'O governo tem de dizer o que quer do BNDES', diz Levy
Ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), Joaquim Levy diz que o governo precisa dar uma orientação clara do que pretende para o futuro do banco. Em entrevista ao "Estado", ele afirma que faltou planejamento sobre o processo de venda de ações e participações do BNDES. Para ele, é fácil vender empresas públicas e participações em companhias privadas nas mãos do governo porque há marco legal para isso.
O mesmo não acontece com o destino dos recursos arrecadados pelo banco. "O tamanho [do BNDES] tem de ser uma decisão do controlador", disse Levy, que pediu demissão após críticas públicas feitas pelo presidente Jair Bolsonaro. Ele explica, a seguir:
Houve resistência na venda de ativos do BNDES?
O governo tem de explicitar o que quer do BNDES. Por que é fácil vender IRB, debêntures da Vale, privatizar a Codesa [Companhia de Docas do Espírito Santo]? Porque tem um marco legal muito claro. Tem a legislação do PND [Programa Nacional de Desestatização]. Agora, vamos vender as ações da Petrobras? Então preciso saber o que fazer com o dinheiro. O governo tem de dizer o que ele quer.
Algo legal para dar suporte às ações do banco nessas vendas?
Precisa haver orientação, inclusive do conselho de administração. Eu estava preparando estudos e fazendo um planejamento estratégico para quando entrasse o novo conselho do BNDES [fossem tomadas as melhores decisões]. Por exemplo, quais as opções do tamanho do banco e o que ele vai fazer. Tamanho tem de ser uma decisão do controlador. Essas são decisões que têm de ser feitas pelo governo e não pela direção do BNDES. O banco tem de dar as informações para o governo fazer a política e garantir a saúde financeira da instituição.
Havia insatisfação com o processo de venda das participações do banco?
Para vender as ações da BNDES, precisava de uma diretoria dedicada a isso, um plano organizado. Por isso, criei uma diretoria nova que infelizmente demorou dois meses para sair, apesar de o ministro Paulo Guedes ter dado o ok em fevereiro. Escolhi [para chefiá-la] alguém com dez anos de experiência de 'private equity' [investimento em empresas fechadas] e passagem pela CVM [Comissão de Valores Mobiliários].
O sr. defende um novo marco legal para a missão BNDES?
Não necessariamente. Quando planejo algo, escrevo um estudo dizendo qual é o projeto. Dizer oralmente que é para vender não funciona muito bem.
Por que a devolução dos empréstimos do Tesouro pelo BNDES iria atrapalhar o banco?
Minha preocupação era que a devolução fosse mal entendida para resolver a regra de ouro [norma da Constituição que impede ao governo se financiar para pagar gastos correntes, como salários e aluguel]. Minha preocupação foi não relacionar nada da devolução para resolver problemas de curto prazo. Não disse e não quero que fique a impressão que não estava querendo pagar para manter a pressão sobre o Congresso [para aprovar o crédito extra e livrar o governo de descumprir a regra de ouro].
Mas o sr. resistiu à devolução do dinheiro ao Tesouro?
O BNDES tem uma boa razão para devolver o dinheiro ao governo. Ao preço que a TJLP está, não há demanda para esses recursos e não adianta ficar na tesouraria porque custa caro.
O que é afinal a caixa-preta do BNDES?
O fato de empreiteiras por vezes serem donas de obras inteiras criava uma distorção. Por exemplo, num projeto de US$ 2 bilhões, US$ 1,3 bilhão era destinado para pagar despesas no país da obra, ou para comprar equipamento, por exemplo, uma turbina ou um guindaste. Eram esses equipamentos o motivo original de o BNDES financiar a exportação. Mas o grosso do equipamento não saía do Brasil. Na verdade, nesse exemplo, apenas uns US$ 150 milhões iam para pagar produtos brasileiros. Aí, eram financiados US$ 550 milhões, US$ 600 milhões em serviços de engenharia.
O que esse modelo gerava?
Uma fragilidade grande, porque não se conseguia medir uma fração muito grande do empréstimo. É o que chamei na CPI de uma questão aritmética. O banco não estava preparado para essas exportações. Os bens brasileiros eram uma fração muito pequena do financiamento.
Quando o sr. chegou ao BNDES, o que encontrou?
Os desembolsos para exportação de engenharia estavam paralisados, já havia algum tempo. Algumas exportações, como as do porto Mariel (Cuba), já tinham finalizado. O principal item que o TCU aponta é a questão de desequilíbrio do financiamento. A parte de serviços é grande e difícil de demonstrar, porque o processo da área de exportação do banco não foi desenhado para isso, mas para exportação de bens.
Mas o presidente Bolsonaro insiste no discurso da abertura da caixa-preta...
Ele tem uma preocupação com o tema. Às vezes as pessoas talvez passem informações incompletas [para ele] e houve mal-entendidos.
O sr. se arrepende de ter ido para o governo Bolsonaro?
Não. Tudo vale a pena. No BNDES, consegui fazer bastante coisa. Toda a parte dos estados fazerem a privatização. Vários grupos de trabalho, principalmente inovação, crucial para o banco, avançaram.
As informações são do jornal "O Estado de S. Paulo".
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