Taxa básica de juros cai a menor nível em 21 anos; e as taxas dos bancos?
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central cortou a taxa básica de juros (Selic) em 0,5 ponto percentual, dos atuais 7,5% para 7% ao ano. É o menor nível da história --o Copom foi criado em 1996.
Em pouco mais de 12 meses, a Selic caiu pela metade: saiu de 14,25%, em setembro de 2016, para o patamar atual. Apesar da forte queda da taxa básica, os juros que os bancos cobram do consumidor (no crédito consignado, empréstimo pessoal e cheque especial, por exemplo) não diminuíram na mesma proporção. Pelo contrário: em alguns meses, a Selic caiu, mas os juros médios cobrados pelos bancos chegaram a subir.
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A exceção foi a taxa do rotativo do cartão de crédito, que caiu bastante, mas porque o BC mudou as regras de uso dessa linha de crédito. Desde abril, nenhum consumidor pode usar o rotativo do cartão por mais de 30 dias seguidos. Após esse prazo, o cliente deve quitar a fatura ou parcelar o que deve.
Custo do dinheiro no Brasil é maior que no México, Chile e EUA
Primeiramente, é preciso entender o que é spread bancário: é a diferença entre a taxa que o banco paga para obter o dinheiro e o juro que ele cobra para emprestar ao consumidor.
Segundo dados do BC compilados pela Federação Brasileira dos Bancos, o spread bancário no Brasil foi, em média, de 22% em 2016, bem acima do que é registrado em países como México (9,1%), Alemanha (5,5%), Estados Unidos (5,2%), Chile (4,3%) e Índia (4%).
Juros do BC e juros ao consumidor em ritmos diferentes
Se a taxa básica de juros está caindo, por que os juros cobrados pelos bancos não acompanham o mesmo ritmo?
Segundo especialistas, a explicação está na composição do spread bancário.
Spread, no Brasil, não é simplesmente a diferença entre o juro que o banco cobra de você e o custo de captação do dinheiro. Há mais coisas dentro dessa conta.
Joelson Sampaio, economista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV)
O custo do dinheiro é composto por cinco itens, segundo o diretor executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas da Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira.
Além da taxa Selic, entram na conta: o risco de calote, os impostos e compulsórios [dinheiro que fica retido pelo BC], despesas administrativas e, sim, a margem de lucro dos bancos.
Selic a 7%, mas empréstimo pessoal a 99,5%
Embora a Selic seja a taxa básica de juros da economia, que influencia diretamente no custo de captação, ou seja, quanto os bancos pagam para conseguir levantar dinheiro para emprestar, ela representa apenas uma parte da conta.
"Apesar de a taxa Selic ter caído pela metade nos últimos meses, ela não tem um peso tão grande dentro da composição do spread. Ela representa cerca de um terço da conta", diz Sampaio, da FGV.
O movimento de queda dos juros não é proporcional. Enquanto a Selic cai 0,5 ponto percentual, de 7,5% para 7% ao ano, um empréstimo pessoal também vai cair 0,5 ponto, talvez um pouco mais, só que vai recuar de 100% para 99,5% ao ano.
Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor da Anefac
Risco de calote é fator que mais pesa
O risco de calote é o fator que mais encarece os juros no Brasil. Quanto maior a chance de calote, maior será o juro cobrado. Por essa razão, os juros do cartão de crédito e do cheque especial são muito mais altos do que o do crédito consignado, que é descontado diretamente do salário, por exemplo. "A inadimplência representa pelo menos um terço do spread bancário", diz Oliveira.
O calote também explica o fato de o spread cair em um ritmo muito mais lento do que o recuo da Selic.
Estamos em um cenário de inflação baixa, o que permite ao Banco Central cortar a Selic, mas o nível de desemprego ainda permanece muito elevado, o que tem efeito direto sobre a inadimplência.
Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor da Anefac
Impostos e regras do BC também entram na conta
Um estudo elaborado pela Febraban mostra que a carga tributária tem peso significativo dentro dos custos para se emprestar dinheiro no país. A carga de impostos sobre os bancos chega a 45% (25% de Imposto de Renda e 20% de Contribuição Social Sobre o Lucro líquido), acima da carga de outros setores da economia, que pagam, em média, 34%.
Outro fator de queixa dos bancos para justificar os spreads altos é o chamado depósito compulsório. Uma parcela dos valores que as pessoas depositam nos bancos fica retida no Banco Central, como forma de controlar a quantidade de dinheiro em circulação na economia.
Hoje, 45% de todos os depósitos à vista (feitos em conta corrente), 30% dos depósitos na poupança e 36% dos depósitos a prazo (um investimento em CDB, por exemplo) são direcionados ao BC. No mundo, a média de depósitos compulsórios é de 3% para depósitos à vista, 2% para depósitos a prazo e nenhum compulsório sobre a poupança.
Na prática, isso quer dizer que os bancos brasileiros têm que captar três vezes mais recursos para emprestar o mesmo volume de dinheiro que os bancos de outros países.
Murilo Portugal, presidente da Febraban, em evento promovido recentemente pela entidade
Recuperação da economia pode acelerar queda dos juros
Os especialistas acreditam que a recuperação econômica esperada para os próximos meses ajudará a puxar os calotes para baixo, abrindo espaço para uma queda no spread bancário.
Com a economia em crescimento, a oferta de emprego vai aumentar, a renda das famílias vai voltar a crescer e elas poderão quitar as dívidas atrasadas. Eu acredito que a queda dos juros será maior em 2018, conforme a economia acelere.
Joelson Sampaio, economista e professor da FGV
Mais concorrência ajudaria a puxar juros para baixo
A melhora da economia também deve estimular os bancos a oferecerem mais crédito, o que, por si só, deve fazer com que as taxas caiam, segundo Sampaio. Por outro lado, a queda dos juros esbarra em um outro problema: de cada R$ 5 movimentados no país, R$ 4 estão nas mãos dos cinco maiores bancos.
"A queda dos juros poderia ser maior se houvesse um ambiente de maior concorrência entre os bancos. A concentração bancária, sem dúvida acaba limitando uma redução ainda maior dos spreads", diz o professor da FGV.
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