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Nada de Barbie: empresa faz bonecas de pano negras, cegas e cadeirantes

Andréa Carneiro

Colaboração para o UOL, em São Paulo

30/09/2016 06h00

Barbie não me representa. Foi essa ideia e a lembrança da avó que inspiraram a psicóloga e administradora de empresas Joyce Venâncio a abrir a Preta Pretinha, uma loja de bonecas (e bonecos) de pano diferentes: negras, muçulmanas, indígenas, cadeirantes, carecas etc. Cada uma custa entre R$ 15 e R$ 240. 

"O meu negócio esteve sempre diante de mim. Quando éramos pequenas, minha avó Maria Francisca fazia bonecas e, por só haver modelos brancos no mercado, comprava meias de seda, tingia de marrom e cobria as bonecas. Depois, ela fazia oficinas para nos ensinar a produzir", conta. 

O negócio atual foi criado ao lado das irmãs. Joyce é responsável por estratégia e pesquisa de público. Uma das irmãs, Lúcia, formada em ciência atuariais, cuida das finanças. Com curso de secretariado executivo bilíngue, Cristina, a outra irmã, é responsável pelo design dos produtos. Há, ainda, mais três funcionários. 

'As pessoas se veem nos produtos'

"Nós, como mulheres negras empreendedoras, trabalhamos também com autoestima e empoderamento. As pessoas se veem nos produtos. Crianças e adultos ficam encantados, porque nosso produto atinge todas as idades", diz Joyce. "Criamos e desenvolvemos um trabalho que ajuda as pessoas a driblarem dificuldades. É muito prazeroso."

Além da loja, na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo, Joyce dá palestras em escolas e universidades sobre diversidade e inclusão e escreveu o livro "As Aventuras de Preta Pretinha - Cuidando do Planeta Terra" (Scortecci Editora). O livro conta a história de crianças que educam os pais sobre temas relacionados ao meio ambiente.

Começaram há 16 anos com R$ 10 mil

O investimento inicial no negócio foi de R$ 10 mil, usados para comprar duas máquinas de costura e o material para a produção, em 2000. "A montagem da loja era simples, com recursos próprios e com as bonecas muito em evidência", conta Lúcia.

No sexto mês, após a loja aparecer em uma reportagem de TV, a produção diária passou de 15 para 40 bonecas e, assim, o negócio começou a dar retorno. Com o crescimento, deixaram o primeiro endereço, de 15 metros quadrados, e se mudaram para um maior, de 125 metros quadrados.

Em 2008, mais um salto. "Estabelecemos parcerias e formamos uma carteira de clientes para entrar no atacado", conta Lúcia. A produção saltou para 200 bonecas por dia. Atualmente, varia de 250 a 300 por dia. "A marca da produção 100% artesanal nunca se perdeu", diz.

Elas não revelam lucro nem faturamento. As vendas para o consumidor final respondem por 30% do faturamento. O restante vem da venda no atacado, para outros lojistas --nesse caso, o preço varia conforme o contrato. O prazo de entrega é de, no máximo, 40 dias.

Planos: loja virtual e licenciamento

Agora em outubro, a empresa pretende começar a vender também pela internet. Atualmente, as bonecas já são enviadas sob encomenda para todo o Brasil, por Correio ou transportadora, mas a transação passará a ser feita totalmente pela nova plataforma digital.

As empreendedoras buscam também um parceiro para licenciar a marca, produzir em larga escala e levar as bonecas para todo o mundo. "Estamos prontas. Acreditamos muito no potencial de transformação social. O momento é de expansão. Não dá para pensar pequeno", diz Joyce. Além das tradicionais bonecas de pano, as irmãs buscam também parceiros para fabricar bonecas de vinil.

Negócio anterior falhou

Antes de investirem na loja de bonecas, as irmãs haviam apostado em um café no Jardim Bonfiglioli, também na zona oeste da capital paulista. Alugaram um imóvel, fizeram uma reforma completa e investiram em produtos de primeira linha, como uma cafeteira italiana e louça refinada. 

"Esse foi um dos grandes erros: começar descapitalizadas, destinando recursos a um imóvel que não era nosso", afirma Joyce, para quem o café era muito requintado para o endereço, um bairro considerado dormitório.

"O valor da coxinha era o mesmo das padarias vizinhas, mas percebi que as pessoas ficavam inibidas de entrar. Elas me diziam que preferiam ir só aos finais de semana, e não no dia-a-dia. Sem público, tivemos que fechar antes de completarmos dois anos", conta.

Profissionalização é desafio no artesanato

A forma mais fácil de viver do artesanato é participar de uma associação ou cooperativa, que garante mais espaço para vender os produtos e matéria-prima mais barata, por meio da compra em conjunto, diz a presidente da Confederação Nacional dos Artesãos (Cnarts), Isabel Gonçalves Bezerra.

O empreendedorismo é um caminho menos comum devido à falta de profissionalização e ausência de espaço para expor o trabalho. Por isso muitos artesãos ainda vendem para intermediários. 

A concorrência com os produtos chineses também é uma desvantagem, de acordo com o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). Um dos desafios, segundo a entidade, é combater a imagem de que artesanato é sinônimo de trabalho barato e sem qualidade, e aumentar seu valor de mercado.

A profissão de artesão só foi regulamentada no ano passado, por isso o setor ainda carece de políticas públicas, diz Isabel. É importante fortalecer as entidades de classe, conscientizar sobre a importância do trabalhador e criar linhas de microcrédito específicas e espaços públicos para fomentar as vendas.