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Governo fecha fundo que controlaria dólar e o usa para pagar suas despesas

Cristiane Bonfanti

Do UOL, em Brasília

24/05/2018 04h00

O governo anunciou na segunda-feira (21) o fim do Fundo Soberano do Brasil, que deveria ajudar o país em crises com o dólar, e vai usar o dinheiro para pagar suas próprias despesas.

Isso é reflexo de um governo que está desesperado e raspando o tacho de suas reservas para pagar dívidas e apagar um incêndio nas contas públicas, visando apenas o curto prazo, avaliam economistas ouvidos pelo UOL. Um economista disse que o país parece uma família endividada que vende as joias da vovó às pressas.

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O fundo foi criado em 2008, chegou a ter R$ 26,5 bilhões e agora estava com cerca de R$ 500 milhões. Ele era uma espécie de “poupança” que buscava, entre outros objetivos, manter a cotação do dólar mais estável, evitando grandes quedas.

Para as pessoas que viajam, o dólar alto é ruim, mas para as empresas brasileiras que exportam, o problema são o dólar baixo e o real valorizado. Nessa situação, os produtos brasileiros ficam mais caros para serem vendidos no exterior. O fundo serviria para tentar evitar isso.

Governo está sem dinheiro e busca alternativas

Com as contas no vermelho, a equipe econômica tem usado diversas fontes para conseguir alcançar a sua meta de economia para o ano e decidiu recorrer ao Fundo Soberano. Ele foi extinto na segunda-feira por medida provisória assinada pelo presidente Michel Temer.

Na prática, além de pagar uma parte de suas despesas, o governo quer cumprir a chamada “regra de ouro” das contas públicas. Essa norma proíbe que o governo se endivide para pagar despesas do dia a dia da máquina pública, como salários de servidores.

O problema é que, com o orçamento público apertado e cada vez mais comprometido com despesas que são obrigatórias, entre elas o próprio pagamento de salários, o governo está endividado e corre o risco de descumprir essa regra.

Decisão não é solução, é só desespero, dizem analistas

Na opinião de especialistas, no entanto, o governo erra ao recorrer a reservas como a do Fundo Soberano para resolver um desequilíbrio imediato de suas contas, sem atingir a raiz do problema.

André Perfeito, economista-chefe da Spinelli Corretora, afirmou que, no desespero de resolver os seus problemas fiscais, a equipe econômica está raspando todos os seus fundos.

Além de extinguir o Fundo Soberano, a União pediu a devolução antecipada de R$ 130 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Esses valores dizem respeito a repasses feitos pelo Tesouro Nacional ao banco de fomento no ano passado.

O governo também estuda utilizar recursos de fundos de óleo e gás e de telecomunicações para pagar as suas despesas. “Essas medidas mostram o desespero do governo em tentar controlar a situação calamitosa dos gastos fiscais. Isso é sábio? Acho que não. Há coisas que não deveriam ser feitas no afogadilho”, disse Perfeito.

Brasil parece família endividada que vende joias da vovó

Perfeito disse que a criação do fundo soberano fazia parte da estratégia do governo de evitar uma valorização acentuada do real (e queda do dólar). Isso aconteceu, por exemplo, com as exportações de petróleo do Brasil.

Com o aumento das exportações, entra mais dólar no país. A oferta maior faz com que o preço da moeda caia, e o real, consequentemente, se valorize.

Para evitar essa instabilidade, os recursos iam para o fundo, reduzindo a oferta de dólares na economia. Essa é a estratégia utilizada por países como a Noruega e a Arábia Saudita, por exemplo, grandes exportadores de petróleo.

“O fundo evitava que uma enxurrada de dólares entrasse no país e tornasse o real mais valorizado”, disse.

Perfeito afirmou que, hoje, o Brasil não gera essa receita elevada com exportação de petróleo. No entanto, se resolver os problemas de suas refinarias e passar a ter lucro com a venda de petróleo e derivados ao exterior, pode precisar do fundo.

“O Fundo Soberano não estava capitalizado [não tinha muito dinheiro]. Mas, se o Brasil virar o grande exportador de petróleo, seria interessante ter esse fundo. O governo age como uma família endividada que está vendendo até as joias da vovó para pagar as suas contas”, disse.

Governo está gastando tudo o que tem sem resolver

O economista Amir Khair, especialista em contas públicas e ex-secretário de Finanças de São Paulo, afirmou que o governo está recorrendo a cada centavo para, de uma maneira artificial, resolver o problema de suas contas.

“O governo está exaurindo tudo o que tem, mesmo que os recursos tenham outra finalidade, para atender ao seu quadro fiscal imediato”, disse.

Na avaliação de Khair, o governo deveria ter mantido o Fundo Soberano porque ele foi criado com outro objetivo. A seu ver, o uso das reservas não resolve o problema das contas públicas.

“O Brasil vai ser um dos grandes fornecedores mundiais de petróleo no futuro, e isso vai gerar um excesso de dólar aqui”, afirmou.

Khair disse que, mesmo recorrendo a uma série de medidas para cumprir a regra de ouro neste ano, o Brasil não vai resolver o seu problema fiscal de longo prazo, se não promover o crescimento econômico.

“Também é preciso reduzir a chamada conta de juros [os gastos que o governo tem para pagar os juros de sua dívida pública], não necessariamente reduzindo o montante dessa dívida”, disse.

Extinção foi “solução possível”, diz especialista

O especialista em contas públicas Gabriel Leal de Barros, um dos diretores da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, afirmou que, embora não seja a melhor solução, o uso do Fundo Soberano foi o caminho “possível” para garantir o cumprimento da “regra de ouro”.

“Diante da complexidade para o cumprimento da regra de ouro das finanças públicas neste ano, regra constitucional, a utilização dos recursos do Fundo Soberano acaba sendo a solução possível”, disse.

Contas do governo estão no vermelho há quatro anos

Depois de quatro anos seguidos com as contas no vermelho, o governo projeta mais um rombo para 2018. A meta é registrar um resultado negativo de R$ 159 bilhões no fechamento deste ano, o equivalente a 2,27% do Produto Interno Bruto (PIB), no resultado.

Esses números fazem parte do chamado resultado primário, a poupança que o governo faz para pagar os juros da dívida pública. Eles significam que, mais uma vez, as despesas do governo federal vão superar as suas receitas com impostos e tributos.

Os seguidos resultados negativos são sinalização de que o Brasil não consegue honrar seus compromissos.

Veja o resultado das contas públicas ano a ano:

  • 2008: R$ 71,438 bilhões (2,3% do PIB)
  • 2009: R$ 39,436 bilhões (1,2% do PIB)
  • 2010: R$ 77,891 bilhões (2,0% do PIB)
  • 2011: R$ 91,891 bilhões (2,1% do PIB)
  • 2012: R$ 84,988 bilhões (1,8% do PIB)
  • 2013: R$ 72,159 bilhões (1,4% do PIB)
  • 2014: - R$ 23,482 bilhões (0,4% do PIB)
  • 2015: -R$ 120,502 bilhões (2,0% do PIB)
  • 2016: -R$ 161,275 bilhões (2,6% do PIB)
  • 2017: -R$ 124,261 bilhões (1,9% do PIB)

Neste ano, no somatório de janeiro a março, o governo registrou resultado negativo de R$ 13 bilhões em suas contas. No mesmo período do ano passado, esse rombo foi de R$ 19,6 bilhões. No somatório dos 12 meses encerrados em março, as contas já estão negativas em R$ 119,5 bilhões, o que representa 1,78% do PIB.

O governo precisa equilibrar suas contas e garantir o cumprimento da “regra de ouro”. Segundo dados do Ministério do Planejamento, para obedecer a essa norma, faltam R$ 181,9 bilhões apenas em 2018. A equipe econômica precisa fechar essa conta.