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Reforma da Previdência tem 1º desafio na Câmara; saiba o que está em jogo

Jair Bolsonaro cumprimenta o ministro da economia, Paulo Guedes, durante a cerimônia de posse - Ueslei Marcelino/Reuters
Jair Bolsonaro cumprimenta o ministro da economia, Paulo Guedes, durante a cerimônia de posse Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

André Shalders

Da BBC News Brasil em São Paulo

23/04/2019 07h44

A reforma da Previdência pode dar seu primeiro passo concreto no Congresso Nacional nesta semana, se for votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Após a CCJ, o projeto ainda terá pela frente um longo caminho no Congresso Nacional. A votação está marcada para esta terça-feira (23), com início às 14h30.

Depois de votarem o projeto da reforma da Previdência, deputados de diversos partidos já preparam outra demonstração de força na CCJ: a ideia é votar uma proposta alternativa de reforma tributária, diferente da defendida pelo governo.

A CCJ é a mais importante da Câmara dos Deputados. No caso das Propostas de Emenda à Constituição (PECs), a tramitação começa pela CCJ: cabe aos 65 deputados que integram a comissão dizer se o projeto está de acordo com as demais leis do país e com a Constituição de 1988. Em tese, o papel da comissão se resume a aprovar ou não as propostas --sem mexer no conteúdo. No caso da reforma da Previdência, porém, é possível que haja mudanças.

No começo de abril, o relator da reforma da Previdência na CCJ, o deputado Delegado Marcelo Freitas (PSL-MG), apresentou um parecer pela aprovação integral da reforma, tal como desejada pelo governo. Este parecer foi mal recebido pelos integrantes da comissão, inclusive de partidos que são "independentes", isto é, que não fazem oposição aberta ao governo.

Diante do impasse, o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho, foi ao Congresso para discutir essas mudanças com deputados de siglas como PP, PR, PSD e Solidariedade.

Os deputados teriam chegado a um acordo com Marinho para mudar alguns pontos na reforma, já na CCJ. Entre eles estão o fim do abono salarial para quem ganha mais de dois salários mínimos, as regras de funcionamento do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), a obrigatoriedade de todas as ações contra o INSS correrem na Justiça em Brasília e a chamada "desconstitucionalização".

Esta última é uma das questões mais importantes: se a reforma for aprovada como quer o governo, futuras mudanças no sistema de aposentadorias poderiam ser feitas por lei complementar, sem a necessidade de novas emendas constitucionais.

O governo afirma que essas mudanças não terão impacto na economia de R$ 1,1 trilhão em dez anos esperada com a reforma.

Um dos deputados que participou da conversa com Marinho, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), disse à BBC News Brasil que o acordo com o governo está mantido para votação já nesta terça-feira.

"Amanhã (terça) caminha para que a questão da admissibilidade (votação na CCJ) seja superada. Conseguimos avançar naqueles pontos que foram conversados com o governo na semana passada", disse. "Acho que as coisas vão correr da melhor forma possível", disse ele na noite de segunda-feira (22).

"Na semana passada, o que aconteceu foi que o relator resolveu dar um passo atrás para analisar pedidos dos parlamentares que queriam algumas alterações. Mas acredito que agora esteja tudo certo para votar. Vamos trabalhar para que a reforma ande o mais rápido possível na comissão", disse à BBC News Brasil o deputado Pastor Eurico (Patri-PE), que apoia a reforma e integra a CCJ.

Aguinaldo Ribeiro faz uma ressalva: a oposição vai continuar usando o "kit obstrução" para tentar atrasar ao máximo a sessão. "Vai ter essa coisa do sigilo, que eles vão bater bastante", diz.

O deputado pela Paraíba se refere ao fato do governo ter negado o acesso de cidadãos e jornalistas a alguns dos estudos e projeções que embasaram a proposta atual de reforma da Previdência. Na segunda, Rogério Marinho teria concordado em apresentar os números na quinta-feira (25).

O "kit obstrução" é um conjunto de técnicas usadas pela oposição para tentar impedir votações no Congresso, tendo por base as regras dos Regimentos da Câmara e do Senado.

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) também convocou uma manifestação para a frente da Câmara dos Deputados na tarde desta terça-feira.

Quase um mês de atraso

Quando a CCJ iniciou seus trabalhos, em meados de março, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a proposta deveria ser votada pela comissão até a última semana daquele mês --especificamente, até o dia 28 de março. A mesma previsão era feita pelo presidente da CCJ, o deputado Felipe Francischini (PSL-PR).

De lá para cá, porém, a relação conturbada entre o governo de Jair Bolsonaro (PSL) e o Congresso acabou por atrasar a votação da reforma na Comissão. Se a proposta for aprovada esta semana, isso ocorrerá quase um mês depois da data planejada inicialmente.

O primeiro atraso foi na escolha do relator da reforma, em março. O líder do próprio partido de Bolsonaro, Delegado Waldir (PSL-GO), pediu ao presidente da CCJ para que a escolha do relator só ocorresse depois de uma audiência com o ministro da Economia, Paulo Guedes, na Comissão.

Waldir expressou descontentamento com a proposta do governo para a Previdência dos militares: o projeto veio acompanhado de uma reestruturação nas carreiras que beneficiará os profissionais das Forças Armadas, reduzindo a economia esperada de R$ 100 bilhões para R$ 10 bilhões em dez anos. Guedes teria de ir à CCJ justamente para explicar esse ponto, segundo Waldir.

"Havia uma previsão de economia de quase R$ 100 bilhões com essa reforma dos militares, mas baixou para R$ 10 bilhões (...). O governo nos trouxe um grande abacaxi, mas não podemos descascá-lo no dente. Tem que mandar a faca para descascar. Precisamos que o governo venha explicar esse tratamento diferenciado às forças militares", disse ele, em 22 de março.

Guedes finalmente foi à CCJ da Câmara em 3 de abril --a audiência terminou com bate-boca, depois do ministro ser chamado de "tchutchuca" pelo deputado Zeca Dirceu (PT-PR).

Em 15 de abril, mais uma derrota para o governo: deputados de partidos do "centrão" se juntaram à oposição para inverter a ordem de votações do colegiado, privilegiando uma análise da PEC do chamado "orçamento impositivo" em detrimento da reforma da Previdência. Na última hora, com a possibilidade de derrota, o PSL concordou com a inversão da pauta de votações.

A PEC do "orçamento impositivo" é a que torna obrigatório o pagamento de emendas coletivas de deputados e senadores, tirando autonomia do Executivo sobre um pedaço do Orçamento da União.

O último adiamento aconteceu na semana passada, quando Rogério Marinho precisou ir à Câmara negociar as alterações no projeto com os deputados.

A vez da reforma tributária alternativa?

Caso a reforma previdenciária seja aprovada na CCJ nesta semana, deputados do centrão, do DEM, do MDB e de outros partidos querem que a comissão vote em seguida um projeto de reforma tributária. O plano representa uma nova demonstração de força do Congresso diante do governo.

A administração Bolsonaro prepara um projeto de reforma tributária, que será apresentado pelo economista e atual secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra.

Enquanto isso, os deputados querem que a reforma seja discutida a partir do projeto do economista Bernard Appy, do "think tank" Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). Ainda durante a campanha eleitoral de 2018, a BBC News Brasil publicou uma reportagem que traz detalhes sobre a proposta de Appy.

"No dia 2 de abril eu participei de uma reunião na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com líderes de vários projetos, para apresentar a proposta. Nessa reunião de líderes, decidiu-se que o projeto precisava começar a tramitar do zero, pela CCJ. Então o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) apresentou um novo projeto", diz à Appy à BBC News Brasil.

É justamente o projeto apresentado por Baleia Rossi que os deputados querem votar na CCJ após a Reforma da Previdência.

À BBC News Brasil, Rossi disse que o projeto de Appy "terá apoio da maioria dos partidos" na CCJ, mas negou que se trate de uma forma de afronta ao governo. "Vamos fazer de tal forma que não atrapalhe (a reforma da Previdência)", disse ele, por mensagem de texto.

"A nossa proposta é substituir cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por um único imposto, do tipo 'imposto sobre valor agregado', IVA, e que no nosso caso se chamará Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Essa substituição seria feita com uma transição em dez anos. Nesse período, as alíquotas desses cinco tributos diminuiriam gradativamente, enquanto a do IBS seria elevada", explica Appy.

O que acontece se a reforma passar na CCJ?

Uma vez aprovada na CCJ, a etapa seguinte para a reforma da Previdência é a criação da chamada "Comissão Especial": trata-se de um grupo de deputados criado para analisar o mérito da proposta e apresentar emendas (modificações) no texto.

A Comissão Especial tem um prazo de 40 sessões do Plenário da Câmara para aprovar um relatório sobre a proposta, incorporando as sugestões que forem aprovadas. É também nesta etapa que podem ser retiradas da proposta elementos que constam na PEC original.

Após um intervalo mínimo de duas sessões, este relatório da Comissão Especial é votado duas vezes no plenário da Câmara: o governo precisará de, no mínimo 308 votos em cada uma das duas votações.

Se aprovado em dois turnos, o texto segue para o Senado. Lá, terá de cumprir um rito parecido com o da Câmara, com exceção da Comissão Especial. No Senado, a primeira análise é da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que tem prazo de 30 dias para decidir se a reforma é Constitucional ou não. Se aprovado, o texto vai para o plenário do Senado, onde precisará dos votos de 49 dos 81 senadores, também em dois turnos.

Se o texto for aprovado no Senado tal qual veio da Câmara, cabe ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), promulgar a mudança constitucional. PECs como a da reforma da Previdência não passam pela sanção ou veto do presidente da República. Se houver mudanças durante a tramitação no Senado, porém, os trechos que foram modificados terão de ser votados novamente pelos deputados federais.

Entenda a proposta de reforma da Previdência em 10 pontos

UOL Notícias