José Paulo Kupfer

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Opinião

Economia deu um nó nos economistas em 2023

Nunca, como em 2023, os economistas fizeram mais jus à velha e humilhante anedota segundo a qual foram criados por Deus para dar credibilidade aos meteorologistas. A capacidade de meteorologistas predizerem as condições do tempo melhorou muito com satélites e softwares de análise, já a dos economistas...

Entre as principais marcas da economia, neste ano que chega ao fim, figuram, justamente, os erros de previsão dos economistas. Não se trata de exclusividade brasileira. Em outros países, como nos Estados Unidos, economistas também erraram. Mas aqui a distância entre a previsão e a realidade chamou ainda mais a atenção.

Previsões passaram longe da realidade

Na virada de 2022 para o novo ano de 2023, a mediana das projeções recolhidas pelo Banco Central entre uma centena de economistas, a maioria do mercado financeiro, no Boletim Focus, apontava, para 2023:

Crescimento econômico de 0,8%;

Inflação em 5,31%, e, se fosse confirmada, ainda pelo terceiro ano consecutivo acima do teto do intervalo de tolerância do sistema de metas;

Cotação do dólar a R$ 5,27;

Taxa básica de juros (taxa Selic) encerrando 2023 ao nível de 12,25% nominais ao ano.

Um ano depois, os mesmos indicadores apontam para:

Crescimento econômico em torno de 3%, quase quatro vezes maior do que o projetado um ano antes;

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Inflação nas proximidades de 4,5%, dentro do intervalo de tolerância do sistema de metas, pela primeira vez desde 2020;

Cotação do dólar na vizinhança de R$ 4,90, 7% menor do que o previsto;

Taxa básica de juros (taxa Selic) em 11,75% nominais ao ano, 0,5 ponto percentual abaixo do projetado.

Erros de previsão não só no Brasil

Também nos Estados Unidos, por exemplo, poucos anteciparam a queda da inflação sem, pelo menos até aqui, a esperada recessão. Paul Krugman, o economista Prêmio Nobel, que mantém coluna no prestigioso New York Times, atribui a "surpresa" — que ele chama de erro — à recomposição das cadeias de suprimento, depois da desarrumação global causada pela pandemia.

Possível reflexo do que diagnostica Krugman impactou, positivamente, a atividade econômica no Brasil, mas escapou das projeções dos especialistas. A economia global mostrou resistência, mesmo pressionada pelo combate à inflação. O gigante chinês balançou, mas não caiu, enquanto a Europa do euro aguentou o tranco do prolongamento da guerra na Ucrânia e da eclosão do cruel conflito entre Israel e Hamas, na faixa de Gaza.

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Na esteira da recomposição das cadeias de suprimento pelo mundo, a economia brasileira cresceu mais do que o previsto em 2023, beneficiando-se do transbordamento da produção agropecuária e das exportações de commodities agrícolas e minerais.

Agro e exportações bombaram

As cotações internacionais de grãos, petróleo e minério de ferro voltaram a se acomodar depois da explosão que se seguiu à invasão da Ucrânia pela Rússia, mas a quantidade produzida no Brasil deu saltos expressivos em 2023, levando as receitas de explotações crescerem mais de 10%. Em combinação com uma queda nas importações, o resultado, neste ano, será um saldo na balança comercial recorde, acima de US$ 80 bilhões.

Com a agropecuária transbordando, o mercado de trabalho absorveu mais mão de obra. A taxa de desemprego recuou para perto de 7,5% da força de trabalho, o ponto mais baixo desde 2015.

Em relação ao mercado de trabalho, contudo, é preciso fazer uma ressalva: em 2023, cerca de 5 milhões de pessoas que tinham deixado a força de trabalho com a pandemia ainda não tinham voltado ao mercado. A taxa de desemprego estaria mais próxima de 10%, se essa retração não estive em curso.

De todo modo, a renda habitual do trabalho, positivamente beneficiada pela queda da inflação, manteve ganhos reais e contribuiu para elevar a massa salarial. Com esse suporte, reforçado pela alta menor dos preços, principalmente em alimentos, o consumo das famílias puxou a atividade econômica.

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Consumo saiu fortalecido

O consumo também foi impulsionado pelo primeiro aumento real do salário mínimo depois do estacionamento em termos reais nos quatro anos do governo Bolsonaro. Contou ainda com a contribuição dos programas de distribuição de renda, tende à frente um Bolsa Família turbinas e ampliado. Os gastos públicos, com forte expansão de 9% no ano, explicam uma parte relativamente importante do avanço do consumo e de suas repercussões, sobretudo no impulsionamento dos serviços.

No lado negativo, taxas de juros em queda, mas ainda muito altas, criaram barreiras ao crédito, afetando mais diretamente indústria e investimento. A indústria de bens de consumo durável e bens intermediários andou para trás, em relação a 2022. Essa estagnação afetou a produção de bens de capital, levando o investimento a retroceder em 2023. A utilização da capacidade instalada, enfim, avançou para 80%, sem conseguir, no entanto, superar seu padrão histórico.

Dando um drible na teoria ortodoxa, segundo a qual aumentos na dívida pública, resultado de déficits públicos, elevam juros e inflação, numa combinação que termina desaguando em recessão, a economia brasileira em 2023 cresceu, em meio a recuos na inflação e na taxa básica de juros, apesar do aumento na dívida bruta. É possível que a equação fora dos cânones das teorias conservadoras não resista ao longo prazo, mas não foi o aconteceu no curto prazo deste ano civil.

Dívida sobe, mas inflação e juros caem

Apesar das incertezas no campo das contas públicas, o governo Lula, em seu primeiro ano do terceiro mandato, produziu novidades, com potencial de promover, no médio prazo, impactos positivos na economia. Com participação ativa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, depois de quase quatro décadas de tentativas frustradas, foi aprovada no Congresso, embora com dose elevada de exceções e regimes especiais, uma reforma tributária do consumo, que permitirá simplificar e dar transparência ao atual e disfuncional sistema de cobrança de tributos.

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Haddad também conseguiu aprovar no Congresso a imposição de impostos a fundos mantidos em paraísos fiscais por brasileiros (fundos offshore) e a fundos exclusivos, mantidos por uma única pessoa ou família, em geral para fins de herança, que antes só sofriam incidência de impostos na retirada dos recursos. Também fez passar no Legislativo um novo conjunto de regras de controle da política fiscal — o NAF (Novo Arcabouço Fiscal), que impõe limites à expansão dos gastos públicos, mas os vincula ao crescimento das receitas públicas.

"Parlamentarismo orçamentário"

O preço dessas aprovações, num Congresso de maioria conservadora e hostil ao governo Lula, traduziu-se num recorde de concessões de recursos destinados a emendas parlamentares, que ultrapassou R$ 40 bilhões. O ano de 2023 também ficará marcado como aquele em que o avanço do Legislativo nos recursos do Orçamento atingiu seu ponto máximo, chamado por muitos de "parlamentarismo orçamentário".

Além de emendas de várias naturezas e grosso volume, o Congresso avançou na delimitação de critérios para o uso do dinheiro público, restringindo os espaços para o governo desenvolver sua política fiscal. Com o cerco do Legislativo à ação do Executivo, pode-se prever consequências prejudiciais ao crescimento da economia já em 2024.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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