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O avião que caiu na floresta amazônica pela falta de uma vírgula

Em 1989, o voo Varig 254 realizou um pouso forçado na Amazônia após ficar sem combustível por ter voado por horas na direção errada. Uma das principais razões do acidente foi um erro de interpretação por causa de uma vírgula.

Das 54 pessoas a bordo, 12 morreram na queda e 17 ficaram gravemente feridos.

Histórico do voo

O Boeing 737-200 decolou de Guarulhos para Belém (PA). Antes, fez escalas em Uberaba (MG), Uberlândia (MG), Goiânia (GO), Brasília, Imperatriz (MA) e Marabá (PA).

Saiu de Marabá para Belém, mas jamais chegou à capital paraense. Neste último trecho, um acúmulo de problemas viria a resultar na queda da aeronave.

Mudanças no plano de voo

A Varig havia começado a disponibilizar planos de voo computadorizados meses antes do acidente. Esses planos continham todas as informações para realizar o voo, como frequências de rádio das torres dos aeroportos, de controladores de voo, pontos de referência para a navegação e a rota, que é descrita em graus, como na bússola.

Até aquela época, utilizavam-se apenas três dígitos para inserir a orientação do rumo em relação à bússola que o avião deveria seguir. Com os novos planos computadorizados, esse campo passou a contar com uma casa decimal, ficando com quatro dígitos ao todo. Foi nesse momento em que houve uma confusão na hora de interpretar e programar os instrumentos do avião.

No plano de voo, constava que a direção a ser voada era "0270", o que significa que o avião deveria voar na rota 027,0°, e não 0270°, como a que foi programada. Em vez de se dirigirem ao norte, rumo a Belém, acabaram indo para o oeste.

É importante lembrar que, no Brasil, a casa decimal é separada por vírgula. Em alguns países, ela é separada por um ponto, o que pode levar a diferenças na interpretação entre documentos.

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Série de erros resultou na queda

Esse primeiro erro foi sucedido por uma série de desencontros e falhas nos procedimentos. Isso causou o fim do combustível e a queda, conforme relatado no documento final do acidente elaborado pelo Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), órgão da Aeronáutica.

O voo, que não deveria durar mais do que uma hora, prolongou-se por mais de três horas. Mesmo com uma reserva, o avião acabou caindo em uma zona de mata ao norte de São José do Xingu (MT). O piloto e o copiloto sobreviveram.

As investigações do Cenipa destacaram várias questões que resultaram na queda, além da vírgula. Esses pontos incluíam:

  • A falta de contato das equipes em terra com o avião após o significativo atraso do pouso: caso os pilotos tivessem sido contatados a tempo, o erro poderia ter sido detectado e a tragédia poderia ter sido evitada.
  • Representação gráfica do plano de voo computadorizado inadequada, podendo causar confusão em quem o estivesse lendo.
  • Falta de planejamento dos pilotos, já que as informações da documentação das rotas poderiam ser comparadas com aquelas constantes no plano de voo.
  • Dificuldade de visualizar o solo em busca de pontos de referência por causa de névoa seca e do pôr do sol.

Chegou-se a cogitar que os pilotos ouviam o jogo classificatório à Copa entre Brasil e Chile que acontecia naquele mesmo horário, e que isso teria causado a distração. Os pilotos negaram, e a investigação não revelou se isso ocorreu.

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Após as investigações criminais, os pilotos foram condenados à prisão, mas, como tinham bons antecedentes, a pena foi convertida em multa e punição alternativa.

*Com reportagem de março de 2023

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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