BC quer mais autonomia, e Congresso decide se dará

Avança no Congresso Nacional, com grandes chances de aprovação ainda no primeiro semestre de 2024, uma proposta de emenda à Constituição que amplia a autonomia do Banco Central. O avanço ocorre um ano depois do auge da crise institucional entre o presidente Lula, então no início do terceiro mandato, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, indicado por Bolsonaro.
A proposta é de autoria do Senado (protocolada pelo senador Vanderlan Cardoso) e não conta com o apoio oficial do Banco Central. A autoridade monetária sequer comenta oficialmente projetos em tramitação no Congresso. Mas eu apurei que há interesse e apoio da cúpula da autoridade monetária para a ampliação da autonomia.
Vale lembrar que em fevereiro do ano passado, Lula disse que poderia rever a autonomia do BC após o fim do mandato de Campos Neto, que termina em 31 de dezembro.
Hoje a autoridade monetária brasileira tem autonomia operacional. A PEC em discussão (PEC 65/2023) pretende que a autoridade monetária tenha autonomia orçamentária e financeira, além da operacional. Ou seja, possa gerir os próprios recursos, modelo já adotado por bancos centrais de outros países (Canadá, Estados Unidos, Suécia, Noruega, Austrália, Nova Zelândia e do Banco Central Europeu).
Na prática, com a mudança proposta, o BC deixa de receber recursos do Tesouro para pagar as suas contas - estrutura física, sistemas, segurança (a estrutura e os gastos com segurança aumentaram muito depois do assalto ao BC em Fortaleza) e servidores - e passa a poder gerir os próprios recursos.
Mas o que muda?
O BC terá mais liberdade para tomar decisões de investimentos, inclusive contratação de servidores por meio de concursos, e não ficará submetido a atrasos dos repasses do Tesouro. Mas continua seguindo todas as regras da administração pública e enviando o excedente das suas receitas, o que não é usado para cobrir os gastos, para os cofres do governo (Tesouro).
Isso deve minimizar o problema de falta de reposição de mão de obra. O BC vive uma "crise de servidores", sem reposições e com salários achatados quando comparados a outras carreiras. Já teve 5 mil servidores. Hoje tem cerca de 3.000.
Apesar de mais liberdade, as contas precisam ser aprovadas pelo Congresso, passam pelas auditorias do TCU (Tribunal de Contas da União) e da CGU (Controladoria Geral da União), além de auditoria externa independente.
As receitas do Banco Central são obtidas com:
- taxas e multas aplicadas às instituições financeiras (tarifas de supervisão, multas, penalidades e termos de ajustamento de conduta)
- serviços de custódia
- venda de moedas comemorativas
- cessão de espaço de seus imóveis
- rendas de seus ativos financeiros
O que acontece se faltar ou sobrar dinheiro das receitas para cobrir os gastos do BC?
Se faltarem recursos, estão previstas transferências emergenciais do Tesouro. Se sobrar, a lei estabelece que os recursos devem ir para o Tesouro.
Para o Tesouro, há uma vantagem. Pelas regras atuais, as receitas do BC que entram nos cofres não podem ser usadas para o pagamento da dívida. Se a PEC for aprovada como está, os recursos podem ser usados para o pagamento da dívida, ou seja, mas liberdade também para o Tesouro, além de abertura de espaço fiscal.
De quanto estamos falando?
A proposta não traz valores, mas eu apurei que os gastos anuais do BC são de cerca de R$ 5,5 bilhões/ano. As receitas da autoridade monetária são estimadas em mais de dez vezes o valor dos gastos anuais, sem contar as reservas internacionais.
Por que o cenário é de aprovação?
A PEC foi protocolada pelo senador Vanderlan Cardoso (PSD/GO), presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Ele conseguiu assinaturas de 41 senadores em tempo recorde. Ele me disse que a proposta não deve sofrer muitas resistências.
"O projeto está praticamente pacificado entre os senadores e acredito que haverá pouquíssima resistência, principalmente porque existe o entendimento de que a PEC da autonomia orçamentária e financeira do Banco Central é a continuidade necessária da autonomia administrativa, que já passou pela Casa e foi aprovada".
É fato que o PT e os partidos mais à esquerda não apoiaram a PEC oficialmente até o momento, e que historicamente o PT não é entusiasta da autonomia do BC. Mas essa resistência não deve ser suficiente para barrar o avanço da PEC, que tem apoio dos partidos de centro e da oposição.
A proposta é de interesse do presidente do BC, Roberto Campos Neto, que está no último ano do mandato e tem a atual crise dos servidores como um dos seus grandes problemas, ainda sem solução. Ele já promoveu mudanças internas nas diretorias e a autonomia financeira abriria um caminho para a resolução do problema.
O ministério da Fazenda não tem oferecido resistência à proposta, e se beneficiaria com abertura de espaço fiscal do tamanho das contas do BC, cerca de R$ 5 bilhões ao ano, além da questão da maior flexibilidade para usar recursos para pagar a dívida.
Quais os próximos passos?
Negociações e debates em torno do texto entre Senado, Câmara, governo e Banco Central. A relatoria da PEC é do senador Plínio Valério (PSDB-AM), autor do projeto (PLP 19/2019) da autonomia operacional do BC.
Depois de um acordo quanto ao texto, a PEC precisa ser aprovada em dois turnos no Senado e na Câmara. São necessários 49 votos no Senado e 308 na Câmara.
Após a aprovação da PEC, o Congresso terá que discutir leis complementares que irão regulamentar a independência financeira.
A autonomia do BC
Desde fevereiro de 2021, com a aprovação da lei complementar 179, o BC ganhou autonomia operacional já que os diretores passaram a não servir mais a um governo. Isso ocorre por terem mandatos não coincidentes com os do Presidente da República e que precisam ser aprovados pelo Congresso.
Ou seja, embora ainda sejam indicados pelo chefe do Executivo, passam pelo crivo do Senado. Além disso, o presidente da República começa o mandato com um presidente do BC indicado pelo seu antecessor (a não ser em caso de reeleição do presidente da República), e que ele não pode tirar do cargo (é possível exonerar a diretoria do BC, mas a exoneração precisa passar pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e ser aprovada pelo Senado).
Foi essa mudança, que apesar de ter contribuído para colocar o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, na mira do presidente Lula e suas críticas ao patamar dos juros no início do seu terceiro mandato, também o blindou de uma interferência mais direta do Executivo na condução da política monetária.
Lula tinha liberdade de criticar alguém não indicado por ele e encontrar um "culpado" pelos desempenho da economia e Campos Neto podia não dar ouvidos, já que tem um mandato com data para terminar.
Agora o Congresso quer ampliar a autonomia do Banco Central, e que não foi possível na discussão da autonomia operacional porque a autonomia financeira é uma mudança que altera a Constituição, e por isso a necessidade de uma PEC.
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