José Paulo Kupfer

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Opinião

Tentativa de emparedar Lula, derrubada de vetos é prejudicial ao país

As derrotas em série do governo Lula, no Congresso, neste fim dos trabalhos legislativos em 2023, primeiro ano do novo governo, desafiam a tão incensada capacidade de articulação política do presidente. Margens amplas de votos, no Senado e na Câmara, derrubaram vetos do Executivo, nesta quinta-feira (14), à desoneração da folha da pagamentos de setores econômicos e ao marco temporal das terras indígenas.

Sempre se soube que o Congresso que foi formado em 2022, juntamente com a eleição de Lula, seria hostil ao governo. Confirma-se agora que o famoso jogo de cintura político de Lula não tem suficiente até agora para compor uma base governista sólida.

Pautas-bomba

Nem mesmo a liberação de massas de recursos para atender a emendas parlamentares, movimento reforçado pela nomeação para o ministério de representantes de partidos não alinhados ao PT (Partido dos Trabalhadores) do presidente, garantiu apoio estável. Embora tenha sido possível negociar projetos importantes, como a reforma tributária do consumo, a quantidade de pautas-bomba superou em larga medida os arranjos políticos para a aprovação de projetos de interesse do governo.

Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e líder do Centrão, não é Eduardo Cunha, o deputado cassado e preso, hoje sem partido, que presidia a Câmara no segundo governo de Dilma Roussef, e comandou a aprovação de projetos que ampliavam gastos públicos, dando sustentação ao impeachment da presidente. Mais do que isso, Lula não é Dilma, mas a dinâmica política e institucional da atual legislatura é em alguns pontos semelhante ao daquele período de crise entre os Poderes.

Esforços do governo para elevar a arrecadação e evitar gastos de interesse específicos de determinados setores têm sido sistematicamente boicotados no Congresso, sob o comando de Lira e, em alguns casos, no Senado, com uma recente e mais agressiva atuação de seu presidente, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A barganha política escalou a níveis não vistos até agora, no apagar da luzes de 2023.

As dificuldades de compor uma base de apoio no Congresso têm levado Lula a optar por um surpreendente jogo com ministros do STF. Um inusual presidencialismo de coalização, não com o Legislativo, mas com o Judiciário, parece se desenhar. As chances de que dê certo são, em princípio, muito baixas.

Benefícios sem contrapartida

Foi recorde, em 2023, a distribuição de recursos públicos para parlamentares. Ao longo do primeiro ano do terceiro mandato de Lula, até meados de dezembro, o governo destinou R$ 40 bilhões para emendas. Só nesta segunda-feira (11) e na terça-feira (12), às vésperas de votações importantes para melhorar a arrecadação federal, foram distribuídos R$ 10 bilhões.

Nem assim as coisas deram certo para o governo. No caso da desoneração da folha, não apenas os congressistas desprezaram evidências bem documentadas de que os benefícios não traziam contrapartidas como dificultaram parte da segunda etapa da reforma tributária, que tratará de renda e patrimônio, incluindo a revisão dos tributos que pesam sobre as empresas.

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A derrubada do veto à desoneração, que permanecerá até 2027, imporá ao governo gastos adicionais de R$ 20 bilhões ao ano. Garantir o benefício a setores que, depois de dez anos de privilégios, não apresentaram a contrapartida da geração de mais empregos, exigirá cortar recursos em outros programas, alguns socialmente mais necessários, para evitar desajustes ainda maiores nas contas públicas.

Levantamento do pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Marcos Hecksher, mostra que os 17 setores beneficiados pela desoneração reduziram sua participação no total de trabalhadores ocupados. Eles respondiam por 20,1% do total de empregados, quando a desoneração foi adotada, em 2012, no primeiro mandato de Dilma, mas não somavam além de 18,9% do total uma década depois.

Marco temporal no STF

Já a derrubada do veto parcial de Lula ao marco temporal, que limita a demarcação de terras indígenas aos territórios ocupados a partir de outubro de 1988, ocorreu por pressão da forte bancada do agronegócio. Essa bancada tem conseguido aprovar projetos em desacordo com normas ambientais adotadas em várias partes do mundo, incluindo facilitação para o uso de agrotóxicos banidos em outros países.

O marco temporal que volta a vigorar, sem o veto parcial do Executivo, é considerado inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e provavelmente será contestado na Corte, aumentando os conflitos entre o Legislativo e o Judiciário, que ganharam corpo neste ano.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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