Em Convenção da ONU, a biodiversidade quer colocar limites à monocultura
Do aeroporto às ruas de Cali, incluindo pontos de ônibus e cartazes, é possível perceber que a cidade colombiana está inteiramente mobilizada para receber a COP16 (Conferência da Nações Unidas sobre Biodiversidade). O encontro, que vai até dia 1º de novembro, reúne países dos cinco continentes para tratar da Convenção da Diversidade Biológica.
Foi em 1992, no Rio de Janeiro, que as nações se deram conta da importância de falar sobre a biodiversidade. Após 20 anos, 192 países assinaram o Marco Global pela Biodiversidade, documento que reúne 23 metas globais a serem alcançadas até 2030.
Frente às mudanças climáticas, o tempo está correndo contra o relógio e muitos países — incluindo o Brasil — estão atrasados com esses compromissos. Portanto, na Colômbia, é o momento de verificar como eles buscam implementar metas, a exemplo da proteção de 30% dos ecossistemas até o final da década.
Entre tantos temas que se relacionam à perda da biodiversidade no planeta, a agropecuária tem lugar nesta discussão. Há uma crítica enfática sobre como o avanço da monocultura coloca em risco a diversidade de fauna e flora, além de ameaçar populações tradicionais e fomentar o uso de pesticidas que prejudicam a qualidade da água.
Fazem parte das metas globais garantir a diversidade genética, a resiliência dos ecossistemas, a sustentabilidade da agricultura e o financiamento para preservar a diversidade da vida. Em contraponto, segundo o Unep (Programa de Meio Ambiente da ONU), a monocultura ou baixa diversificação de cultivos coloca estas metas em risco.
Nesta segunda-feira (21), o Unep lançou uma publicação endereçada aos bancos, sugerindo critérios no momento de aportar recursos aos setores da agricultura e mineração. Ao mencionar o Brasil, a produção de soja é ponto central do documento, pois mesmo quando mencionada a pecuária há a relação de que parte relevante dos grãos é fornecida para o gado bovino.
"A soja é cultivada em grandes monoculturas e a produção é dominada por grandes proprietários de terras. O cultivo é altamente mecanizado, exigindo um investimento de capital significativo em maquinário, bem como fertilizantes artificiais, pesticidas e herbicidas", aponta o estudo.
O documento do Unep indica como os bancos devem fomentar uma agropecuária que esteja "em paz com a natureza" — tema da COP16. Dada a extensão dos países que cultivam soja em larga escala, o Programa de Meio Ambiente da ONU sugere a evitar a "introdução intencional de espécies exóticas em paisagens naturais que não tenham sido designados como áreas agrícolas", a exemplo de florestas. Parte da lição de casa, como a rotação de cultura, já é adotada no Brasil.
Também sugere que os bancos financiem práticas regenerativas, evite estar relacionado a atividades em propriedades rurais embargadas, incentive a redução de certos agroquímicos e apoie a regularização ambiental. "Incentivar a adoção de modelos de produção diferenciados, incluindo integração lavoura-pecuária-floresta, sistemas agroflorestais ou de pastagem agroflorestal" também consta no documento.
Um dado do Banco Mundial indica que os subsídios agrícolas são responsáveis pela perda de 2,2 milhões de hectares de floresta por ano, o equivalente a 14% do desmatamento global. Estes subsídios nos países ricos provocam desmatamento tropical significativo.
Alberto Terena, importante liderança indígena no Cerrado, esteve no primeiro dia da COP16 no Pavilhão Brasil e falou sobre o avanço da soja no bioma. "Vivemos o avanço da monocultura dentro dos nossos territórios, sendo que o Cerrado é a fonte dos mananciais, das águas. Se continuarmos achando que a monocultura é a salvação, vamos destruir a nós mesmos", afirmou.
Ronaldo dos Santos, secretário para políticas quilombolas do Ministério da Igualdade Racial, também falou durante o evento. No relato, ele descreveu como é viajar pelo Cerrado: "quilômetros e quilômetros sem árvores, animais, comunidades, a gente só vê a monocultura, e isso é perda de biodiversidade".
A tentativa é de que o descontentamento com o modus operandi da economia que dá preferência à soja chegue a outras esferas, a ponto de o Brasil sair do padrão de produzir commodity sem valor agregado para atender ao mercado externo. Só que não havia ninguém do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário, da Fazenda ou representantes do agro para dialogar.
*Esta matéria foi produzida com apoio da bolsa de reportagem COP16-CBD 2024, organizada pela Earth Journalism Network, da Internews
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