Mariana Londres

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Reportagem

Projeto de painéis solares para baixa renda deve elevar as contas de luz

Aprovado na Câmara dos Deputados na semana passada, o projeto de lei 624/2023 busca ampliar o acesso da população de baixa renda à energia solar por meio de um programa de geração de renda pela produção da energia. O objetivo é meritório, mas o texto como foi aprovado pode não produzir o efeito de reduzir as contas pagas pela população de baixa renda, além do risco de elevar a de todos os consumidores de energia nos curto e médio prazos, segundo apontam as distribuidoras de energia e a associação dos consumidores de energia.

Ainda não há um valor fechado da estimativa de quanto as contas podem subir, mas a projeção das entidades é de que irão subir. Por outro lado, a associação de energia solar, favorável ao projeto como foi aprovado, diz que é preciso levar em conta os benefícios sistêmicos da ampliação do acesso à energia solar, que podem trazer uma redução de 6% nas contas de todos até 2031, ou seja, em oito anos.

O texto ainda precisa ser aprovado pelo Senado, voltar para a Câmara se houver alterações, e ser sancionado pelo presidente da República para virar lei.

O que diz o projeto?

A proposta é substituir gradativamente o programa Tarifa Social de Energia Elétrica por um programa de geração de energia elétrica, o Programa Renda Básica Energética, ou Rebe.

O projeto busca financiar a instalação de sistemas de energia renovável para os consumidores que hoje se beneficiam da Tarifa Social de Energia Elétrica. A ideia inicial é retirar o custo da Tarifa Social da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), mas isso pode não acontecer gerando o efeito contrário, de pressão nas contas. Há uma estimativa de que seriam necessários R$ 56 bilhões em recursos para substituir a Tarifa Social pelo Rebe.

As famílias de baixa renda terão acesso aos painéis solares?

Há uma crítica de que só as classes mais favorecidas têm energia solar porque é necessário ter recursos para fazer o investimento para comprar e instalar os painéis. Apesar disso, o projeto não amplia o acesso da população de baixa renda aos painéis, mas permite que a baixa renda obtenha crédito em função de produção de energia solar, alterando o conceito atual de Geração Distribuída (GD), que eu explico mais abaixo.

Quais as diferenças entre os dois programas?

A Tarifa Social, o programa atual de energia para a baixa renda, é um desconto no valor das contas de luz de baixa renda inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) ou que tenham entre seus membros algum beneficiário do Benefício de Prestação Continuada (BPC).

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Os recursos para o desconto vêm da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que é bancada pelos demais consumidores de energia elétrica do chamado mercado cativo (que não produzem a própria energia e recebem das distribuidoras de energia). Em 2023, o custo do programa Tarifa Social na CDE foi de R$ 5,8 bilhões.

O Programa Renda Básica Energética que a lei cria, prevê que a ENBPar (empresa pública que, entre outras coisas, operacionaliza os programas de universalização do acesso à energia elétrica), contrate produtores de energia solar (fazendas solares) que vão gerar créditos com a produção de energia injetada na rede, pela chamada GD (geração distribuída).

Esse crédito vai ser direcionado para o morador de baixa renda, que não necessariamente está recebendo a energia do painel solar, que pode estar longe dele, mas estará recebendo o crédito dessa energia na conta de luz.

Por que a tarifa pode subir?

Segundo Ricardo Brandão, diretor de Regulação da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), a maior parcela do consumidor de baixa renda consome até 70 kWh/mês:

"Esse consumidor tem um desconto muito alto hoje, que é por faixa. Então ele não vai ter mais desconto com a nova proposta, vai ter menos. Porque o crédito de quem tem GD por assinatura, que é a mesma lógica, o desconto médio é de 20%. Ele recebendo crédito, para os mais vulneráveis o desconto de baixa renda do Tarifa Social é maior do que o crédito".

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Outro ponto é que a CDE já é pressionada pelos subsídios à GD (Geração Distribuída), e como o crédito para baixa renda será feito por meio de GD esse custo,que será repassado aos demais consumidores de energia elétrica, tende a crescer ainda mais. Em 2024, o custo dos subsídios à GD foi de R$ 7,14 bilhões na CDE . Este ano até maio os subsídios à GD já bateram R$ 3,37 bilhões.

A soma de todos os subsídios foi de R$ 40,3 bilhões em 2023. Isso significa que se não fossem os subsídios, a conta de luz poderia ser 13,21 % mais barata, em média.

Há outros riscos?

Há um risco adicional de explosão dos subsídios à GD na CDE, porque o projeto de lei altera o conceito de geração distribuída. Segundo a Lei 14.300 de 2021, ou marco legal da Geração Distribuída: "a micro e a minigeração distribuída, mais conhecidas como geração distribuída (GD), são modalidades que permitem a geração de energia elétrica no local ou próximo ao ponto de consumo".

O projeto de lei prevê a revogação do artigo 28 do marco legal, que diz que a microgeração e a minigeração distribuídas caracterizam-se como produção de energia elétrica para consumo próprio.

Segundo as distribuidoras de energia, o projeto não irá beneficiar as famílias de baixa renda, apenas as empresas de energia solar que poderão usufruir de um subsídio que foi pensado para quem quer produzir a própria energia, e não para grandes empresas de energia solar.

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O que diz a associação dos consumidores de energia?

A Abrace Energia, associação que representa os grandes consumidores de energia, se posiciona contra o texto atual do projeto de lei e diz que o texto precisaria de diversos ajustes para evitar impactos negativos, via aumento de CDE, para os consumidores em curto e médio prazos. A associação entende que a proposta atual tem o potencial de aumentar ainda mais o custo da CDE para os consumidores brasileiros, por duas vias:

(i) pelo aumento do subsídio específico da GD, que deve aumentar significativamente com o Rebe; e

(ii) pelo aumento da CDE para custear a compra e instalação dos equipamentos destinados ao Rebe - embora o projeto tenha tentado evitar passar à CDE esse ônus, na redação proposta há margem para que o custo impacte os encargos pagos pelos consumidores. Além do provável aumento na CDE, o PL traz ainda uma série de mudanças não relacionadas à instalação de painéis solares para suprir energia para consumidores de baixa renda, com potencial de impactos negativos para a CDE.

O que diz a associação da energia solar?

A Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) defende a aprovação do projeto como está hoje por considerar que ele aprimora o marco legal da Geração Distribuída. Eu conversei com a vice-presidente do Conselho de Administração da Absolar, Bárbara Rubim.

"Dificil saber como ficará uma regra futura, mas da forma como ela está hoje, a baixa renda que tem desconto de até 70% pela Tarifa Social, se for substituído por um sistema de geração própria [Rebe], o que ele teria que pagar é o residual do Fio B [custo de distribuição], pela regra de transição. Agora estamos em 30%, sendo o teto de 90%, então o consumidor pagaria no máximo 25% da tarifa. No pior cenário, ele teria o mesmo desconto que tem hoje, mas ele pode ter uma redução maior e haverá ainda a redução do subsídio da tarifa social, que hoje está em R$ 1,5 bi na CDE".

Questionada sobre a pressão no subsídio à GD na CDE, Bárbara Rubim disse que a transferência para o subsídio à GD não é de 100%, pois o consumidor estará pagando o Fio B.

"Há uma nova resolução com as diretrizas que a Aneel tem que seguir para fazer o encontro de contas para GD, e aí teremos uma análise completa. Porque a fala de pressão à CDE é falaciosa, porque não leva em consideração os benefícios sistêmicos da geração distribuída para o sistema elétrico. As análises que já fizemos mostram que quando a gente leva em consideração não só os custos de distribuição, que é o único fator quando olhamos para a conta da CDE, mas também a redução dos custos com a geração e com perdas técnicas, a conta é positiva. É um cenário que até 2031, a GD leva a uma redução para todos os consumidores da conta de luz de cerca de 6% , por isso é importante que seja feito o encontro de contas pela Aneel o quanto antes", completa.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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