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Como a ação do governo contra a venda da Eletrobras afeta Sabesp e outras estatais

Para especialistas, questionamento preocupa, uma vez que o setor já tinha assimilado a privatização - Pilar Olivares/Reuters
Para especialistas, questionamento preocupa, uma vez que o setor já tinha assimilado a privatização Imagem: Pilar Olivares/Reuters

Luciana Collet e Wilian Miron

São Paulo

13/05/2023 13h15

A decisão do governo federal de buscar o STF (Supremo Tribunal Federal) para rever a regra que limita o poder de voto na Eletrobras aumentou a percepção de risco de investidores não apenas sobre a ex-estatal, como também em outras empresas do setor elétrico e de serviços públicos, como Copel, Cemig e Sabesp, na visão de especialistas ouvidos pela reportagem.

"A mola mestra do setor elétrico, que permite confiabilidade, é a segurança jurídica, é isso que permite atração perene e contínua de investimentos. O que preocupa é que, embora ela [a ação] não questione a privatização, discute um critério que foi aprovado pelo Congresso Nacional e pelo TCU [Tribunal de Contas da União]", diz Gustavo de Marchi, consultor da FGV Energia.

Ele salienta que os investidores e o setor elétrico já tinham assimilado a regra, que também foi usada anteriormente em outras privatizações, como no caso da Vale. Por isso, o questionamento gera preocupação.

Outros processos semelhantes, vide caso da Copel, da Cemig -- que está em fase mais incipiente --, certamente seriam moldados dentro das diretrizes que foram consideradas no modelo da Eletrobras. Então haverá um impacto direto, pelo menos em revisitar o modelo que estava sendo desenhado para essas duas companhias.
Gustavo de Marchi, consultor da FGV Energia

Ele também não descarta impactos em outros setores da infraestrutura, com destaque para o saneamento, que também vem passando por vários processos de privatização e capitalização.

Na percepção de um profissional do mercado que acompanhou de perto a privatização da Eletrobras, caso o STF conceda a liminar pedida pelo governo suspendendo a limitação de 10% e permitindo o voto em linha com sua efetiva participação acionária, da ordem de 43%, as estatais estaduais não conseguirão realizar o processo de privatização.

"Se houver liminar, Copel e Sabesp estão em xeque" disse a fonte, que vai nesta semana a um evento com investidores em Nova York e disse que os participantes estão estarrecidos com o movimento do governo federal, justamente em um momento em que as duas estatais estaduais já buscam atrair capital para as futuras operações, hoje em fase preparatória.

O advogado André Edelstein, sócio do escritório Edelstein Advogados, também considera que a ação do governo pode afetar outras privatizações.

"Quando tem processo que envolve capital intensivo, estabilidade das regras e segurança são chaves na decisão de investimento. Eventualmente, o processo da Copel pode perder atratividade considerando o precedente com a maior empresa elétrica do Brasil. Embora na Copel estejamos falando de entes diferentes porque é uma companhia estadual, o antecedente que não pode ser ignorado", diz.

O sócio do escritório Castro Barros Advogado, Paulo Henrique Dantas, considerou que a ADI funciona como um "recado para o mercado de que as privatizações podem ser revistas", sejam as que já saíram do papel, caso da Eletrobras, sejam as que vinham sendo planejadas para ocorrer nos próximos anos e meses.

A revisão da Eletrobras é mais complexa porque teve mudança na lei para permitir a privatização. teve processo para que ocorresse e, uma vez que foi questionado à época e acabou acontecendo, pode dar sinal contraditório ao mercado para as que estão por vir e influenciar na forma e se elas vão ocorrer.
Paulo Henrique Dantas, advogado

Com visão diferente, a sócia da área de Energia e Recursos Naturais do Demarest, Rosi Costa Barros, considera que "ainda é cedo" para repercussões da ADI em outras empresas ou investimentos do setor elétrico.

"A Cemig e a Copel, por exemplo, têm a liberdade de fazer [a privatização] como entenderem mais eficiente e podem usar esse modelo perfeitamente", disse a advogada, lembrando que se trata de estatais estaduais.

Ela classificou a ação como um movimento voltado especificamente para Eletrobras, cuja privatização está na mira do governo desde a campanha. Ainda assim, considera que a ação reforça sentimento de insegurança jurídica para o investidor, embora lembre que outras decisões, inclusive por parte do regulador, afetam a atratividade em particular do capital estrangeiro.

"Essa ação da Eletrobras é só mais um exemplo para abalar a segurança jurídica, mas não é decisivo, afeta a segurança de forma macro, assim como outras medidas do regulador", disse.

Argumentos

Embora De Marchi considere que existe legitimidade do governo em querer rever se houve inconstitucionalidade, ele defende que caberá ao STF sopesar todos os pontos, inclusive o ponto de vista da segurança jurídica, e a eventual decisão judicial terá de ser "altamente justificada e fundamentada.

"Senão, vamos ter uma afetação não só nos modelos de privatização, mas também nos modelos que já foram consubstanciados", afirma.

Para Edelstein, a argumentação apresentada pela Advocacia Geral da União (AGU) é frágil, e os contra argumentos são mais robustos para manter a validade de todo o processo.

Eles falam de algumas ofensas ao direito de propriedade, moralidade, razoabilidade, e todos esses argumentos invocados na ação são justamente os que reforçam a validade do processo. Privatização foi decisão política do Estado brasileiro. Se depois não agradou, não cabe buscar reversão através de outras vias.
André Edelstein, advogado

O sócio do Mattos Filho da área de Mercado de Capitais, Jean Arakawa, salientou que o processo de privatização da Eletrobras todo foi efetivamente aprovado pelo Congresso Nacional com o escrutínio do TCU, enquanto a limitação de voto questionada pela União está na lei das SAs e foi um movimento parecido com o adotado com a migração da Embraer para o Novo Mercado.

"A argumentação é de que é danoso para a União, mas foi o modelo da desestatização", diz, considerando a ação como uma tentativa de se retomar o controle da companhia.

Para ele, existe a expectativa de que os contratos sejam respeitados. "Foi um compromisso do Estado brasileiro e ter reversão vai causar insegurança e ceticismo em relação à interação com companhias que tenham investimentos e controle da União.

A tendência no STF é de manter as decisões, não vejo muito espaço para rever a privatização da forma como foi. [A argumentação] pode ser aceita por ser questão procedimental, mas o resultado seria a manutenção do processo de desestatização. Vai ter que questionar o processo como um todo, e isso deveria ter sido feito na época que estava ocorrendo.
Paulo Henrique Dantas, advogado