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Bancos estudam novo crediário para cartão em 2019, diz Febraban

Pedro Ladeira/Folhapress
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Da Agência Brasil

10/12/2018 09h42

Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o presidente da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), Murilo Portugal, diz que está sendo discutido um novo tipo de financiamento ao consumo, previsto para ser implantado em 2019, que estabelece um crediário no cartão de crédito – que seria disponibilizado no ato da compra, com prazo mais longo e com juros cobrados ao usuário do cartão. Seria uma das medidas pensadas para diminuir os altos juros dos cartões de crédito.

As propostas da Febraban para baixar os juros no Brasil estão descritas no livro sobre o tema, distribuído online gratuitamente, que acaba de ser lançado pela entidade. Nesta entrevista por e-mail, Murilo Portugal avalia que “o custo do dinheiro no Brasil é mais alto do que em outros países, assim como muitos outros produtos aqui também são mais caros: carros, roupas, celulares. Segundo ele, “os custos que os bancos têm para emprestar representam 91% da taxa de juros.”

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O presidente da Febraban vê com otimismo o ano de 2019. Julga que haverá retomada em ritmo mais forte do crescimento da atividade econômica, bem como do crédito, principalmente se for feita a reforma da Previdência.

Ele avalia como positiva a proposta do novo governo de independência do Banco Central. “[Isso] Sinaliza ao mercado que a autoridade monetária trabalhará sem interferência políticas, concentrada em seu objetivo de garantir a estabilidade financeira e o poder de compra da moeda”, afirmou.

Veja a entrevista abaixo.

Agência Brasil: A Febraban acaba de lançar, com distribuição gratuita, o livro "Como fazer os juros serem mais baixos no Brasil". Qual é a fórmula para isso?

Murilo Portugal: A fórmula envolve três ingredientes principais. Primeiro, manter condições macroeconômicas favoráveis: inflação baixa e estável, pagamento de parte dos juros da dívida pública com recursos fiscais, para que a dívida não suba como proporção do PIB, estabilidade financeira e externa.

Segundo, uma reforma no ambiente do crédito, para reduzir os custos da atividade de emprestar, os custos da inadimplência, os custos operacionais, os custos tributários e regulatórios.

Terceiro, continuar incentivando a competição no mercado de crédito para que as reduções de custos sejam repassadas aos tomadores de crédito. Acreditamos que é importante a participação de Legislativo, Judiciário, Executivo e da sociedade nesse debate.

O livro "Como fazer os juros serem mais baixos no Brasil" é nossa contribuição para o debate. Fizemos um diagnóstico baseado em critérios técnicos e propostas concretas para tratar de problemas que impedem que os juros caiam mais. Os bancos não decidem arbitrariamente qual taxa de juros vão cobrar. A taxa de juros e o spread [diferença entre os juros que os bancos pagam para captar recursos e os juros que cobram para emprestar aos clientes] são fortemente impactados pelas condições macroeconômicas, distorções tributárias, custos regulatórios e há uma série de medidas a serem adotadas para que o custo da atividade de emprestar seja reduzido.

Todo brasileiro gostaria de entender por que os juros do cheque especial e dos cartões de crédito continuam nas alturas, ultrapassando 270% ao ano, apesar de inflação e de taxa Selic tão baixas. Como explicar isso?

O cheque especial e o cartão de crédito com rotativo representam apenas 2,4% de todo o volume de crédito que os bancos oferecem aos clientes. O cheque especial, por exemplo, foi criado para ser usado por curtos períodos e em situações de emergência, uma comodidade oferecida ao cliente. É a linha de crédito mais cara do mercado porque não exige garantias dos correntistas, como nos consignados e outros tipos de empréstimos, porque a inadimplência no cheque especial é quatro vezes a de outros produtos, e porque os bancos têm de manter uma parte do seu capital sempre disponível para cobrir os riscos do cheque especial, mesmo para aqueles clientes que têm o produto mas nunca usam.

Além disso, a forma como é divulgada a taxa anual de juros desse produto, com os juros mensais compostos por um período de 12 meses, não reflete a maneira como muitos clientes usam o produto. Considera o caso do correntista que entra no cheque especial e não faz pagamentos de juros durante todo um ano. O prazo médio de uso do cheque especial é de 21 dias. Mesmo aqueles que usam o cheque especial todos os meses do ano, mas que quitam o pagamento dos juros a cada mês, não pagam a taxa anual da forma em que é atualmente divulgada porque a taxa de juros do segundo mês não incide sobre os juros já pagos do primeiro mês.

A Febraban tem trabalhado para que haja um uso adequado do cheque especial, e, assim, caia a inadimplência desse produto, permitindo baixar sua taxa de juros. Criamos uma autorregulação que determina aos bancos avisar aos clientes cada vez que entram no cheque especial. Se usarem mais de 15% do limite por mais de um mês seguido, é oferecida automaticamente uma linha de crédito mais barata. A Febraban tem feito campanhas de comunicação para incentivar o uso consciente do cheque especial, com recomendação para que o cliente troque o saldo devedor por um empréstimo mais barato. Caindo a inadimplência, caem os juros.

Quanto aos cartões de crédito, há também um problema de subsídio cruzado entre clientes: os que usam o cartão, mas pagam a fatura integralmente, e os que compram no chamado parcelado sem juros acabam sendo subsidiados por aqueles que pagam juros ao rolar a dívida do cartão no rotativo. Há uma solução sendo discutida entre a indústria e o órgão regulador, prevista para 2019, para implantação de um crediário no cartão de crédito –um mecanismo de financiamento ao consumo, disponibilizado no ato da compra, com prazo mais longo e com juros cobrados ao usuário do cartão.

O cidadão comum acha que os bancos lucram demais, muito acima dos demais setores. Como a Febraban responde a isso?

É falso. Os lucros dos bancos são altos em termos absolutos, mas quando comparados com o volume do capital investido, que é muito maior, a taxa média de lucro do setor bancário foi de 12,5% ao ano em 2017. Essa rentabilidade está alinhada com as margens de lucro de bancos em outros países emergentes e com a lucratividade de outros setores econômicos do Brasil.

Por exemplo, o retorno sobre o patrimônio líquido dos cinco maiores bancos brasileiros –de 16,2% ao ano, na média dos cinco anos entre 2012 e 2016– está no mesmo patamar dos cinco maiores bancos de outros países emergentes, como Chile (17,8%) e África do Sul (15,2%). 

Quando comparada com outros setores da economia brasileira, a lucratividade dos bancos variou do quinto para o 16º lugar entre 2005 e 2017, segundo dados da publicação Valor 1000, que se refere às 1000 maiores empresas do Brasil de todos os setores. Nesse período, setores como mineração, veículos, bebidas e fumo, comércio atacadista e metalurgia e siderurgia tiveram taxas de lucro maiores do que os bancos. É bom lembrar que lucros são garantia de solidez empresarial, garantia de que o depositante está operando com uma instituição forte. E os bancos sempre estiveram especialmente atentos a esse aspecto.

O que é preciso mudar para que o custo do dinheiro deixe de ser alto no Brasil?

O custo do dinheiro no Brasil é mais alto do que em outros países, assim como muitos outros produtos aqui também são mais caros: carros, roupas, celulares... Por exemplo, os custos dos cinco maiores bancos brasileiros com inadimplência são duas vezes mais altos que a média de outros países emergentes, e oito vezes maiores do que a média de países desenvolvidos.

Também são bem mais altos aqui os impostos sobre o setor, os custos operacionais, e vários outros custos, todos descritos no livro que estamos lançando. É necessária a adoção de medidas para reduzir esses custos, para que os juros pagos pelos clientes sejam menores. Com juros menores, os bancos conseguiriam emprestar mais, lucrando com a maior quantidade de empréstimos e não com o preço desses empréstimos. Os dados do Banco Central mostram que, na média, os lucros dos bancos representam 9% da taxa de juros cobrada do cliente, enquanto, na média, os custos que os bancos têm para emprestar representam 91% da taxa de juros.

Qual deveria ser a primeira medida do novo governo e do novo Congresso nesta direção? Aprovação de cadastro positivo e da nova lei de falências? Mudança de regras no Banco Central?

Todas as medidas são importantes, e é o conjunto delas que vai nos permitir ter, aqui, juros mais baixos. Nós listamos algumas dessas medidas no livro, que pode ser baixado no site jurosmaisbaixosnobrasil.com.br. Há várias medidas sendo discutidas no Congresso e examinadas no Executivo, todas importantes, como a aprovação do PLC 441/17, que aperfeiçoa o Cadastro Positivo; o PL 478/2017, que permite a apreensão extrajudicial de bens móveis alienados fiduciariamente. A Lei de Falências e Recuperação Judicial e Extrajudicial vigente tem distorções que entendemos que precisam ser corrigidas. Os processos demoram muito a ser decididos e poucas empresas que entram em recuperação continuam operando depois. Ou seja, a lei não está cumprindo suas finalidades de preservar empresas e empregos. Por isso, a necessidade das mudanças.

Como o senhor vê a proposta do novo governo de dar autonomia ao Banco Central? Faz diferença para o mercado?

A ideia de um Banco Central independente, com mandatos fixos para os diretores, metas de inflação e formas claras de atuação, como propõe o plano do futuro governo, “O Caminho da Prosperidade”, sinaliza ao mercado que a autoridade monetária trabalhará sem interferência políticas, concentrada em seu objetivo de garantir a estabilidade financeira e o poder de compra da moeda.

O senhor acredita que a retomada da economia, que anda em ritmo lento principalmente em relação aos empregos, vai se acelerar em 2019?

Há indicações de que já está havendo uma retomada do ritmo de crescimento da economia. Os bancos fazem previsões de um aumento entre 2,5% e 3% do PIB para 2019, o que depende de vários fatores, entre eles a concretização de reformas, como a da Previdência, que ajudará a tornar sustentável a dívida pública e contribuirá para a estabilidade macroeconômica. O crédito também já vem se recuperando, e acreditamos que pode crescer mais rápido com a reforma no ambiente de crédito que estamos propondo, cortando custos da atividade de emprestar dinheiro no Brasil e abrindo espaço para mais crédito, juros mais baixos e mais crescimento.

(Edição: Carolina Pimentel e Mara Bergamaschi)