Quando o banco liga para confirmar saque, é para te proteger ou fiscalizar?
Você recebeu um telefonema do gerente do banco questionando sobre um saque ou transferência de valor alto? Ele não está apenas querendo verificar se foi você mesmo quem fez a operação, para descartar uma eventual fraude, como a clonagem do cartão. Uma das maiores preocupações dos bancos hoje é prevenir a lavagem de dinheiro.
Os bancos estão apertando o cerco contra movimentações financeiras que tenham indícios de origem ilícita, como tráfico de drogas, contrabando e corrupção. Se você pensa que as instituições estão preocupadas apenas com grandes quantias de dinheiro, está enganado. Pequenos depósitos, saques ou transferências, muito frequentes ou fora do comum, também merecem atenção.
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Não se sinta constrangido em explicar ao gerente do banco o motivo de uma transferência, por exemplo, se você comprou um carro, ou se precisou fazer vários saques para pagar os pedreiros que estão reformando sua casa. Afinal, no seu caso, tanto a origem como o destino dos recursos são lícitos.
Aprendizado com a Lava Jato
Dinheiro na cueca, malas de dinheiro guardadas em um apartamento, entrega de propina em um restaurante, contas no exterior, posto de gasolina de fachada. Esses e diversos outros episódios curiosos foram revelados nos últimos anos nas operações de combate à corrupção, como a Lava Jato, a Zelotes e a Greenfield.
Os bancos têm aprendido como evitar novos esquemas de lavagem graças aos depoimentos prestados pelos doleiros e operadores descobertos nas investigações da Polícia Federal e do Ministério Público.
As investigações revelaram que os esquemas evitam movimentar grandes quantias de uma vez para não chamar a atenção dos bancos e dos órgãos de fiscalização, como o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), vinculado ao Ministério da Fazenda.
De olho em valores menores
Atualmente, qualquer saque em dinheiro vivo superior a R$ 50 mil precisa ser comunicado pelo banco ao Coaf. Até o fim do ano passado, apenas operações acima de R$ 100 mil eram comunicadas.
Além disso, o correntista precisa avisar o banco sobre sua intenção de saque com 72 horas de antecedência. Depósitos e transferências eletrônicas de valores elevados também devem ser informadas ao órgão de controle do governo.
Apenas no ano passado, os bancos emitiram mais de um milhão de comunicados de alerta ao Coaf por causa de movimentações de valores elevados ou transações suspeitas. Destes, cerca de 6.000 foram analisados pelo órgão devido aos indícios de lavagem de dinheiro ou de financiamento ao terrorismo.
Os resultados das análises foram encaminhados às autoridades para investigação e apuração de prática criminosa.
Dinheiro vivo não permite rastrear origem e destino
Alguns tipos de estabelecimento, como postos de gasolina, supermercados e empresas de ônibus urbanos são propícios para esquemas de lavagem de dinheiro.
Há uma grande entrada de dinheiro vivo para pagar por produtos e serviços. Em tese, o dinheiro deveria vir das centenas de clientes desses estabelecimentos, mas nada impede que uma grande parte dos supostos pagamentos seja fictícia.
O problema é que dinheiro em espécie não é rastreável. Você não tem como saber se determinada quantia tem como origem ou destino uma prática ilegal.
José Eduardo Moreira Bergo, membro da Comissão de Prevenção à Lavagem de Dinheiro da Febraban
"A circulação de dinheiro em espécie é uma grande preocupação para os bancos. E não apenas por questões de segurança, de ter que manter grandes quantias disponíveis nas agências e caixas eletrônicos", afirmou José Eduardo Moreira Bergo, diretor de Segurança Institucional do Banco do Brasil e membro da Comissão de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Financiamento ao Terrorismo da Febraban(Federação Brasileira de Bancos).
Gastos com crédito ou débito são rastreáveis
Nas compras feitas com cartão de débito ou crédito e nas transferências eletrônicas, como TED e DOC, é possível identificar tanto quem pagou ou enviou o dinheiro como quem recebeu.
Segundo Bergo, o elevado nível de informalidade da economia brasileira, com muitas pessoas sem conta em banco, acaba favorecendo os esquemas de lavagem porque há um grande volume de dinheiro em circulação no comércio.
De acordo com o estudo "O brasileiro e sua relação com o dinheiro", divulgado pelo Banco Central, cerca de 29% da população ainda recebe salário em dinheiro vivo, enquanto 48% recebem por meio dos bancos.
"Padaria" funcionava no segundo andar de um sobrado
Alguns esquemas de lavagem já são bem conhecidos pelos bancos. Outros são, no mínimo, inusitados.
"Tivemos um caso curioso. De uma [falsa] padaria que funcionava no segundo andar de um sobrado. Ela tinha toda movimentação compatível com uma padaria. Menos o endereço. Um funcionário do banco foi lá verificar e percebeu que não se tratava de uma padaria", disse Bergo, da Febraban.
Agilidade dos criminosos dificulta combate à lavagem
De forma geral, os esquemas de lavagem são difíceis de combater devido à agilidade dos criminosos. Contas correntes são abertas e usadas por curtos períodos. Em apenas dois ou três meses, os criminosos conseguem girar grandes quantias.
"Imagine que eu recebo um cadastro de abertura de conta corrente de um cidadão que se apresenta com uma determinada profissão e que tem uma renda 'X'. Nós temos vários correntistas exercendo a mesma profissão e sabemos qual é o padrão de movimentação financeira deles. Mas esse cidadão só recebe depósitos de pequenos valores em dinheiro. Muitos depósitos, que somam três, quatro vezes a renda declarada. Como os valores dos depósitos são pequenos, em tese ele não deveria despertar atenção mas, sem dúvida, é uma situação suspeita”, disse Bergo.
Essa é uma prática muito comum do tráfico de drogas. Depósitos de pequenos valores, como R$ 100, são feitos com uma frequência muito alta –dezenas por dia. Pouco tempo depois, todo o dinheiro é retirado ou transferido e a conta é fechada.
Falta de sistema central de informações facilita fraudes
A falta de um sistema único de identificação dos brasileiros abre espaço para fraudes. Hoje uma mesma pessoa pode emitir um documento de identificação pessoal (RG) em qualquer estado ou no Distrito Federal. E todos os 27 RGs da mesma pessoa são legalmente válidos.
O mesmo problema acontece com cartórios e outras repartições públicas. Não há uma central de informações no país para compartilhar, por exemplo, informações sobre mortes, o que favorece as fraudes com documentos de pessoas falecidas.
No caso de furto ou roubo de documentos, acontece o mesmo problema. O cidadão pode informar os órgãos de proteção ao crédito, como a Serasa ou o SCPC. No entanto, a iniciativa da comunicação tem que partir do interessado, em vez de ser feita automaticamente, ao se registrar um boletim de ocorrência, por exemplo.
Equipes dos bancos "espionam" agências e clientes
Fraudes eletrônicas, roubos de agências e outros crimes causam prejuízo financeiro direto aos bancos. A lavagem de dinheiro, diferentemente, não é uma prática que provoca perdas relevantes às instituições.
A maior preocupação, nesse caso, é o desgaste da imagem do banco e as eventuais punições legais e multas por parte de órgãos de fiscalização no Brasil e no exterior.
Uma instituição manchada por um caso de lavagem de dinheiro pode sofrer restrições para operar com bancos brasileiros e de outros países, prejudicando os negócios.
Essa é uma das razões pelas quais os bancos mantêm equipes especiais dedicadas a combater a lavagem de dinheiro. No Brasil, cada um dos grandes bancos possui, em média, 200 pessoas trabalhando exclusivamente para analisar e prevenir possíveis práticas de lavagem.
Trata-se de uma área independente, que investiga as atividades das agências bancárias sem que essas sejam informadas. É uma forma de verificar se, eventualmente, há funcionários envolvidos nas fraudes.
Além disso, a investigação por uma equipe especial, externa à agência bancária, visa preservar os funcionários, evitando colocá-los em risco ao ter contato com os clientes criminosos. Nesse caso, a equipe especial toma todas as providências e informa as autoridades.
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