Mariana Londres

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Opinião

Como o Plano Real mudou a minha e as nossas vidas

Se você, leitor, tem menos de 30 anos, este texto foi escrito especialmente para você. Se, como eu, tem mais, certamente vai se identificar porque viveu situações parecidas.

Até os meus 16 anos, quando foi lançado o Plano Real, a minha vida econômica foi o caos. Não somente a minha. De todos os brasileiros.

Depois de um período que foi chamado de "o milagre brasileiro", que chegou até a década de 70, quando os meus pais recém-casados conseguiram se formar, comprar um carro popular e construir uma casa, começou a instabilidade.

Eu nasci no início da confusão, e passei a infância na década que ficou conhecida como 'década perdida' economicamente, os anos 80.

Era a época da hiperinflação e do baixo crescimento econômico. E eu, criança, tive que aprender estratégias para lidar com uma moeda que perdia valor a cada dia. Exemplos:

Ninguém esperava passar um dia sequer depois de receber o salário. No dia que o salário caía na conta todos nós íamos para o supermercado encher os carrinhos para a "compra do mês", porque se passassem alguns dias tudo estaria mais caro e o carrinho voltaria vazio para casa.

Para juntar dinheiro só tinha uma solução, comprar dólares. Eu comprava dólares com o que eu separava da mesada, assim que recebia. Minha bisavó costumava dar dinheiro de presente, e em alguns anos dava para comprar um bom presente, em outros ir ao cinema e comprar uma pipoca. Não por culpa dela, mas porque a inflação tinha tirado o valor do presente rápido demais.

Aprendi o conceito de "overninght". Sim, os bancos atualizavam os títulos de madrugada, para manter o poder de compra do dinheiro.

As notas de dinheiro perdiam tanto valor que chegou uma hora que cortaram os zeros. Da noite para o dia mil Cruzeiros passavam a valer um Cruzeiro e um carimbo nas notas explicava isso (não valia a pena imprimir mais dinheiro com o valor novo, não é mesmo? O jeito foi carimbar).

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Para tentar resolver a situação, de tempos em tempos vinham os planos econômicos:

  • Plano Cruzado (1986): foi um choque heterodoxo com mudança de moeda, congelamento de preços, do câmbio e de salários. Foi criado um gatilho salarial caso a inflação atingisse 20%. Derrubou a inflação no começo, mas ela voltou. Nessa época havia fiscais para checar se os preços não estavam subindo nos supermercados, que ficaram conhecidos como "os fiscais do Sarney", o presidente da época.
  • Bresser (1987): congelamento de preços e salários (mas não de câmbio), mas havia um ingrediente novo: medidas de contração fiscal e monetária para frear a demanda e desaquecer a economia. Apesar disso, também fracassou.
  • Verão (1989): congelamento de preços e salários, dessa vez com um mecanismo de correção monetária. Mudança de moeda para Cruzado Novo (com corte de três zeros, R$ 1000 Cruzados passaram a ser R$ 1 Cruzado Novo) com paridade com o dólar. Fim da indexação da economia e pequena reforma administrativa para redução de custos. O plano não teve sucesso.
  • Collor I (1990): o mais polêmico de todos, pois além de congelar preços e alterar a moeda (volta do Cruzeiro), promoveu o confisco da poupança (isso mesmo, o governo pegou o dinheiro da poupança das pessoas, sem elas terem opção de escolha). O nome técnico foi: sequestro da liquidez. Todas as aplicações de mais de cinquenta mil Cruzados Novos foram bloqueadas por 18 meses e devolvidas em Cruzeiros em 12 parcelas com juros de 6% ao ano. Início do câmbio flutuante. Além de não ter dado certo para o controle da inflação, gerou revolta nas pessoas.
  • Collor II (1991): um ajuste do Collor I com cortes das despesas públicas, investimento na indústria e fim de todos os mecanismos de indexação. Também não foi suficiente para segurar a inflação.
  • Plano Real (1994): pelo histórico, ninguém acreditava que daria certo e controlaria a inflação. A queda da inflação não foi imediata, mas consistente. O plano foi feito em várias etapas e começou com um ingrediente novo, um ajuste fiscal. A primeira etapa teve o PAI (Plano de Ação Imediata), de ajuste nas contas públicas. A criação da DRU (Desvinculação das Despesas da União) cortou 20% das despesas obrigatórias do governo. Além da questão do ajuste fiscal, que foi fundamental para o sucesso do plano, foi encontrada uma solução para a não indexação dos salários (que se mostrou inflacionária) que foi a criação de um índice para a reposição da inflação nos salários anualmente.

Para quem viveu tudo isso, o Plano Real parecia um milagre. Por um tempo, um real valia um dólar. Nessa época eu consegui com o dinheiro que ganhava dando aulas de inglês, comprar uma passagem de ida e volta para os Estados Unidos por R$ 450 (ou dólares) em dez vezes no cartão. É claro que isso não durou para sempre, mas essa pequena história mostra como a nossa vida melhorou muito nesses 30 anos de Plano Real.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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