Falta de consulta a Congresso e risco de judicialização podem travar pacote
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou um plano ambicioso para reverter o rombo das contas públicas no primeiro ano de governo, mas tem pela frente vários obstáculos. O primeiro deles: as medidas precisam passar pelo Congresso, que não foi consultado pela equipe econômica.
A volta da cobrança de tributos federais sobre a gasolina e o álcool a partir de 1.º de março, que pode garantir R$ 29 bilhões de arrecadação extra, também não está garantido, dependendo de uma decisão da esfera política do governo - como deixou claro o próprio Haddad no anúncio das medidas, na última quinta-feira.
Outro obstáculo é que parte das medidas, concentradas principalmente na recuperação de receitas com o incentivo ao fim de litígios com a Receita, depende do comportamento dos contribuintes. "O ministro Fernando Haddad está trabalhando dentro do espaço político que foi dado a ele", diz o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper. "Mas não dá para equilibrar as contas públicas só pelo lado da receita, porque a carga tributária do País já é muito alta."
Ele discorda da avaliação do secretário do Tesouro, Rogério Ceron, de que as medidas ajudarão a estabilizar a trajetória da dívida pública, pois boa parte das medidas tem caráter temporário. "O pacote está muito concentrado em fechar as contas de 2023; mas, a partir de 2024, o déficit volta", diz. Nas contas do economista, mantidas as medidas propostas e retirando as de caráter não recorrentes, o rombo das contas do governo federal ainda será de 1,8% do PIB e 2024. Ele defende a necessidade de ajuste fiscal mais focado no corte de despesas: não só a volta da tributação federal sobre os combustíveis, mas também a volta da cobrança do IPI, corte de benefícios tributários e a reforma do Bolsa Família - já na mira do Ministério do Desenvolvimento Social.
Carf
A mais polêmica das medidas e maior aposta do governo para recuperar receita, com potencial de arrecadação de R$ 50 bilhões em 2023, é a volta do chamado "voto de qualidade" em casos de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), tribunal que julga no âmbito administrativo recursos dos contribuintes contra autuações da Receita.
Desde 2020, em caso de empate nos ju/lgamentos o caso era resolvido de forma favorável aos contribuintes. Com a medida provisória editada pelo governo Lula, os presidentes dos órgãos julgadores, sempre conselheiros representantes da Fazenda Nacional, voltam a ter o poder de desempatar o julgamento por meio do voto de qualidade.
"Mexer em voto de qualidade é um baita desrespeito com o Congresso, que há dois anos legislou sobre isso", diz o tributarista Luiz Gustavo Bichara.
Para ele, essa medida parte do pressuposto de que o Carf é um órgão que tem de ajudar na arrecadação do governo. "Não é. O Carf é um órgão que tem de julgar as cobranças tributárias de acordo com a lei com cidadania tributária", critica Bichara, membro da comissão de juristas instituída pelo Senado para reforma da legislação sobre processo administrativo e tributário.
Gustavo Brigagão, sócio do Brigagão, Duque Estrada Advogados e presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), avalia a medida como um "retrocesso muito grande". "Vai aumentar a judicialização, porque o Carf vai voltar a agir como estava agindo antes da revogação do voto de qualidade: todas as questões relevantes eram decididas contrariamente aos contribuintes, que são a parte mais fraca", afirma. Ele disse que vai se reunir com representantes de outras instituições do Judiciário e da área tributária para traçar uma estratégia de como a medida pode ser barrada no Congresso.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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