Economia parada esfria planos de empresários: 'Ia construir 20, mas acho que serão só 10'
"Temos que continuar otimistas, mas otimistas moderados, para não passar o carro na frente dos bois."
A frase do empresário Emilio Kallas, da área de construção, sintetiza a redução da euforia com as perspectivas para a economia brasileira em 2019.
O ano começou com recuo na economia. O Produto Interno Bruto (PIB) caiu 0,2% no primeiro trimestre de 2019, em comparação com o trimestre anterior, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi o primeiro resultado negativo, na comparação com o trimestre imediatamente anterior, desde o fim de 2016. Na comparação com os primeiros três meses de 2018, houve uma alta de 0,5%.
Para evitar "passar o carro na frente dos bois", o presidente da construtora e incorporadora Kallas, Emilio Kallas, decidiu reduzir o ritmo em 2019.
Vai construir metade do que a empresa seria capaz: a previsão de lançar 20 novos empreendimentos neste ano foi reduzida para 10. Esses projetos, em São Paulo, são principalmente de prédios residenciais.
"Estou adaptando quanto eu vou produzir ao otimismo do mercado. Quem compra um apartamento tem que estar seguro porque fica ainda 20 ou 30 anos pagando", diz.
Para assumir um gasto tão grande quanto o de um apartamento, não basta o cliente estar em situação favorável no momento da decisão, segundo Kallas. Ele também precisa acreditar que as condições continuarão boas e que ele conseguirá pagar o financiamento.
"Você pode estar empregada, mas se não tiver expectativa de que está tudo indo bem com a economia, você se pergunta 'e meu emprego, tá garantido?'"
Com a vitória de Jair Bolsonaro na eleição de 2018, Kallas diz que ficou animado com a perspectiva de o país ser governado por "um governo que puxa para o liberal".
"Estávamos com expectativa forte no começo do ano. Infelizmente, o que eu comecei a aprender, politicamente, é que as transformações serão feitas depois do que a gente imaginava."
Na avaliação do empresário, a perspectiva de aprovação da reforma da Previdência pelo Congresso só no segundo semestre - e não antes disso - "esfriou tudo".
Menos confiança, menos investimento
Os índices que medem a confiança dos empresários e dos consumidores caíram no início do ano. O Boletim Macro, do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia), aponta que esse resultado "parece refletir ainda o quadro de nível de atividade fraco e de piora das expectativas" e avalia que é "muito difícil" uma recuperação rápida da confiança ao longo de 2019.
"Para que uma onda de otimismo, como a observada após o período eleitoral, traduza-se em uma efetiva melhora das condições da economia, seria necessária uma redução expressiva dos níveis de incerteza", diz o documento. "Isso provavelmente só acontecerá quando - e dependendo de em que condições - for aprovada a reforma da Previdência e houver apaziguamento do ambiente político."
A economista Silvia Matos, que coordena o boletim, aponta que o embate entre os poderes Legislativo e Executivo tem sido ruim para o país. "Todos estamos perdendo. O governo precisa deixar de ser um agente que aumenta a incerteza na economia", diz ela.
Mesmo com uma eventual melhora no cenário brasileiro, Silvia alerta que "o bom humor não deve voltar na mesma medida que na eleição", já que, segundo ela, o país já perdeu a oportunidade de ter um crescimento mais favorável no início do ano.
A economista sugere que o governo de Jair Bolsonaro poderia ter aproveitado o texto da reforma da Previdência enviado por Michel Temer e que já estava em tramitação no Congresso, em vez de enviar um novo, que teve que "começar do zero".
"De repente, o governo até consegue uma economia maior com o novo texto, mas olha a que custo: um custo muito maior do que poderia ser se tivesse feito de forma mais eficiente", diz a economista.
O argumento da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, é que o texto enviado neste ano prevê uma economia de mais de R$ 1 trilhão em dez anos, mais que os cerca de R$ 600 bilhões do texto de Temer na versão que tramitava na Câmara. Guedes chegou a dizer que deixará o cargo de ministro se o texto virar uma "reforminha".
É o aumento da incerteza que tem reduzido fortemente o investimento, segundo Silvia Matos.
No primeiro trimestre deste ano, a Formação Bruta de Capital Fixo (que indica o nível de investimento) caiu 1,7% em relação ao último trimestre de 2018, segundo o IBGE. No último trimestre de 2018, a queda foi de 2,5%.
"A avaliação negativa em relação ao futuro tem impacto na atividade, porque limita o investimento, que poderia ser uma saída - não só internamente, mas com recursos vindos de fora."
Silvia Matos diz que, se o crescimento em 2019 ficar muito próximo ao patamar de 1,1% registrado em 2018, será "um desastre".
"O governo estava com a faca e o queijo na mão para dar uma perspectiva mais favorável. Neste ano, falar de um número igual ao ano passado é um desastre. A gente deveria estar crescendo neste ano mais próximo de 2%", disse.
Os economistas do mercado financeiro começaram o ano com a previsão de que o PIB cresceria mais de 2,5% em 2019, segundo o Boletim Focus. Essa projeção, divulgada toda semana pelo Belo Banco Central, caiu para 1,23% no fim de maio, depois de 13 quedas consecutivas.
Relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão auxiliar do Senado, aponta que, no curto prazo, "a economia tende a operar abaixo do crescimento potencial" e diz que o menor crescimento esperado neste ano se deve à "fraqueza da atividade econômica no período recente". A previsão de crescimento da IFI para 2019 foi reduzida de 2,3% para 1,8%.
O governo também reduziu as expectativas. O Ministério da Economia divulgou, em maio, uma redução de 2,2% para 1,6% na previsão de crescimento para o ano.
Cenário externo
As dúvidas sobre o rumo da economia no Brasil também têm impacto do cenário internacional, que tem a guerra comercial entre China e Estados Unidos como a principal questão para a economia brasileira.
"Ganhos pontuais para as exportações brasileiras, com retaliações da China sobre produtos agrícolas estadunidenses, devem ser comemorados com extrema cautela", aponta o boletim do Ibre.
Além de um eventual acirramento das tensões comerciais piorar o crescimento da economia mundial (o que afeta negativamente todos os países), as tensões comerciais têm se refletido em oscilações acentuadas da taxa de câmbio. Outra questão apontada é que "na mesa de negociações com os Estados Unidos é mais fácil os chineses ofertarem preferências na área agrícola do que em temas como propriedade intelectual", o que seria ruim para os produtos brasileiros.
'Pegar um pouco mais de fôlego'
Embora afirme que o ano de 2019 será positivo para a empresa, Mario Faccin diz que o resultado "não confortável" da economia no começo do ano fez com que ele decidisse "pegar um pouco mais de fôlego" antes de fazer alguns dos investimentos previstos.
Ele é CEO da Master, empresa produtora de suínos que fornece o animal vivo para outras processadoras e também vende a carne processada, sob a marca Sulita. Com sede em Santa Catarina e mais de mil funcionários, a empresa vende os produtos processados principalmente para os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina, além de exportar.
Faccin conta que tinha investimentos planejados para ampliar a quantidade de suínos abatidos e processados pela empresa neste ano, mas que parte deles ficará para 2020.
Atualmente, a empresa tem uma produção de 3,5 mil suínos por dia. Deles, 2,5 mil são vendidos para outras grandes processadoras e mil são abatidos e processados internamente.
"Estamos revendo o orçamento. A gente postergou investimentos que eram pra este ano para o início do ano que vem. O que estava projetado para começar a operar em outubro, vamos começar a operar em abril", diz ele.
Já em fevereiro ele viu que seria necessário refazer os planos.
"Foi quando sentimos que (o mercado) não estava tão atraente. Não foi uma questão do governo, mas do próprio crescimento mesmo", diz. "Eu acho natural o que está acontecendo neste início de ano, de um novo governo, de tomar conhecimento, fazer negociações junto ao novo Congresso. Talvez as previsões feitas antes fossem de otimismo exagerado."
Mesmo com a redução na previsão de crescimento da economia brasileira, o cenário continua positivo para o setor de Faccin. O motivo é o mercado externo.
O balanço de oferta e demanda mundial está ameaçado devido à peste suína africana que avança pela China e para outros países do continente asiático. A redução no excedente de produtos exportados por esses países representa uma oportunidade para o mercado brasileiro. Além disso, a oferta menor do produto aumenta o preço da carne no mercado internacional.
Do total do faturamento com os produtos processados na empresa de Faccin, cerca de 20% vêm da exportação.
A economista Silvia Matos lembra que, embora choques externos possam ser positivos para alguns setores - como na área de proteína animal - pode haver grande impacto de preço para as famílias. "Se aumenta o preço desses produtos lá fora, aumenta aqui também."
'Ocupar novos espaços'
A empresária Luisa Saldanha diz que o negócio dela "está inserido em um mercado que talvez seja o último a sofrer a crise" e segue com projetos de expansão para 2019. Farmacêutica, ela é presidente da Pharmapele, rede de farmácia de manipulação com sede em Recife e 80 lojas em todas as regiões do país.
"A gente já vinha há muito tempo apertando o cinto, cuidando da gestão de forma mais acirrada porque são tempos de guerra. Aumentam os impostos, as pessoas não estão comprando, as margens ficam mais apertadas", diz.
Um dos segredos para o sucesso da rede, segundo a empresária, está na localização das lojas. Ela diz que enquanto o Sul e o Sudeste concentram 70% das farmácias de manipulação do Brasil, a Pharmapele tem encontrado oportunidades de crescimento no Norte e Nordeste.
"É um momento oportuno para crescer onde tem menos oferta. A região onde mais crescemos foi o Nordeste", diz ela, que tem 300 funcionários em lojas próprias. "A economia está estagnada. O jeito é procurar novos business e ir ocupar novos espaços."
Entre os novos espaços identificados por Luisa Saldanha está o mercado de produtos para cachorros.
"Estamos procurando nichos de crescimento e o mercado para 'pet' é um dos que mais crescem no mundo todo. Hoje as pessoas deixam de ter filho pra ter animais. Existe toda uma transferência de afeto, de relacionamento", explica. "Vamos oferecer novas taxas de franquias para produtos de veterinária."
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