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Conheça a história de Bel Pesce, a menina que conquistou o Vale do Silício

Bel Pesce, 24, é brasileira e mora no Vale do Silício (EUA) - Divulgação
Bel Pesce, 24, é brasileira e mora no Vale do Silício (EUA) Imagem: Divulgação

Renata Gama

Do UOL, em São Paulo

01/06/2012 06h00Atualizada em 05/09/2016 20h22

A brasileira Isabel Pesce Mattos, ou Bel Pesce, ficou conhecida como a "menina do vale", porque foi estudar cedo no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), trabalhou e participou em projetos na área do Vale do Silício, região que concentra empresas de tecnologia na Califórnia (EUA).

Ela foi estudar no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) aos 17 anos e integrou a equipe fundadora da empresa dos EUA Lemon (aplicativo digital para finanças pessoais). Também escreveu o livro on-line "A Menina do Vale", que pode ser baixado gratuitamente pela internet, com seus aprendizados.

O UOL entrevistou a autora, que mora no Vale do Silício, por e-mail para conhecer melhor sua experiência. Confira os principais trechos:

A história de como você foi estudar no MIT é bastante inusitada. Como foi?
Cheguei ao MIT de uma maneira bem inesperada. Durante o colegial ouvi falar sobre o MIT, mas quando fui me informar sobre os detalhes do processo de admissão, já era muito tarde, eu tinha perdido várias etapas: uma prova de múltipla escolha e uma entrevista com um ex-aluno. Praticamente todo mundo me falou que não dava mais tempo e eu devia desistir. Mas aprendi cedo que ter perseverança e dar o melhor de si pode fazer milagres. Se eu não fizesse nada, não seria aceita. Então parti para a missão de tornar o "não" em "sim". Sabia que as chances eram pequenas, mas queria ter a consciência limpa de que tinha tentado o meu melhor.

E como você conseguiu ser aceita nessas circunstâncias?
Fiz duas coisas um tanto malucas. Primeiro, descobri o endereço de um ex-aluno do MIT em São Paulo e fui bater na sua porta. Como eu não sabia o que era essa tal de entrevista, coloquei tudo que fiz na vida em uma caixinha de papelão, para mostrar que eu trazia meu coração e minha vida e pedi para que me entrevistasse depois do prazo. No final, a entrevista acabou indo superbem. Segundo, apareci nas provas e implorei por um exame, mas infelizmente as provas vinham contadas dos Estados Unidos. Pedi para esperar e ver se alguém faltaria, mas disseram que isso não iria acontecer. Em uma cena dramática, fiquei ali à porta, vendo as pessoas entrarem e sentarem em frente aos seus exames. Mas um assento continuou sempre vago e acabei fazendo esse exame. No dia 18 de março de 2006, eu recebi uma carta dizendo que eu havia sido aceita no MIT.

Mas, o que, afinal, tinha dentro daquela caixa? Com 17 anos, você já havia produzido algo de extraordinário, ou a atitude e a ousadia contaram mais?
Acredito que eles tenham se interessado pelo “pacote completo”: sempre fui muito bem em todas as matérias na escola, então minhas notas se destacaram bastante. Mas notas é apenas um parâmetro. Eu fazia trabalho voluntário em algumas organizações, eu já havia trabalhado em empresas durante o Ensino Médio, eu era doida por tecnologia, eu montava e desmontava computadores, eu havia escrito alguns livros quando criança, eu gostava de esportes, eu fazia websites, eu vendia bijuterias que eu mesmo construía, eu tinha uma pasta cheia de ideias de games para produzir, eu devorava livros, eu era fascinada por música, eu tinha ido muito bem nos vestibulares brasileiros desde o primeiro ano do colegial, eu adorava passar horas conversando sobre vários assuntos -- essas foram algumas das coisas que eu levei naquela caixinha. Mas, acima de tudo, na entrevista ficou claro que eu queria usar a educação que recebesse no MIT para transformar o mundo em um lugar melhor.

Na sua opinião, qualquer pessoa pode empreender?
Há muitas profissões lindas nesse mundo e nem todas as pessoas no mundo precisam abrir companhias. Mas vale ressaltar que, para ser empreendedor, você não precisa abrir uma empresa. Por exemplo, você pode empreender dentro de grandes companhias, criando um novo departamento ou fomentando novas ideias. Você pode empreender na faculdade, começando algum grupo de discussão sobre algo em que tenha interesse. Empreender está muito relacionado a ter iniciativa para começar algo em que você acredita. E, por esse ângulo, todos podem ter um espírito empreendedor.

  • Capa do livro "A Menina do Vale", de Bel Pesce, que pode ser baixado gratuitamente pela internet

Sua primeira dica no livro é “não se preocupe com a idade”.  A disposição ou a experiência, próprias de cada fase da vida,  não interferem em nada?
Eu acredito que idade é algo muito psicológico -- você pode ter 90 anos e ser mais “jovem” que muito adolescente. Tudo é uma questão de como você vê a vida e quais iniciativas toma para continuar aprendendo e continuar seguindo em direção às suas metas. Mas, claro, há muitos fatores que podem fazer com que pessoas mudem as prioridades na vida: família, saúde, finanças, etc.  E alguns deles podem estar mais presentes em certas idades.
 
Como mulher, jovem e brasileira empreendendo no Vale do Silício você enfrentou alguma barreira para liderar times num ambiente ultracompetitivo?
Existem algumas oportunidades desiguais, como é evidenciado pela diferença entre salários e outros fatores. Porém, quando se trata de desempenho e criatividade, não há limitação alguma. Qualquer pessoa pode se empenhar muito em um projeto, ser muito criativo, etc. O problema existe quando alguém acredita que essa diferença é real e daí acredita ser “menos” do que os outros. Quando isso acontece, a limitação é amplificada para uma magnitude que pode chegar a realmente atrapalhar as suas metas. No meu caso, ser mulher, jovem e brasileira nunca me atrapalhou. Aliás, até mesmo ajudou porque, muitas vezes, quando você é minoria e faz um bom trabalho, as pessoas notam ainda mais.

No livro, você ressalta a importância dos relacionamentos e do networking. Que tipos de pessoas ajudam o empreendedor chegar ao sucesso?
Se olharmos ao nosso redor, vamos perceber que praticamente tudo foi feito com trabalho em equipe. Relacionamentos de confiança e admiração são extremamente importantes. Mas o valor que esses relacionamentos agregam depende da sua atitude em relação aos mentores que escolhe. Se você realmente quiser aprender, fizer perguntas pertinentes, escutar histórias com muita atenção, pensar criticamente sobre o que ouve, etc, ter mentores pode fazer uma diferença gigantesca na sua vida e na sua carreira.

Muita gente teme começar a empreender fazendo parcerias. É possível empreender sozinho?   
Há pessoas que trabalham muito bem sozinhas. Não é 100% necessário que você tenha um sócio, mas quando se trata de começar uma companhia, você precisa estar muito preparado para altos e baixos. Ter alguém que te complemente profissionalmente pode ser decisivo para que a empresa não colapse. A questão de confiança é muito importante: se possível, encontre alguém em quem você confia de olhos fechados. Isso não acontecerá da noite por dia, então muitas vezes pode levar anos até que essa confiança seja construída.

Você diz que escreveu o livro para responder as perguntas mais frequentes que ouve. Algo mais te inspirou?
Um outro fator muito importante foi o sentimento de responsabilidade em relação ao Brasil. Eu amo o Brasil e sei que voltarei a morar aí, mas no momento moro fora, e sempre penso como posso continuar extremamente conectada com o meu país. Como muitas das coisas que aprendi mudaram a minha vida, achei que tinha um compromisso em passar essas dicas adiante. O livro surgiu dessa idea de dividir as lições que tenho aprendido.

Por que você optou pela distribuição gratuita on-line?
Há maneiras diferentes de definir um emprendedor de sucesso. Para mim, um empreendedor de sucesso é aquele que toca vidas de uma maneira positiva. Vejo esse livro como um empreendimento social, e minha meta é alcançar o maior número de pessoas interessadas no assunto -- e tocar a vida dessas pessoas da maneira mais positiva possível. A decisão de distribuir o livro gratuitamente on-line foi visando facilitar que qualquer pessoa interessada no tema tivesse acesso ao material. E foi também uma questão de velocidade: eu queria muito colocar esse material nas mãos das pessoas rapidamente, então resolvi eliminar barreiras de distribuição ou de pagamento.

Há a intenção de publicar uma versão impressa?
A recepção até agora foi muito positiva e o número de interessados foi uma surpresa muito agradável. Na primeira semana, o livro foi baixado mais de 100 000 vezes e os números continuam crescendo muito rapidamente. Eu fiz o projeto com muito carinho e isso encheu meu coração de alegria. Muitas pessoas perguntam se terá versão impressa. Eu estou pensando no assunto. A versão on-line facilita a distruibuição, mas nem todos têm acesso a essa tecnologia. Fazer uma versão impressa pode ser uma boa solução para aumentar ainda mais a distribuição.

CORREÇÃO: A versão original desta reportagem continha informações erradas. A empreendedora brasileira Bel Pesce não concebeu o projeto, não foi a única nem a principal fundadora da empresa dos EUA Lemon (aplicativo de finanças pessoais), como dava a entender o texto. Ela foi membro da equipe fundadora, à qual se juntou pouco depois de formada a equipe original. O texto foi corrigido. Leia também reportagem sobre a polêmica das qualificações da empreendedora..