad aceitou incluir isenções, exceções e regimes especiais até o limite da desfiguração do projeto de modernizar o sistema tributário. Não se viu nada de Lula que contestasse ou ressalvasse essa estratégia de negociação.

Exceções e regimes especiais atropelaram a simplificação pretendida para o novo sistema tributário, e a transparência ficou um pouco mais embaçada. Com a ampliação dos privilégios, para manter a mesma carga tributária, a alíquota padrão dos dois novos tributos do consumo estará entre as mais altas do mundo, se não for a mais alta, entre 25% e 27,5%.

Mas, com o novo sistema, apenas três tributos sobre o consumo passarão a vigorar no sistema tributário. Os três -- um IBS (Imposto sobre bens e serviços) estadual e municipal; uma CBS (Contribuição sobre bens e serviços) federal; e um imposto seleto, sobre bens com externalidades negativas, como cigarros, bebidas e agressores do meio ambiente -- substituirão cinco tributos e serão do tipo IVA (Imposto de Valor Adicionado).

Isso quer dizer que, em cada etapa da produção ou da prestação de serviço, será tributada apenas a parte que lhe cabe, não mais em cascata, tributo sobre tributo. A cobrança passará a ser "por fora", como é em quase todos os países, quando hoje, no Brasil, é "por dentro". A cobrança "por dentro" faz com que a alíquota mais frequente atual — de 18% para o ICMS e de 9,25% para o PIS/Cofins — se transforme em alíquotas efetivas, "por fora" de 32,2%. De fato, portanto, já são hoje as mais altas do mundo.

Além disso, a cobrança será no destino, reduzindo muito o espaço para a ineficiência das guerras fiscais entre estados e municípios para atrair empresas. Agregando também algum mecanismo de ressarcimento de tributos pagos pelos mais pobres — com devolução do que foi pago pelo chamado "cashback", não há como negar que, se piorou no processo de tramitação, o novo sistema tributário ainda assim ficou melhor do que é hoje.

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Efeitos da reforma só serão sentidos a médio e a longo prazos. Mas vencer resistências depois de quatro décadas e aprovar um novo sistema tributário com características semelhantes aos dos mais modernos do mundo, com aprovação por um Congresso conservador, e apoio de uma frente ampla de economistas influentes, pode ser, tranquilamente, creditado como vitória de Haddad — e de Lula.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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