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Nina Silva

Nubank erra e é cancelado nas redes

Nubank erra e é cancelado nas redes - Nina Silva
Nubank erra e é cancelado nas redes Imagem: Nina Silva

27/10/2020 15h57

Em entrevista para o programa Roda Viva, cofundadora do Nubank explicita a falta de disrupção e preparo da empresa no tema inclusão e diversidade racial.

Estamos vivendo em pleno século XXI, em um momento de modernidade e aceleração digital. Novas tecnologias estão surgindo a todo momento e, teoricamente, pessoas com a mente mais aberta para aceitar diferentes ideias. Vemos movimentos de investimento em ESG crescerem nas pautas de grandes empresas e startups. Era de se esperar que no mercado de trabalho cada um se destacasse apenas pelo seu bom desempenho ou perdesse oportunidades pela falta dele, que as reparações históricas estivessem no centro das ações de maneira intencional. A prática, no entanto, é bem diferente disso: o preconceito racial no mercado de trabalho faz parte de um sistema estrutural no Brasil, que resulta no fechar de portas para grandes talentos. E quando se trata de um banco digital que se diz moderno, justo e para todas as pessoas?

O Nubank nasceu e cresceu dentro do mindset das fintechs e startups que prometem não cometer os erros das corporações tradicionais, mas o que vimos no programa Roda Viva no dia foram falas e mentalidade das instituições conservadoras que utilizam de subterfúgios como meritocracia para manutenção de seus postos herdados em trajetórias de privilégios.

Trecho da entrevista com Cristina Junqueira ao ser questionada pela repórter Angélica Mari sobre quais são as medidas para inclusão de lideranças negras da empresa:
"Não dá pra nivelar por baixo. Por isso a gente quer investir em formação. Não adianta colocar alguém pra dentro que depois não vai ter condições de trabalhar com as equipes que a gente tem. Depois não vai ser bem avaliado. A gente não está resolvendo um problema, está criando outro, né?" afirmou Junqueira.

Cristina não abriu os números de pessoas negras em seu quadro de funcionários, os quais chama de "Nubankers" ou seria "Noblacks"?! Ironias a parte, o que vimos depois deste ocorrido? Inúmeras fotos de cartões roxos quebrados, telas de contas canceladas e top trends durante dias sobre o racismo constatado e ainda defendido em rede nacional pela maior executiva na organização. Frases como: "se eu como negro sou dito incapaz de trabalhar para vocês, meu dinheiro também não o fará". Negros movimentam 1.9 trilhão de reais na economia segundo Instituto Locomotiva, será que os executivos Nubank entendem o tamanho da lição de casa que precisam fazer ou preferem perder os correntistas negros entre as 20 milhões de contas já abertas?

Mais de 56% da população brasileira é composta por negros, portanto, seria de se esperar que mais da metade das empresas também fossem dirigidas por representantes dessa raça. Seria o mais natural. Mas é claro que isso não acontece e é o primeiro sinal do preconceito racial no mercado de trabalho, além de números que comprovam tais desigualdades: negros são 75% dos 10% mais pobres, 63% dos desempregados e possuem 71% a mais de chances de perder seus empregos do que pessoas brancas durante a pandemia. Uma análise das 500 maiores corporações do nosso país mostra que menos de 5% delas é dirigida por negros, de acordo com um levantamento do Instituto Ethos.

Empresas que atingem e mantêm a diversidade constroem, de forma estrutural, uma cultura voltada para respeito, que passa a fazer parte da cultura e valores da organização. Respeito este que não se apresenta na fala da executiva em relação à comunidade negra, majoritária no Brasil.

Sobre "nivelar por baixo":

Programas intencionais e efetivos de inclusão racial são ações para baixar a guarda e não a régua. Nina Silva

Lideranças de empresas que não estejam enxergando no próprio bolso o impacto positivo da inclusão e ainda diagnosticam o processo como "difícil" é porquê não estão no caminho certo ou nem estão tentando caminhar no tema.
A desculpa de que não se encontra ou não tem como suprir exigências com os candidatos negros é no mínimo reducionista pautada na ineficiência do processo de procura destes profissionais.

Uma semana depois do episódio o Nubank em nome de seus fundadores escreve tardiamente um comunicado assumindo o erro e discorrendo sobre um novo "compromisso antirracista" para práticas inclusivas de raça, termina sua carta com convocatória para outros bancos e fintechs fazerem o mesmo como se a contratação de uma consultoria já pudesse chancelar um selo de boas práticas ainda longe de serem implementadas.

"Pedimos desculpas aos Nubankers negros, ao movimento negro e aos grupos sub-representados por não termos feito mais" afirma os fundadores. A empresa assumiu que a preocupação com números de inclusão de grupos lgbtqia+ e mulheres sempre foi uma constante na empresa, o que nos leva a máxima de que quando somos empáticos ou sentimos "na pele" a dor trabalhamos para a mudança, mas quando o ambiente não possui pessoas negras na liderança a pauta é colocada à margem das demais.

Para empresas e líderes que ainda consideram a inclusão racial um desafio, convido a reflexão:

  • Onde e como tem sido o processo de recrutamento das pessoas candidatas de sua instituição? Suas redes de relacionamentos são homogêneas ou heterogêneas?
  • O que você tem feito para sair da bolha em que nasceu, se formou e se relacionou durante toda a vida profissional?
  • Quantas pessoas negras integram a sua equipe?
  • Quantas você já contratou?
  • Você possui algum par ou responde a alguma liderança negra em sua organização?
  • Você conhece consultorias ou projetos de vitrines para profissionais negros?
  • Qual o seu compromisso hoje em mudar a realidade das respostas negativas às perguntas anteriores?
  • Você sabia que segundo a McKinsey, inclusão racial além de ser o certo e justo, é garantia de maior lucro em empresas no mundo inteiro?

Em 2019 estive em um evento no Nubank para participar de um painel sobre Diveridade racial nas empresas, na ocasião Cristina Junqueira abriu o evento mas não assistiu a fala de nenhum convidado. No momento de minha fala questionei uma platéia de 400 pessoas quantos coordenadores e líderes tinham no auditório, nem 5 pessoas levantaram a mão. Talvez se a liderança do Nubank tivesse participado do evento eles teriam aprendido algo com os especialistas que lá estavam. Que um selo ou uma carta não sejam mais justificativas para acalmar os clientes e sociedade. Quem sabe a partir de agora tenham mais uma oportunidade de aprender na prática e na marra que quando a inclusão racial é realizada de verdade, pode ter certeza, o nível das entregas e inovação se elevam. Mas enquanto a inclusão for olhada de cima para baixo e feita ou falada por quem não está preparado para o mundo de hoje escutaremos e sofreremos por esse tipo de mentalidade meritocrática alicerçada no racismo institucional.