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BNDES é dono de R$ 3,5 bilhões em ações da JBS, mas não manda nela; entenda

Foto: Divulgação
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Téo Takar

Colaboração para o UOL, em São Paulo

18/10/2017 04h00

Os atritos entre o BNDES e a JBS ganharam as páginas dos jornais depois que o presidente do banco de fomento, Paulo Rabello de Castro, criticou publicamente a volta de José Batista Sobrinho, pai de Wesley e Joesley Batista e conhecido como "Zé Mineiro", à presidência da empresa. Castro defende a escolha de um gestor profissional para assumir o frigorífico.

A mudança no comando do grupo foi feita às pressas, por causa da prisão do então presidente, Wesley Batista, suspeito de usar a informação privilegiada sobre a própria delação premiada para obter ganhos no mercado financeiro.

Mas como o BNDES acabou se tornando o segundo maior acionista da JBS, com quase um quarto da empresa, atrás apenas da participação da família Batista? Entenda.

De Anápolis para o mundo

A JBS nasceu em 1953 como um açougue, a Casa de Carnes Mineira, que, apesar do nome, ficava em Anápolis (GO). O açougue ganhou tamanho em 1957, quando se tornou o principal fornecedor de carne para os refeitórios das empreiteiras responsáveis pela construção de Brasília. Em 1970, a empresa adotou o nome Friboi com a compra de um frigorífico em Formosa (GO).

Após a aquisição de diversos frigoríficos nacionais, em 2005 o Friboi deu o primeiro passo para se tornar internacional, com a compra da Swift Argentina. Dois anos depois, mudou o nome para JBS (as iniciais do fundador José Bastista Sobrinho), lançou ações na Bolsa de Valores e adquiriu as operações da Swift nos Estados Unidos e na Austrália, tornando-se a maior processadora de carne bovina do mundo.

Em 2009, a JBS fez outras grandes aquisições, como o frigorífico brasileiro Bertin e a americana Pilgrim's Pride, que marcou a entrada da empresa no segmento de processamento de carne de frango. Em 2013, comprou a Seara, fortalecendo sua presença nos segmentos de aves e suínos. Em 2015, levou a Moy Park, da Irlanda, e a operação de suínos da Cargill nos Estados Unidos.

A extensa lista de marcas da empresa inclui ainda os laticínios Vigor, a margarina Doriana e a linha de massas frescas Massa Leve. A JBS possui hoje 234 unidades, emprega 230 mil funcionários e exporta para mais de 150 países.

Campeão nacional

A ascensão meteórica da JBS coincide com a política defendida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de criar "campeões nacionais", inspirado no modelo adotado pela Coreia do Sul. A ideia era que determinadas empresas recebessem ajuda do governo para se tornarem líderes em escala global em seus setores.

A escolha das companhias, na época, parecia aleatória. Não havia um critério estabelecido para beneficiar uma determinada empresa em detrimento de outras. O apoio dado à JBS desequilibrou o setor, provocando a quebra de vários frigoríficos, como o Independência, após a crise financeira mundial, em 2008.

Além da JBS, a lista de "campeões nacionais" incluía a operadora de telefonia Oi (hoje, em recuperação judicial), as empresas do grupo "X" de Eike Batista (como a OGX, que também entrou em recuperação judicial), a Brasil Foods e as estatais Petrobras e Eletrobras.

O "empurrão" do governo ajudou a JBS a ampliar seu faturamento anual de R$ 4 bilhões em 2007 para mais de R$ 170 bilhões no ano passado. A empresa se tornou a segunda maior companhia de alimentos do mundo, atrás apenas da suíça Nestlé.

Trocou dívidas por ações

Uma das questões mais polêmicas envolvendo o BNDES e a JBS foi o formato escolhido pelo banco para emprestar dinheiro ao frigorífico para compra da americana Pilgrim's, em setembro de 2009. Com a aquisição, a JBS se tornou o maior frigorífico do mundo.

O BNDES não fez um financiamento clássico, estabelecendo pagamentos mensais e datas de vencimento. A opção escolhida pelo banco de fomento foi comprar quase R$ 3,5 bilhões em debêntures (títulos de dívida) emitidas pela JBS e conversíveis em ações. Ou seja, em vez de receber o dinheiro de volta no vencimento final da dívida, o banco se tornou acionista da empresa.

A rapidez com que a operação foi aprovada pelo banco na época também gerou desconfianças.

A operação estava vinculada ao lançamento de ações da JBS na Bolsa de Nova York. A ideia é que o BNDES recebesse entre 20% e 25% das ações da JBS USA. Mas os planos para abrir capital no mercado americano não deram certo e o BNDES teve que se contentar em converter as debêntures em ações do JBS no Brasil, em 2011.

Hoje, o banco detém 21,3% das ações da JBS por meio de sua empresa de investimentos, a BNDESPar. É o segundo maior acionista do frigorífico, atrás apenas da família Batista, que possui 44,1% das ações por meio da empresa FB Participações.

Empréstimos bilionários

Levantamento da ONG Contas Abertas mostra que, entre 2002 e 2013, o BNDES liberou um total de R$ 12,8 bilhões para as empresas do grupo J&F, que reúne os investimentos da família Batista. Os recursos foram liberados na forma de empréstimos ou transformados em participações acionárias, ou seja, o banco se tornou sócio das empresas.

Conforme o levantamento da ONG, as empresas do grupo beneficiadas com recursos do BNDES foram a JBS, com R$ 6,6 bilhões, Eldorado Celulose (R$ 2,8 bilhões), Bertin (R$ 2,7 bilhões), Bracol (R$ 425,9 milhões) e Vigor (R$ 250,2 milhões).

Favorecimento com recursos do BNDES

A JBS é investigada desde maio pela Operação Bullish da Polícia Federal (PF) por ter sido supostamente favorecida no recebimento de recursos do BNDES, por meio de sua subsidiária de investimentos, a BNESPar.

Segundo a PF, o grupo J&F teria recebido R$ 8,1 bilhões a partir de junho de 2007 para utilizar na compra de outros frigoríficos e empresas. Há indícios de que as operações foram aprovadas em tempo recorde e feitas sem garantias, o que teria gerado prejuízo de R$ 1,2 bilhão ao banco.

Os aportes do BNDES aconteceram após a contratação, pela JBS, de uma consultoria ligada ao ex-ministro Antonio Palocci. Além dos irmãos Joesley e Wesley Batista, o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho também é alvo da investigação.

Em sua delação premiada, Joesley admitiu ter pago R$ 200 milhões em propinas ao ex-ministro Guido Mantega e a outras lideranças do PT para facilitar a liberação de recursos do BNDES para suas empresas. "Minha relação sempre foi com o Guido (Mantega). Não sei como funcionava com o Guido e o banco. Acho que ele (Guido) pressionava o Luciano (Coutinho), que sempre foi muito formal comigo", disse.

Fraudes com fundos de pensão e na qualidade das carnes

O grupo empresarial dos irmãos Batista é investigado ainda em outras duas operações da Polícia Federal. A Greenfield apura desvios de R$ 8 bilhões dos fundos de pensão Funcef (da Caixa Econômica Federal), Petros (Petrobras), Previ (Banco do Brasil) e Postalis (Correios). Os recursos teriam beneficiado a Eldorado Celulose, que faz parte da holding J&F.

A JBS também está envolvida na Operação Carne Fraca, que descobriu irregularidades na qualidade das carnes em 21 frigoríficos. A Polícia Federal identificou um esquema de pagamento de propinas a fiscais do Ministério da Agricultura para permitir que produtos fora dos padrões de qualidade fossem comercializados.