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Aqui e agora. E depois? Depois

Claudio Felisoni

11/12/2020 04h00

Com a Selic no patamar de 2% ao ano, as aplicações tradicionais, ditas mais seguras, na melhor das hipóteses não propiciam nenhum ganho financeiro. O mais provável é que o investidor esteja de fato perdendo dinheiro. Nessas condições os indivíduos necessariamente, até para proteger o patrimônio, são forçados a buscar ativos mais rentáveis. Porém, como não existe almoço grátis, esse movimento implica também o aumento do risco de toda carteira.

Nessas condições, é útil chamar a atenção para alguns aspectos suscitados pela área da denominada Economia Comportamental. Esse campo do conhecimento junta duas áreas: a economia e a psicologia. Foi exatamente essa junção que resultou em dois prêmios Nobel de Economia: Daniel Kahneman (2002) e Richard Thaler (2017). Entretanto, a origem dessas ideias está nos trabalhos seminais de outro ganhador do Nobel de Economia: Herbert Simon (1978). Foi ele que cunhou o princípio da racionalidade limitada.

Kahneman e Thaler questionaram o princípio da racionalidade dos indivíduos, base da economia neoclássica, no processo decisório. Demonstraram que o processo de escolha é muito mais complexo do que supõem os teóricos tradicionais. Como assinala Kahneman, razão e emoção permeiam os pensamentos que levam às escolhas.

Como se aplicam essas ideias na explicação das oscilações do mercado financeiro? Tome-se, por exemplo, a Bolsa de Valores. Durante o ano de 2019 o Ibovespa diário flutuou entre -3,74% e 3,56%, sendo que 65% dos valores mantiveram-se no intervalo entre -1% e +1%. Mas, no dia 26 de fevereiro, como resultado das notícias sobre a pandemia, o Ibovespa recuou 7%. Alguns dias se passaram com flutuações modestas, até que no dia 9 de março mais uma forte retração ocorreu: 12,71%. No dia seguinte, uma alta de 7,14% e depois, nos dois dias seguintes, mais dois fortes recuos: 7,64% e 14,78%.

Esses dados são suficientes para ilustrar a seguinte ideia: as pessoas tendem a magnificar as consequências de um determinado fato no curto prazo. Ao mesmo tempo minimizam seus efeitos em um horizonte mais longo.

Por exemplo, um indivíduo que perde o emprego tende a ver sua situação com grande preocupação logo após o fato. Entretanto, se por felicidade após um período relativamente longo de desemprego ele se recoloca, é bem provável que o indivíduo retorne às condições anteriores sem grandes questionamentos: será que devo mudar algo em meu comportamento? Ou ainda: minhas qualificações atendem as exigências do mercado? Isso tudo muito provavelmente é deixado de lado.

Em um fluxo de caixa, valores que estão mais distantes têm um valor menor. O mesmo acontece com fatos positivos e negativos. Como diz Thaler, os indivíduos têm uma espécie de contabilidade mental. Esse processo os leva a realizar escolhas baseadas em aspectos mais facilmente acessíveis. Por exemplo, os indivíduos tendem a comprar mais os itens de supermercado que estejam dispostos nas prateleiras na linha dos olhos, independentemente de serem mais caros ou menos saudáveis.

O Ibevar (Instituto Brasileiro de Executivos do Varejo) construiu um indicador do medo da pandemia baseando-se nas opiniões que as pessoas postavam nas redes sociais. O que se observou? Por um longo período, o índice do medo se manteve muito acima do índice que representava o número de casos (infectados e óbitos). Porém, estranhamente, com o passar do tempo, mesmo com o crescimento do número de casos, o medo começou a diminuir significativamente.

O mesmo raciocínio se verifica com o valor das ações. Quando alguém compra uma ação, está adquirindo parte daquela empresa. Se a empresa se valoriza, a ação também se valoriza. Se, pelo contrário, as perspectivas não são boas para aquele negócio, a ação perde valor. Esse movimento para cima ou para baixo está associado a como o mercado percebe as possibilidades de um determinado empreendimento. Essas perspectivas evidentemente flutuam, porém elas são magnificadas pelo princípio da contabilidade mental, enunciada por Thaler.

Tendo isso em mente, é preciso manter a serenidade em todos os investimentos, especialmente na Bolsa de Valores, onde a volatilidade é bem maior. Movimentos fortes para cima ou recuos íngremes pouco dizem a respeito das tendências. Claro que se pode ganhar muito dinheiro operando com essas flutuações, mas, no que diz respeito à potencialidade das empresas, o importante são suas condições reais, o setor em que está inserida e, é claro, as perspectivas políticas, econômicas e sociais.

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